As doenças oftalmológicas são prevalentes na pediatria e fazem parte da rotina do pediatra. O diagnóstico correto e o manejo assertivo dessas condições são essenciais para a boa condução e evolução clínica. Devido à relevância do tema, tópicos relacionados foram discutidos no encontro anual da Academia Americana de Pediatria (AAP 2024), realizado em Orlando, nos Estados Unidos. A sessão foi ministrada pelo Dr. Mitchell Strominger, da Universidade de Nevada.
O Dr. Strominger apresentou dados epidemiológicos sobre as condições oftalmológicas mais frequentes na pediatria, com foco nas conjuntivites e seus diagnósticos diferenciais. Um dado surpreendente compartilhado durante a aula foi a etiologia das conjuntivites agudas em pediatria. Ao contrário do que a maioria da plateia imaginava, os dados evidenciam uma maior prevalência de etiologia bacteriana, conforme a distribuição abaixo:
- Infecção bacteriana: 78%;
- Infecção viral: 13%;
- Alergia: 4%;
- Outros: 5%.
Na conjuntivite bacteriana, o Dr. Strominger destacou aspectos importantes, como a possibilidade de ser bilateral e a presença de secreção mucopurulenta com adesão, que são sinais marcantes que podem ajudar no diagnóstico. Além disso, devido à sua natureza contagiosa, enfatizou a necessidade de conscientização em saúde pública e medidas preventivas, especialmente em ambientes escolares e creches.
Confira a cobertura completa do AAP 2024

Conduta Expectante para Conjuntivite Bacteriana
O Dr. Mitchell esclareceu que a conduta expectante não é válida para a conjuntivite bacteriana. Ele considerou vários pontos em relação à evolução natural dessa condição, discutindo a importância do tratamento correto, levando em conta o risco de doença mais grave, a relação com baixo desempenho escolar e o impacto na qualidade de vida. A escolha adequada do antibiótico é essencial.
O tratamento com antibiótico tópico não é tão simples, exigindo um raciocínio clínico e a consideração do perfil de resistência antimicrobiana da região. O Dr. Strominger apresentou estudos que confirmaram o aumento da resistência a antibióticos na conjuntivite bacteriana, com dados relacionados ao H. influenza:
- 80% de resistência à ampicilina;
- 18% de resistência à amoxicilina-clavulanato;
- 11% de resistência às cefalosporinas de 2ª e 3ª geração.
Antibióticos Oftálmicos Disponíveis
Combinação Polimixina:
- Polimixina B e Trimetoprima;
- Polimixina B e Neomicina.
Aminoglicosídeos:
- Gentamicina;
- Tobramicina.
Macrolídeos:
- Azitromicina;
- Eritromicina.
Fluoroquinolonas:
- Ciprofloxacino;
- Ofloxacino;
- Levofloxacino;
- Moxifloxacino;
- Besifloxacino;
- Gatifloxacino.
Atenção ao uso dos antibióticos bacteriostáticos
É crucial seguir as diretrizes de dosagem para evitar o aumento da resistência. Por exemplo, a pomada de eritromicina deve ser aplicada duas vezes ao dia por 7 dias, e as gotas de Polimixina B/Trimetoprima são usadas a cada 3 horas por 7 a 10 dias. Muitas vezes, o uso dos antibióticos tópicos em oftalmologia é incorreto, acarretando em tratamento adequado, maior resistência antimicrobiana e um desfecho ocular desfavorável.
Antibióticos Bactericidas
Fluoroquinolonas são recomendadas por possuírem menor resistência e serem eficazes contra Chlamydia trachomatis e Moraxella. A orientação específica por idade é de usar acima de 1 ano por 7 dias, com moxifloxacino aplicado de 2 a 3 vezes ao dia por 7 dias
E o que foi falado sobre as conjuntivites não bacterianas?
Conjuntivite Viral:
- Em sua grande maioria é causada por adenovírus;
- Frequentemente está associada a outros achados, como: faringite, adenopatia pré-auricular e secreção mucoide esbranquiçada.
Quais as características que preciso lembrar?
- Ela é altamente contagiosa (taxa de transmissão de 10-50%).
- Período de incubação de 5-12 dias.
- Transmissibilidade de 10-14 dias.
Atenção ao tratamento:
- Principalmente de suporte (compressas frias, medidas de higiene).
- Ceratoconjuntivite Epidêmica (EKC)
Infecção grave por adenovírus.
Características
- Pode causar infiltrados subepiteliais na córnea.
- Pode levar à diminuição da visão e cicatrização permanente.
Tratamento
- Requer manejo cuidadoso com corticosteroides – deve ser realizado sob supervisão e orientação oftalmológica
- Conjuntivite Alérgica
Caracterizada classicamente por:
- Prurido.
- Lacrimejamento.
- Secreção viscosa.
Tipos
Conjuntivite Alérgica Sazonal/Perene:
- Comum em crianças com histórico de febre do feno (reação alérgica ao pólen), rinite, asma ou eczema.
- Relacionada ao pólen, mofo ou ácaros.
Ceratoconjuntivite Vernal (VKC):
- Sintomas mais graves, como secreção viscosa e danos na córnea;
Conjuntivite Papilar Gigante (GPC):
- Comumente associada ao uso de lentes de contato.
- Caracterizada por grandes papilas na conjuntiva.
Tratamento
- Abordagem personalizada, variando de cuidados de suporte para tipos virais até tratamentos anti-inflamatórios ou anti-histamínicos específicos para casos alérgicos.
Mensagem prática
As conjuntivites são frequentes nos pacientes pediátricos e o pediatra tem papel crucial no manejo de boa parte delas, especialmente em locais onde o acesso ao oftalmologista não é universal. Atuando no reconhecimento e na diferenciação entre as etiologias. Devemos também atentar para os seguintes pontos:
- A conjuntivite bacteriana é prevalente em pediatria, representando 78% dos casos, seguida por infecções virais (13%) e alérgicas (4%) em um dos estudos apresentados;
- O tratamento adequado é crucial para evitar complicações e melhorar a qualidade de vida das crianças afetadas;
- Resistência Antimicrobiana: O aumento da resistência a antibióticos na conjuntivite bacteriana é alarmante – tenha atenção em relação a posologia e tempo de uso, parte importante dos pacientes fazem o uso incorreto;
- As conjuntivites podem ser virais, alérgicas ou bacterianas, cada uma com características e tratamentos específicos, sendo a conjuntivite viral altamente contagiosa e a alérgica variando de acordo com os gatilhos ambientais.
Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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