A fratura de quadril em idosos, uma causa comum de internação e indicação de cirurgia apresenta profundas implicações econômicas e humanas. Além da alta mortalidade, a readmissão hospitalar precoce representa um grande desafio, sinalizando complicações, aumentando custos e interrompendo a recuperação do paciente. Um estudo retrospectivo de grande porte, publicado em 2025 na revista Injury, mergulhou nos dados do Registro Nacional de Fratura de Quadril da Espanha para desvendar os fatores que predizem a reinternação.
A pesquisa, conduzida por Gálvez Márquez e colaboradores, analisou informações de 57.544 pacientes com 75 anos ou mais, admitidos entre 2017 e 2022 em mais de 100 hospitais espanhóis. O objetivo foi identificar quais variáveis no pré-operatório, durante a internação e no momento da alta estavam fortemente associadas à probabilidade de o paciente precisar voltar ao hospital dentro de um mês.
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O que o estudo encontrou: um retrato da readmissão
A taxa geral de readmissão em 30 dias foi de 5,18%, considerada baixa e positiva quando comparada a registros de outros países, refletindo possíveis pontos fortes no sistema de saúde espanhol.
A análise multivariada, que isola o efeito de cada fator, revelou um conjunto de variáveis que atuaram como protetoras e outras como de risco.
Fatores Protetores (Reduziram o Risco):
- Sexo feminino (OR 0,84)
- Fraturas extracapsulares (intertrocantérica OR 0,81; subtrocantérica OR 0,74)
- Uso de anestesia neuroaxial (raquianestesia ou peridural) em vez de geral (OR 0,82)
- Maior tempo de internação (cada dia a mais diminuiu o risco em 2%)
Fatores de Risco (Aumentaram o Risco):
- Maior comorbidade: Classificação ASA IV (OR 1,93) e ASA V (OR 5,59)
- Destino de alta diferente do próprio domicílio:
- Alta para hospital de casos agudos (OR 35,46)
- Alta para instituição de longa permanência (OR 2,36)
- Alta para residencial assistido (OR 1,26)
Implicações práticas: para onde olhar?
Os resultados apontam para oportunidades claras de melhoria no cuidado, separando fatores inerentes ao paciente daqueles que podemos influenciar.
- Anestesia neuroaxial como prática de valor: O altíssimo uso desta técnica na Espanha (90% dos casos) em comparação com outros países é um diferencial notável. Os dados sugerem que esta pode ser uma prática a ser mantida e incentivada, pois está associada a melhores desfechos.
- Reavaliar a corrida pela alta hospitalar: A associação entre internações mais longas e menor readmissão questiona a pressão atual por altas precoces. O estudo não defende internações prolongadas sem necessidade, mas sim uma avaliação individualizada, ponderando o risco de mandar para casa um paciente ainda vulnerável.
- O domicílio como melhor destino (com apoio): Pacientes que conseguiram retornar para sua própria casa tiveram o melhor resultado. No entanto, isso não é simples. Este destino requer um planejamento de alta robusto, envolvendo suporte familiar, visitas domiciliares, fisioterapia e suporte social para ser viável e seguro, evitando que a alta para casa vire um fator de risco por abandono.
- Identificar o paciente de alto risco: O estudo fornece uma “impressão digital” do paciente que mais precisa de atenção: homem, com muitas comorbidades (ASA IV/V) e sem suporte para voltar para casa. Para este perfil, esforços devem ser redobrados na otimização clínica pré-operatória e no planejamento de uma rede de cuidado pós-alta.
O que podemos levar para casa?
Essa análise do maior registro de fraturas de quadril da Espanha vai além dos números. Ela oferece um mapa para médicos, gestores e famílias, destacando que a qualidade do cuidado é um poderoso instrumento para proteger pacientes idosos da readmissão hospitalar precoce.
Autoria

Rafael Erthal
Conteudista do Afya Whitebook desde 2017 ⦁ Residência em Ortopedia e Traumatologia pelo INTO ⦁ Especialista em cirurgia de joelho ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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