A introdução alimentar de alimentos alergênicos é uma grande preocupação para famílias que se preparam para iniciar a oferta de sólidos aos seus bebês. O fato de que as alergias alimentares mediadas por IgE constituem a causa mais comum de anafilaxia em crianças reforça a necessidade de padronização das orientações e da elaboração de protocolos de introdução alimentar, a fim de fornecer instruções práticas e baseadas em evidências sobre o tema, garantindo a segurança dessas crianças.
Um estudo divisor de águas, conhecido como LEAP (Learning Early About Peanut Allergy), trouxe luz a um questionamento central: a introdução precoce de alimentos alergênicos pode reduzir o risco de alergia alimentar?
Esse estudo incluiu crianças entre 4 e 11 meses de idade com alergia ao ovo e/ou dermatite atópica grave, reconhecidos fatores de risco para o desenvolvimento de alergias alimentares, especialmente ao amendoim. O objetivo dos pesquisadores foi avaliar se a introdução precoce e o consumo regular de amendoim seriam capazes de reduzir o risco de alergia a esse alimento. A observação de uma redução de 81% na prevalência de alergia ao amendoim aos 5 anos de idade modificou de forma significativa o entendimento sobre a prevenção primária das alergias alimentares e abriu espaço para diversos outros estudos sobre o tema.
Ainda assim, apenas uma parcela dos pediatras, alergistas e cuidadores parece seguir de forma plena os consensos mais recentes, que versam sobre a introdução precoce de alimentos alergênicos.
Alimentos alergênicos
Primeiramente, é importante compreender que, embora virtualmente qualquer alimento possa desencadear uma reação alérgica, os alimentos alergênicos clássicos incluem leite de vaca, ovo, soja, trigo, amendoim, castanhas, peixes e crustáceos. Mais recentemente, outros alimentos, como algumas frutas e o gergelim, vêm sendo reconhecidos de forma crescente como alérgenos alimentares relevantes.
Testes alérgicos para guiar introdução de alergênicos
Atualmente, há consenso quanto à não indicação de testes cutâneos de puntura com leitura imediata (prick test) ou da dosagem de IgE sérica específica como estratégia de triagem para a introdução de alimentos alergênicos, uma vez que resultados falso-positivos são frequentes e podem levar à introdução tardia de determinados alimentos ou a exclusões desnecessárias da dieta. Algumas diretrizes ponderam a realização desses testes em situações especiais, sobretudo em famílias que se sentem inseguras para realizar a introdução alimentar em ambiente domiciliar; contudo, tais exames devem ser solicitados e interpretados por profissionais devidamente capacitados, uma vez que um resultado positivo não confirma, isoladamente, o diagnóstico de alergia alimentar, assim como um resultado negativo não garante completa segurança.
Fatores de risco para alergia alimentar
Além de fatores genéticos, como a história familiar de doenças alérgicas, fatores ambientais podem influenciar o surgimento de alergias alimentares e outras condições alérgicas por meio de mecanismos epigenéticos. Entre esses fatores, destacam-se o tipo de parto, o aleitamento materno, a exposição à poluição, o contato precoce com animais de estimação, entre outros, que, em conjunto, compõem o expossoma, entendido como a medida cumulativa das influências ambientais e das respostas biológicas associadas ao longo da vida. O risco de alergia alimentar também é maior em crianças com história pessoal de atopia, particularmente dermatite atópica, em razão da disfunção da barreira cutânea, que pode facilitar a sensibilização alérgica transepidérmica.
Embora não haja consenso absoluto, algumas diretrizes apresentam considerações sobre grupos específicos de crianças que estariam sob maior risco de desenvolver alergias alimentares, conforme descrito na Tabela 1.
Tabela 1 – Fatores de risco para alergia alimentar
| National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) – 2017 |
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| British Society for Allergy & Clinical Immunology (BSACI) – 2018 |
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| American Academy of Allergy, Asthma, and
Immunology (AAAAI), American College of Allergy, Asthma, and Immunology (ACAAI) e Canadian Society for Allergy and Clinical Immunology (CSACI) – 2021 |
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| European Academy of Allergy and Clinical Immunology (EAACI) – 2021 |
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Protocolos de introdução alimentar para prevenção de alergias alimentares
Ainda não existe um protocolo universal com orientações únicas e concisas sobre o tema, havendo diferenças entre as recomendações adotadas por distintos países ou sociedades médicas.
Diversos ensaios clínicos randomizados, controlados com placebo, foram conduzidos com o objetivo de investigar o momento mais oportuno para a introdução de diferentes alimentos alergênicos. No entanto, observa-se grande heterogeneidade metodológica e, por vezes, resultados antagônicos, o que dificulta a interpretação acurada dos dados. Ainda assim, alguns pontos encontram-se relativamente bem estabelecidos e são contemplados pela maioria das diretrizes atuais, a saber:
- Não antecipar a oferta de alimentos alergênicos para antes dos 6 meses de vida. Ou seja, a introdução deve ser oportuna, e não necessariamente precoce. Algumas diretrizes sugerem o início da introdução alimentar a partir dos 4 meses de idade, geralmente com o objetivo de introduzir precocemente ovo e amendoim em crianças com alto risco para alergia alimentar. No Brasil, recomenda-se o início da alimentação complementar aos 6 meses, desde que estejam presentes sinais de prontidão para a alimentação.
- Não atrasar a introdução de alimentos alergênicos para além dos 12 meses de idade, aproveitando a chamada janela imunológica. Embora a literatura atual não confirme de forma consistente que os benefícios observados nos estudos com introdução oportuna de ovo e amendoim se estendam a outros alimentos alergênicos, está bem estabelecido que não há evidências de prejuízo na introdução desses alimentos dentro desse período.
- Manter a oferta regular dos alimentos alergênicos, uma vez introduzidos, como estratégia para redução do risco de alergias alimentares. Não há consenso quanto à dose e à frequência ideais, sendo geralmente recomendada a oferta regular, de acordo com a aceitação e a tolerância de cada criança, sugerindo-se, de forma prática, ao menos uma vez por semana.
- Não há evidência de que a ordem de introdução dos diferentes alimentos sólidos influencie o risco de alergia alimentar, embora algumas diretrizes sugiram a introdução do ovo antes do amendoim.
- Recomenda-se que, durante a introdução alimentar, o lactente permaneça em aleitamento materno, sempre que possível. No entanto, não há evidência de que a introdução de fórmula infantil à base de leite de vaca após a primeira semana de vida aumente o risco de alergia à proteína do leite de vaca (APLV).
- Não há evidência de que o uso de fórmulas infantis à base de leite de vaca parcialmente hidrolisadas exerça efeito protetor contra o desenvolvimento de APLV.
- A alimentação complementar deve contemplar todos os grupos alimentares, respeitando as diferenças socioeconômicas e culturais, bem como os hábitos alimentares da família.
- Embora não haja evidência clara de que essa conduta seja necessária, é frequentemente orientado oferecer o mesmo alimento por até três dias consecutivos antes da introdução de um novo. É importante ressaltar, contudo, que essa estratégia não elimina o risco de reações alérgicas em exposições subsequentes e pode, potencialmente, dificultar a progressão da oferta de novos alimentos.
- Não há recomendação formal quanto à prescrição prévia de um plano de ação medicamentoso para reações alérgicas no contexto da introdução alimentar. É mais relevante que a família seja adequadamente orientada quanto às possíveis manifestações clínicas de alergia alimentar e procure atendimento de emergência diante de sinais de reação grave, como anafilaxia. Reações alérgicas graves associadas à introdução de alimentos alergênicos são extremamente raras e, na literatura, foram descritas predominantemente em lactentes com alto risco para alergia alimentar.
Introdução de alergênicos em crianças de alto risco
Considerando que, por fatores culturais e hábitos alimentares, a prevalência de determinadas alergias alimentares pode variar entre diferentes regiões e países, algumas orientações específicas podem integrar protocolos direcionados a populações particulares. Nesse contexto, destacam-se as recomendações relacionadas ao consumo de amendoim, uma alergia habitualmente grave e persistente, especialmente prevalente nos Estados Unidos e na Europa, e menos frequente no Brasil.
As diretrizes da EAACI, atualizadas em 2021, indicam que, em populações com alta prevalência de alergia ao amendoim, sua introdução deve ocorrer entre 4 e 11 meses de vida, em apresentação adequada à idade, com o objetivo de minimizar tanto o risco de anafilaxia quanto o de aspiração. As formas mais apropriadas incluem pasta de amendoim diluída ou farinhas contendo amendoim processado, misturadas a outros alimentos, sendo contraindicada a oferta do amendoim inteiro.
Em relação ao ovo, recomenda-se a introdução de meia unidade de ovo bem cozido (10 a 15 minutos de cocção), nunca cru ou malcozido, duas vezes por semana, a partir do momento em que se inicia a oferta de outros alimentos. Por outro lado, AAAAI publicou, em 2021, um documento conjunto com outras sociedades médicas recomendando que todas as crianças, independentemente do nível de risco, sejam expostas ao ovo cozido e ao amendoim por volta dos 6 meses de idade.
Conclusão
Diante da escassez de estudos robustos com metodologias comparáveis e das diferenças na prevalência de alergia alimentar entre distintas populações, não existe um protocolo universal que defina de forma precisa quando e como introduzir alimentos alergênicos. Ainda assim, algumas recomendações são consistentes entre as diretrizes das principais sociedades médicas internacionais, especialmente no que se refere à introdução oportuna desses alimentos antes dos 12 meses de vida, com o objetivo de reduzir o risco de alergias alimentares tanto em crianças de risco habitual quanto naquelas com alto risco. Destaca-se, também, a importância de manter o consumo regular desses alimentos, de acordo com a aceitação da criança, a cultura regional e os hábitos alimentares da família.
Autoria

Bárbara Carvalho Santos dos Reis
Mestre e Doutoranda em Saúde Materno-Infantil (IFF/FIOCRUZ) • Residência médica em Pediatria pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ) • Residência médica em Alergia e Imunologia Pediátrica no Instituto Fernandes Figueira (IFF/FIOCRUZ) • Mestre em Saúde Materno-Infantil (IFF/FIOCRUZ) • Graduação em Medicina pela Universidade Estácio de Sá (UNESA) • Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) • Membro da Rede Nacional de Genômica para Erros Inatos dos Imunidade (RENOMIEII) da FIOCRUZ • Preceptora da residência médica de Alergia e Imunologia Infantil do Instituto Fernandes Figueira (IFF/FIOCRUZ) • Instagram: @barbarareis.pediatra
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