Coqueluche: o que você precisa saber sobre esta doença respiratória pediátrica?
A coqueluche é uma doença infecciosa, de notificação compulsória, que acomete o trato respiratório e tem como patógeno a bactéria Bordetella pertussis. Desde o ano 2000, tem sido observada uma reemergência da doença no Brasil e no mundo, sendo causa de elevada taxa de mortalidade.
O presente artigo tem o objetivo de destacar os principais tópicos relacionados à coqueluche em crianças no Brasil, enfatizando o papel relevante da vacinação na prevenção dessa doença.
Etiopatogenia
A Bordetella pertussis é um cocobacilo Gram-negativo, aeróbico e encapsulado. Não é isolada em animais e no ambiente, somente em seres humanos e possui tropismo pelo epitélio ciliado do trato respiratório.
A Bordetella pertussis apresenta hemaglutinina filamentosa aderente às células do epitélio ciliado do trato respiratório. Depois de ocorrer a aderência, fatores de virulência produzidos pela própria bactéria. como a toxina pertussis, adenilato ciclase, pertactina e citotoxina traqueal agem no hospedeiro, sendo responsáveis não somente pelas manifestações clínicas, mas também pela resposta imune do hospedeiro humano. As toxinas paralisam e destroem os cílios do epitélio respiratório, prejudicando a saída de secreções respiratória. Ademais, a toxina pertussis é responsável pela gravidade e mortalidade. Na maioria das vezes, o óbito está associado a hiperleucocitose.
Epidemiologia
A transmissão da coqueluche se dá através de gotículas (aerossolizadas por paroxismos de tosse) e do contato, com um período de incubação de, aproximadamente, cinco a 10 dias. Isso contrasta com o período de incubação mais curto (um a três dias) para infecções respiratórias superiores virais associadas à tosse, como o resfriado comum. A infecção assintomática parece ser comum e pode contribuir para a transmissão da coqueluche entre os contatos domiciliares. Indivíduos com coqueluche são considerados infectantes até completarem cinco dias de tratamento antibiótico adequado.
A maioria das ocorrências e todos os casos fatais ocorre em crianças com menos de 1 ano de idade (principalmente nos primeiros seis meses de vida) que não foram vacinadas ou que não receberam o esquema vacinal completo com três doses. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde (MS), no período de 1999 a 2013 o número de casos confirmados aumentou de 3.036 para 6.368. No ano de 2015, 2.955 casos foram confirmados, sendo que 62,6% transcorreram em menores de 1 ano (na imensa maioria das vezes em bebês com menos de seis meses de idade, isto é, lactentes que não puderam completar a imunização primária.
Apesar de ser mais frequente em lactentes, a faixa etária dos indivíduos afetados está cada vez mais ampla, acometendo também adolescentes e adultos. Esse fato pode se dar pelo retardo no diagnóstico, fazendo com que a transmissão secundária seja elevada.
Manifestações clínicas
As manifestações clínicas da coqueluche são divididas em três fases. A “fase catarral” ocorre na primeira semana e consiste em sintomas de infecção de vias aéreas superiores (IVAS), como espirros, rinorreia, lacrimejamento, febre baixa ou ausente e tosse seca discreta.
A fase “paroxística” acontece a partir da segunda semana. Nela, a tosse coqueluchoide aumenta de intensidade progressivamente e se caracteriza por ser longa, desencadeante em cadeias, com pouco esforço respiratório, podendo ser ocasionada por estímulo externo. Sudorese, cianose, êmese e o guincho pelo esforço respiratório forçado podem estar presentes. Essa é a fase mais passível de complicações e dura cerca de duas a seis semanas.1,3,6
A terceira e última fase é a chamada de “convalescência”, quando se observa a diminuição dos paroxismos de tosse. O período varia de seis semanas a seis meses, podendo esporadicamente ressurgir a coinfecção de infecções respiratórias.
O aumento da pressão intratorácica pela tosse pode resultar em petéquias acima da linha do mamilo, hemorragia subconjuntival e epistaxe. Os sons respiratórios são variáveis: a ausculta pode revelar pulmões limpos ou roncos, enquanto estertores sugerem pneumonia sobreposta. O estridor ou suspiro inspiratório geralmente está presente em crianças entre seis meses e cinco anos.
Em bebês com menos de um ano de idade, particularmente entre os menores de 6 meses, os acessos de tosse podem ser acompanhados de cianose, apneia e convulsão. A doença, nessa faixa etária pode ser mais grave, com incidência maior de complicações, maior necessidade de hospitalização e, infelizmente, maior letalidade. Crianças vacinadas apresentam sintomas mais brandos e um curso menor da doença. Por fim, os adolescentes e adultos costumam ter sinais e sintomas atípicos. Dessa forma, é necessária a investigação para a doença sempre em vigência de tosse persistente e prolongada.
Diagnóstico
O diagnóstico ainda é um desafio em países em desenvolvimento. Existe uma dificuldade de reconhecimento do quadro devido a uma gama de manifestações clínicas de acordo com a idade, imunização e fases da doença.
O diagnóstico etiológico da coqueluche pode ser efetuado através de exames microbiológicos, imunológicos e moleculares. O isolamento da bactéria Bordetella pertussis na cultura de secreção nasofaríngea profunda é o padrão-ouro.3 A cultura nasofaríngea e a reação em cadeia da polimerase (PCR) podem fornecer confirmação laboratorial, mas os organismos Bordetella exigentes e de crescimento lento requerem meios especializados e as culturas geralmente não são positivas por três a sete dias. Em adultos, no momento da suspeita do diagnóstico, as culturas são tipicamente negativas (96%) e a sensibilidade geral da cultura é de apenas 20% a 40%. A PCR é mais sensível e específica do que a cultura, mas o teste não está amplamente disponível.
A coqueluche deve ser considerada em pacientes com tosse prolongada, especialmente ocorrendo em paroxismos ou com convulsões ou êmese pós-tussígena. Durante as fases catarral tardia e paroxística inicial, a leucocitose (geralmente 25.000 a 60.000 por mL) com linfocitose pode levantar a suspeita da doença.
Os exames de imagem podem ter alterações inespecíficas e mostrar espessamento peribrônquico, atelectasia ou infiltrados. A associação clássica, embora não vista com frequência, é uma borda cardíaca direita desalinhada.
Diagnóstico diferencial
A coqueluche inicialmente se apresenta de forma semelhante a outras infecções respiratórias, como IVAS, bronquiolite, pneumonia e tuberculose. Causas mais comuns de tosse coqueluchoide não causada pela Bordetella pertussis são: Bordetella parapertussis, Mycoplasma pneumoniae, Chlamydia trachomatis, Chlamydia pneumoniae e adenovírus.
Os principais fatores de diferenciação da coqueluche incluem a progressão típica pelas três fases e tosse persistente sem febre. A aspiração de corpo estranho deve ser considerada em pacientes mais jovens, e a exacerbação de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) deve ser considerada em pacientes mais velhos com história apropriada. A leucocitose exuberante também pode ser confundida com leucemia.
Tratamento
O efeito do antibiótico na duração ou gravidade da doença é mínimo quando iniciado na fase catarral e não comprovadamente eficaz quando iniciado na fase paroxística. Em vez disso, o objetivo principal do tratamento com antibióticos é diminuir o transporte e a disseminação da doença.
O MS e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomendam a azitromicina como primeira opção. A segunda opção é a claritromicina, com restrição de uso em crianças com menos de mês de idade. O sulfametoxazol-trimetoprima é indicado quando há intolerância a macrolídeos.
A quimioprofilaxia é indicada para contactantes das seguintes condições, independentemente do estado vacinal: menores de um ano de idade; idade entre um e sete anos, não vacinados, esquema vacinal incompleto para idade ou desconhecido, maiores de sete anos, contato próximo e prolongado com um caso suspeito de coqueluche ou contato com um comunicante vulnerável no mesmo domicílio.
Quadro 1 – Antibioticoterapia para tratamento e quimioprofilaxia no tratamento da coqueluche
Azitromicina
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Claritromicina
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Sulfametoxazol-trimetoprima
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Fonte: Adaptada de Pimentel e Baptista (2022).
O suporte hídrico e nutricional é a base do tratamento. É necessária avaliação rigorosa para o grau de hidratação e recusa alimentar. Estudos não sugerem terapias específicas para a tosse, não sendo indicado medicamentos inalatórios.6
Complicações e internação hospitalar
As complicações mais comuns ocorrem principalmente em lactentes jovens e podem comprometer o hemodinâmico, respiratório e neurológico do paciente. Dentre as mais citadas, estão apneia, pneumonias, desnutrição, desidratação, hipertensão pulmonar, convulsões, encefalopatias e óbito.
É essencial a identificação dos sinais de alarme que configuram necessidade de internação hospitalar. Lactentes jovens com quadro de apneia e tosse paroxística têm indicação imediata de internação. Se persistirem os sintomas, é necessário suporte de ventilação não invasiva ou invasiva1 — Quadro 2.
Quadro 2 – Sinais de alarme na coqueluche
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Legenda: bpm – batimentos cardíacos por minuto; irpm – incursões respiratórias por minuto
Fonte: Adaptada de Berezin, 2013.
Pacientes internados podem necessitar de hidratação venosa e alimentação via sonda nasoentérica. É necessária monitorização de todos, com aferição de sinais regulares. A coleta de exames laboratoriais e a repetição de radiografias de tórax varia de acordo com estudos, porém a rápida progressão (principalmente em menores de quatro meses), necessita de internação em unidade de terapia intensiva. O isolamento por gotículas em âmbito hospitalar é recomendado até cinco dias de terapia medicamentosa ou vinte e um dias do início dos sintomas.
Vacinação
No Brasil, a vacina contra coqueluche de células inteiras DTP ou a vacina com o componente pertussis acelular DTPa (com menos efeitos colaterais) são indicadas para crianças com menos de sete anos de idade. O MS recomenda a vacina combinada DTP+Hib+HepB. Dessa forma, o esquema básico de vacinação compõe-se de três doses, com início a partir dos dois meses de vida, havendo intervalo de dois meses entre elas (mínimo de 30 dias). Aos 15 meses, deve ser aplicado o primeiro reforço. Já o segundo reforço, deve ser administrado entre quatro e seis anos. A SBP orienta, além da DPT, o uso da DTPa para crianças e a dTpa para adolescentes.4
A imunidade da vacina é reduzida com o tempo (depois de 10 anos da última dose, é muito pouca ou nenhuma).4 Com isso, o MS e a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) recomendam a vacina dTpa em mulheres grávidas entre a 27ª e a 32a semanas de gestação. Essa imunização pode ser aplicada a partir da 20a semana até o puerpério.4 Quando a gestante se vacina, há um efeito positivo duplamente, porque permite a transmissão de anticorpos ao feto.10 A dTpa também está indicada para os profissionais de saúde, com reforço a cada 10 anos.
Estratégia Cocoon
Em inglês, Cocoon significa “casulo”. O vocábulo é usado no sentido de “proteção” e é aplicado para dar nome a uma abordagem que orienta vacinar todas as pessoas que têm contato frequente com neonatos, para evitar a transmissão de doenças como, por exemplo, a coqueluche, beneficiando toda a família e formando um “casulo” de proteção ao bebê até que ele complete o esquema vacinal e adquira imunidade.
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