Quando falamos de reconstrução ligamentar do joelho, é natural que a atenção se volte para parâmetros como a taxa de retorno ao esporte, à marcha sem dor ou à estabilidade articular. Mas e a sexualidade? Será que uma lesão ligamentar, especialmente do ligamento cruzado posterior (LCP), interfere na vida sexual dos pacientes? E, mais ainda: será que o reconstruir muda essa realidade?
Foi essa a pergunta que guiou um grupo de pesquisadores italianos e indianos em um estudo publicado na revista científica “Arthroscopy, Sports Medicine, and Rehabilitation.” O foco: medir não apenas a qualidade de vida, mas também a satisfação sexual após a cirurgia.
Métodos
Eles avaliaram 35 pacientes, entre 18 e 45 anos, que foram submetidos à reconstrução artroscópica do LCP com enxerto de tendão dos isquiotibiais, e acompanharam seus desfechos por pelo menos 24 meses.
O estudo utilizou duas escalas validadas: o New Sexual Satisfaction Scale – Short Form (NSSS-S) para avaliar satisfação sexual e o ACL Quality of Life Questionnaire (ACL-QoL) para mensurar qualidade de vida relacionada ao joelho. Ambas foram aplicadas no pré-operatório, com base no período pós-lesão, e novamente após dois anos de seguimento.
Resultados
De forma bastante clara, os pacientes relataram melhora significativa na vida sexual após a reconstrução do LCP, voltando a níveis semelhantes aos que tinham antes da lesão.
Os dados foram consistentes: a média da satisfação sexual no momento pré-operatório era de 48,4 pontos, caindo em relação ao período pré-lesão (51,9). Após a reconstrução, a pontuação subiu novamente para 51,3, demonstrando recuperação plena dessa função. A qualidade de vida também teve um salto expressivo, de 31,9 para 81,9 pontos na escala ACL-QoL (P < 0,001).
Veja também: Qual é o melhor momento para a reconstrução de ligamento cruzado anterior?
Discussão e limitações
Por que isso importa? Porque a sexualidade ainda é um tema subexplorado na ortopedia, e raramente abordado na anamnese ou no aconselhamento cirúrgico. No entanto, estudos mostram que mais da metade dos adultos considera a saúde sexual como altamente importante para sua qualidade de vida. E isso inclui nossos pacientes ortopédicos, mesmo que eles não verbalizem essa preocupação no consultório.
A fisiopatologia por trás da piora da função sexual após lesões do LCP parece multifatorial: dor, instabilidade, perda de força muscular e medo de relesão são fatores que podem impactar diretamente o desempenho e o desejo. Além disso, há uma parcela emocional importante, com influência da autopercepção física e da confiança corporal.
Claro, o estudo tem suas limitações: o número de pacientes é pequeno, há viés de memória no relato da atividade pré-lesão e o seguimento, embora adequado, pode não captar efeitos mais tardios. Mesmo assim, o trabalho é pioneiro ao incluir a sexualidade como desfecho clínico legítimo em cirurgias ortopédicas do joelho.
O que levar para casa?
Os resultados desse estudo comprovam que o LCP importa também fora da articulação. E, na hora de discutir o tratamento, especialmente entre pacientes jovens e sexualmente ativos, talvez seja o momento de incluir a função sexual como parte da conversa.
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