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Pediatria2 agosto 2024

Anquiloglossia x frenotomia 

A anquiloglossia é uma condição congênita em que um frênulo lingual apertado limita o movimento da língua, podendo dificultar a amamentação.

A anquiloglossia trata-se, portanto, de uma variação de uma estrutura oral normal. Embora a liberação do frênulo lingual em neonatos possa melhorar o aleitamento materno, não há consenso sobre diagnósticos e tratamentos, e a prática varia amplamente. Dessa forma, o diagnóstico de anquiloglossia e a realização de frenotomia têm sido feitos com mais frequência, gerando preocupações de superdiagnóstico. Além disso,  revisões sistemáticas sobre a temática indicam a falta de critérios claros e avaliação adequada dos tratamentos. Diante destes desafios, a Academia Americana de Pediatria (American Academy of Pediatrics – AAP), publicou, recentemente, orientações relevantes para a prática, sintetizadas a seguir.  

Anquiloglossia x frenotomia 

Recomendação 1 

Bebês com anquiloglossia e padrões de amamentação normais não necessitam de intervenção. A indicação de frenotomia para outros problemas ou para prevenir questões futuras, como apneia obstrutiva do sono ou articulação da fala não é baseada em evidências. É importante destacar que a anquiloglossia sintomática se refere à presença, ao exame físico do lactente, de um frênulo restritivo associado à dificuldade de amamentação, cujos problemas não melhoram com o suporte de lactação. 

Recomendação 2 

O termo “anquiloglossia posterior” é mal definido, sem consenso entre os especialistas e, portanto, não deve ser usado como motivo para se realizar uma intervenção cirúrgica em um bebê. 

Recomendação 3 

Frênulos bucais e labiais são estruturas orais normais não relacionadas à mecânica da amamentação e não requerem intervenção cirúrgica para melhorá-la. Além disso, bolhas de sucção são achados normais em recém-nascidos (RN) e não sugerem qualquer doença. 

Recomendação 4 

Cada questão relacionada a uma amamentação ineficaz ou dolorosa deve passar por uma avaliação completa antes que qualquer tipo de tratamento seja oferecido. É essencial que haja comunicação entre a equipe interdisciplinar, como especialistas em lactação, fonoaudiólogos, cirurgiões e pediatras. 

Recomendação 5 

Neonatos com possível anquiloglossia sintomática precisam ser monitorados de perto, com suporte à amamentação enquanto estiverem no hospital, acompanhamento precoce após a alta e monitoramento do ganho de peso ambulatorialmente. 

Recomendação 6 

Frenotomia, frenectomia ou frenulectomia consiste em um procedimento cirúrgico para a liberação de um frênulo (a AAP utiliza o termo “frenotomia”). Ao invés de se usar laser, uma intervenção cirúrgica para o tratamento da anquiloglossia sintomática pode ser uma alternativa razoável depois que outras causas de problemas relacionados à amamentação terem sido avaliados e tratados. Inclusive, a frenotomia pode reduzir a dor mamilar da mãe durante a sucção do bebê e aumentar as chances de sucesso do aleitamento materno (embora as evidências não sejam fortes).  

Recomendação 7 

A frenotomia deve ser realizada por um profissional treinado e experiente no cuidado de RN e de bebês mais velhos. Assim como em qualquer procedimento cirúrgico, antes de realizar uma frenotomia, o profissional deve: 

  • Obter um termo de consentimento assinado pelos responsáveis da criança;
  • Discutir alternativas, riscos e benefícios do procedimento com a família; 
  • Discutir e fornecer opções de analgesia; 
  • Documentar o recebimento anterior de vitamina K intramuscular; 
  • Fornecer informações sobre cuidados pós-cirúrgicos e acompanhamento ambulatorial. 

Recomendação 8 

O profissional deve ter atenção à prevenção de complicações cirúrgicas, risco de hemorragia, mitigação da dor e cuidados pós-cirúrgicos baseados em evidências. Aliás, segundo a AAP, exercícios de alongamento pós-operatório não são baseados em evidências e não são recomendados. 

Recomendação 9 

Ainda são necessárias mais pesquisas englobando uma abordagem padronizada para identificar e classificar anquiloglossia, medidas de desfechos em longo prazo e uma boa descrição da história natural da anquiloglossia por gravidade, incluindo risco de problemas relacionados à amamentação em longo prazo.  

Comentários 

O Protocolo de Avaliação do Frênulo Lingual, também conhecido por “Teste da Linguinha” , é obrigatório no Brasil desde 2014 em todas as maternidades e hospitais do território brasileiro (Lei nº 13.002, de 20 de junho de 2014). A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), no entanto, já se manifestou contrária a esta medida: “A SBP, inclusive, já solicitou que essa lei seja revogada, devido à baixa frequência de anquiloglossia, ao reduzido risco envolvido, à ausência de dificuldades de diagnóstico de casos graves e, acima de tudo, porque o exame da cavidade oral do recém-nascido e lactente já faz parte do exame físico realizado pelo pediatra, de forma simples e indolor, nas maternidades e nas consultas de puericultura”.  

Em 2023, o Ministério da Saúde (MS), por meio da Secretaria de Atenção Primária (SAPS), publicou uma nota técnica orientando os profissionais de saúde sobre a identificação precoce da anquiloglossia em RN, que pode causar problemas no desenvolvimento oral e dificultar a amamentação. Dessa forma, o MS recomenda que todos os bebês sejam avaliados na maternidade entre 24 e 48 horas de vida, utilizando o Protocolo Bristol para diagnóstico. A avaliação deve incluir a mamada e, em casos graves, pode ser indicada a frenectomia, realizada em ambulatório por profissionais qualificados. A maioria dos casos, no entanto, necessita apenas de acompanhamento e apoio à amamentação para resolver as dificuldades.  

Na prática, tenho constatado um aumento tanto no diagnóstico quanto nas cirurgias. Em virtude da obrigatoriedade do exame, é evidente que podemos esperar um crescimento no número de diagnósticos (é a conhecida expressão “quem procura, acha”). Todavia, uma alteração no teste da linguinha não implica necessariamente em cirurgia imediata (e isso tem ocorrido frequentemente, inclusive com a justificativa de prevenção de problemas futuros). Raramente vejo necessidade do procedimento; indico-o apenas como um recurso final, útil somente após terem sido intensificados os cuidados relacionados à amamentação com a dupla mãe-bebê, sem sucesso, e o teste apresentar, de fato, uma alteração significativa.

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Referências bibliográficas

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