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Pediatria24 outubro 2023

AAP 2023: Novos produtos de tabaco e suas implicações na pediatria

Foi discutido no AAP 2023 os novos e emergentes produtos de tabaco, sua epidemiologia, efeitos na saúde e tratamentos baseados em evidência.

O uso de tabaco na forma de cigarros é conhecido como causador de inúmeros de problemas de saúde. Após um aparente controle do consumo dessas substâncias, o que vemos atualmente é o uso cada vez mais frequente de outros produtos de tabaco, que são mais consumidos por pessoas jovens e que, apesar do que muitas vezes é propagado, causam malefícios à saúde e vêm se tornando um importante problema de saúde pública em diversos países.  

No quarto dia de AAP 2023, tivemos a apresentação da Dra. Bonnie Halpern-Felsher, professora de medicina da adolescência da Stanford University a respeito dos novos e emergentes produtos de tabaco, sua epidemiologia, efeitos na saúde e tratamentos baseados em evidência.  

Produtos consumidos pelo público jovem 

Os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vapes, foram introduzidos no mercado americano em 2007. Apesar do nome vape, eles não são exatamente vaporizadores, e sim, produtores de aerossóis. Inicialmente, eles apresentavam um formato semelhante aos cigarros tradicionais, não sendo nesse momento consumidos de forma habitual pelas populações mais jovens. Com a evolução dos dispositivos, eles passaram a ser mais populares nessas populações, com mudanças no tipo e quantidade de nicotina disponibilizada, com formatos mais fáceis de esconder, cores mais joviais e que não aparentam ser dispositivos para uso de nicotina. Esses dispositivos estão sendo cada vez mais disseminados na população americana, especialmente nos adolescentes e jovens.  

A palestrante trouxe estatísticas que demonstram que o uso de cigarros tradicionais pelos adolescentes tem diminuído consideravelmente durante as duas últimas décadas, enquanto o uso dos cigarros eletrônicos tem aumentado desde o seu ingresso no mercado. Isso pode dar a sensação de que a redução do uso de cigarros habituais tem ocorrido pela substituição do cigarro tradicional, o que não parece ser verdade, uma vez que essa tendência de queda já se observava desde antes da disseminação dos cigarros eletrônicos. Ou seja, os jovens não estão trocando um produto pelo outro, e sim, estão indo na direção dos cigarros eletrônicos.  

Outros produtos que têm sido consumidos com cada vez mais frequência são os produtos orais a base de nicotina, principalmente os chicletes (aqui, não está se falando de pessoas em tratamento para cessar o tabagismo que usam esses produtos para reposição de nicotina). Esses produtos, apesar de não tão populares como os cigarros eletrônicos, tem sido vistos com cada vez mais preocupação, pois podem causar vícios, sua venda não é controlada, e são muito fáceis de serem escondidos pelo adolescente, pois aparentam chicletes normais.  

Existem também alguns tipos de cigarros eletrônicos que não disponibilizam nicotina, e sim, outros produtos como melatonina, vitaminas, cafeína, canabis etc. São conhecidos como cigarros eletrônicos “do bem”, mas apresentam potencial nocivo da mesma forma que os outros produtos. Estudos sugerem que jovens que usam esse tipo de cigarro eletrônico comumente evoluem para o uso concomitante com os cigarros que entregam nicotina, podendo ser considerados como uma porta de entrada.  

 Quais substâncias estão presentes nos cigarros eletrônicos? 

Várias das substâncias presentes nos cigarros tradicionais também estão presentes nos cigarros eletrônicos. Adicionados a essas substâncias, ainda encontramos outras substâncias nos cigarros eletrônicos que estão voltadas para o sabor dos produtos. Algumas das substâncias encontradas nesses dispositivos são chumbo, níquel, tolueno, benzeno, nitrosononicotina, cadium, formaldeído, diacetil, e claro, a nicotina. A fumaça produzida pelo dispositivo também apresenta os mesmos componentes, em partículas muito finas, acrescentadas de plásticos, metais pesados e componentes orgânicos voláteis.  

Além das preocupações com a quantidade de substâncias nocivas presentes nesses cigarros, também há a preocupação com a quantidade de nicotina disponibilizada. Um maço de cigarros, ou seja, 20 cigarros, disponibiliza para o usuário cerca de 20 a 22 mg de nicotina. Os dispositivos eletrônicos conseguem entregar uma quantidade muito maior de nicotina, com alguns dispositivos mais novos entregando o equivalente a 600 cigarros, que geralmente são consumidos dentro de uma semana. Ou seja, um potencial de vício assustador.  

Outra preocupação é de que os novos dispositivos eletrônicos utilizam nicotina baseada em sal. O que isso quer dizer? Esses produtos são mais palatáveis, não dão o desconforto nem a sensação de tosse dos cigarros tradicionais, fazendo com que seja mais fácil e prazeroso o seu consumo. Potencializando o vício, na verdade.  

Vários estudos têm demonstrado que os cigarros eletrônicos induzem a diversas respostas prejudiciais no usuário. Em adolescentes, eles podem induzir alguns tipos de modificações cerebrais que vão fazer com o que o usuário se torne adicto à substância, mais do que o que ocorre em adultos, devido à imaturidade do sistema nervoso central. Além disso, esses produtos também fazem lesões diretas ao sistema cardiorrespiratório, da mesma forma que os cigarros tradicionais. Com relação ao desenvolvimento de câncer, ainda não há tempo suficiente para que possamos avaliar a relação entre esses produtos e o desenvolvimento de câncer, porém, devido à alta quantidade de substâncias nocivas, é esperado que haja um aumento substancial na epidemiologia do câncer causada por esses produtos.  

Por que os e-cigarretes são tão atrativos para os jovens 

Os cigarros eletrônicos são repletos de sabores. É estimado que existam cerca de 15 mil tipos de sabores diferentes para os cigarros eletrônico. Esses sabores mascaram o sabor e o cheiro ruim dos cigarros tradicionais. Esses sabores também causam uma percepção de que os riscos dos cigarros eletrônicos são mais baixos do que os do cigarro comum. Além disso, geram um desejo maior na experimentação, uma vez que os sabores são algo desejado pelos adolescentes e pacientes mais jovens. 

Outro atrativo é que os cigarros eletrônicos geralmente são fáceis de esconder. Eles podem parecer como um pendrive, como marcadores de texto etc. Isso dificulta a fiscalização do uso pelos pais desses adolescentes.  

O marketing é extremamente voltado para crianças e adolescentes. Os produtos apresentam embalagens multicoloridas, que remetem à personagens ou interesses das crianças, como unicórnios e doces, e apresentam nomes sugestivos, como Juice Box ou Candy King. O acesso também é facilitado para pessoas mais jovens, diferente dos cigarros tradicionais, em que as possibilidades de compra são em idades superiores a 18 anos, no Brasil, e a 21 anos nos Estados Unidos.  

Existe uma percepção generalizada e equivocada que esses produtos não fazem tão mal ou não são tão viciantes quanto os cigarros tradicionais. Muitas pessoas ainda acreditam que os cigarros eletrônicos são apenas vapores de água ou vapores saborizados de água, o que faz com que esses compostos sejam atrativos e permitidos de uma maneira geral.  

 Jovens são mais propensos a utilizarem os dispositivos eletrônicos quando se sentem tristes, ansiosos ou estressados, e com a crise de saúde mental que vivemos nessa população, é compreensível o maior uso dessas substâncias nesse grupo etário.  

O que fazer em casos de dependência aos cigarros eletrônicos 

Inicialmente, é importante deixar claro que políticas de saúde devem estar voltadas para essa população, alertando sobre os prejuízos que esses produtos causam. Restrições de compra e venda dos produtos, assim como taxação dos produtos, de forma que eles se tornem mais caros e menos acessíveis, também são fundamentais.  

Os profissionais de saúde possuem uma grande responsabilidade em questionar seus pacientes sobre o uso e sua frequência, além de sempre trabalhar com o desenvolvimento da literacia em saúde para essas questões. Orientar para a prevenção e para a cessação do uso de tais substâncias.  

Não existem no momento programas ou medicamentos para o tratamento da dependência a nicotina que estão liberados para menores de 18 anos. Alguns profissionais fazem uso dessas medidas de forma off-label, porém é difícil de saber nesse momento quais seriam as doses e protocolos mais indicados nessa população. São necessários mais estudos sobre as terapias de reposição de nicotina, tanto com relação às doses quanto à sua eficácia nesse grupo.  

Dessa forma, a melhor abordagem sempre será a prevenção. Devem ser realizados programas específicos baseados na comunidade, inclusive na comunidade escolar, que podem contribuir na questão. Medidas punitivas, como suspensão da escola ou medidas legais, não costumam trazer bons resultados e devem ser revistos. A pesquisadora enfatizou que a Universidade de Stanford disponibiliza diversos materiais gratuitos em sua página que podem ser acessados para organização de programas de prevenção e cessação do uso dos cigarros eletrônicos e de outras substâncias, baseados na ideia de redução de danos.  

Mensagens para casa 

  • Os cigarros eletrônicos são cada vez mais utilizados por crianças e adolescentes, pois apresentam grande atrativo para essa população, inclusive pela crença inadequada que são produtos que não causam malefícios à saúde.  
  • Os profissionais de saúde devem compreender sobre as principais características desses produtos, bem como sobre seu potencial de dependência.  
  • Todo profissional de saúde que atenda crianças e adolescentes deve ter um alto índice de busca com relação ao uso dessas substâncias, trabalhar com prevenção e melhora do conhecimento dos pacientes a respeito do problema.  
  • Existem programas gratuitos voltados para prevenção comunitária e orientação de cessação dos cigarros eletrônicos, e os profissionais de saúde devem procurar e conhecer esses programas.

Confira todos os destaques do AAP 2023 aqui!

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