O delirium pediátrico (DP) consiste em uma disfunção cerebral comum e grave, associada a piores desfechos e internação prolongada, e cuja etiologia é multifatorial, incluindo o uso de sedativos e opioides, síndrome de abstinência iatrogênica (SAI) e contenção física. Embora o rastreamento de rotina do DP em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) seja recomendado e apoiado por ferramentas validadas, como a Sophia Observation Scale–Pediatric Delirium (SOS-PD), a sub detecção ainda é frequente, especialmente fora do contexto de cuidados intensivos. Infelizmente, as evidências sobre DP fora do ambiente de UTIP são limitadas, particularmente em enfermarias de cardiologia pediátrica (ECP).
Para sanar essa questão, um estudo realizado na Alemanha avaliou a incidência de DP e SAI em crianças e adolescentes hospitalizados em uma ECP. O artigo Incidence of pediatric delirium and withdrawal outside the PICU: findings from a pediatric cardiology ward foi publicado na edição de agosto de 2025 do European Journal of Pediatrics.
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Metodologia
Simma e colaboradores (University Children’s Hospital Tübingen) conduziram um estudo prospectivo, observacional e unicêntrico. De novembro a dezembro de 2021, os pesquisadores treinaram a equipe multiprofissional de uma ECP com 14 leitos para a detecção estruturada de DP e SAI usando a escala SOS-PD. O estudo foi realizado posteriormente, de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2022, com treinamento adicional apenas para novos profissionais, como parte de um protocolo de triagem conduzido por enfermeiros.
Foram elegíveis todas as internações consecutivas na ECP no período de realização do estudo. Os critérios de exclusão foram internações hospitalares inferiores a 24 horas e pacientes com mais de 18 anos no momento da internação.
Resultados
Foram incluídas 596 admissões consecutivas de 448 pacientes. Considerando n = 596, 356 (59,7%) admissões eram de pacientes do sexo masculino. As medianas de idade na admissão e do tempo de internação hospitalar foram de 1,8 anos e 4 dias, respectivamente, sendo que a internação na UTIP foi relatada em 205 pacientes (34,4%). Como principal diagnóstico de internação, a maioria dos pacientes da ECP apresentava cardiopatia congênita (n = 340, 57%) ou cardiopatia adquirida (n = 139, 23,3%).
Em todas essas admissões (n = 596), pelo menos um escore SOS-PD foi obtido. Com relação ao escore SOS-PD, considerando essas 596 admissões:
- 94 (15,8%) casos apresentaram algum resultado positivo no escore SOS-PD;
- 81 (13,6%) pacientes apresentaram resultado positivo para DP;
- 78 (13,1%) pacientes apresentaram resultado positivo para SAI;
- 65 (10,9%) pacientes apresentaram resultado positivo tanto para DP quanto para SAI, sendo que 16 pacientes tiveram resultado positivo apenas para DP e 13 tiveram resultado positivo apenas para SAI.
Os pesquisadores observaram que um escore SOS-PD positivo foi associado a um maior tempo de internação hospitalar (13 dias vs. 3 dias; p < 0,001) e de tratamento na UTIP (89,4% vs. 24,1%, p < 0,001). Pacientes com escore SOS-PD positivo também eram mais jovens (0,5 anos vs. 3 anos, p < 0,001) e a maioria sofria de cardiopatia congênita (89,4% vs. 51%; p < 0,001). Por fim, os pacientes com qualquer pontuação SOS-PD positiva receberam mais analgésicos não opioides, como paracetamol (92,6% vs. 39,8%; p<0,001), dipirona (39,4% vs. 14,1%; p<0,001) e ibuprofeno (56,4% vs. 26,2%; p<0,001). Ademais, eles também receberam mais opioides na forma de morfina (44,7% vs. 3%; p<0,001) ou fentanil (12,8% vs. 4%; p<0,001) em infusão venosa contínua.
Conclusão
O estudo concluiu que, com o uso de um escore de triagem validado (no caso, SOS-PD), tanto o DP quanto a SAI são comuns fora da UTIP, afetando um em cada seis pacientes pediátricos em uma ECP. Em geral, os pacientes afetados foram mais jovens, com cardiopatia congênita e haviam sido transferidos da UTIP. Além disso, esses pacientes receberam mais analgésicos e passaram por períodos mais longos de internações hospitalares.
Os pesquisadores também demonstraram que o uso do escore SOS-PD em ECP por enfermeiros é eficaz e viável, o que reforça a necessidade de pesquisas adicionais para aprimorar estratégias de detecção, prevenção e manejo rotineiros de DP e SAI na população pediátrica.
Autoria

Roberta Esteves Vieira de Castro
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora adjunta de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação ⦁ Instagram: @draroberta_pediatra
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