A coluna cervical é um sítio bastante comum de queixas, notadamente de origem musculoesquelética, uma vez que a população se encontra progressivamente tendendo de modo negativo a alterações posturais, que ocasionam alterações de todos os componentes desse segmento.
Face ao impacto emocional, financeiro, social, laboral desse acometimento, uma ampla gama de modalidades de terapias manuais é disponibilizada para alívio, e que geralmente não são performadas por profissionais da saúde, quiçá, médicos.
Há casos em que os próprios pacientes se impõem a essa manipulação. No entanto, é digno de nota que tal manipulação apresenta associação com ocorrências desagradáveis – eventos adversos, que apesar de raros, podem ser clinicamente significativos, eventos adversos graves (EAGs), a ponto de ocasionarem, potencialmente, risco à vida.
Ocorre que o baixo reporte dessas ocorrências e a paucidade de estudos sobre o tema, torna difícil a compreensão e identificação de pontos que possam impactar a prática clínica.
Em revisão sistemática de 2024, Leung et al, buscaram sintetizar as evidências sobre esses eventos e suas características, utilizando 250 estudos captados nas bases de dados mais importantes como MEDLINE, Scopus, CINAHL, EMBase, Web of Science, Index to Chiropractic Literature e Cochrane.
Veja também: O uso de colar cervical após cirurgias de coluna é ou não aconselhável? – Portal Afya
Metodologia
As intervenções consideradas foram a manipulação cervical, massagem, terapia vibratória, rotação repentina, tração axial e rotação do pescoço, manipulação do pescoço – Socos e fricção do apoio na base do crânio, então o paciente colocado em decúbito dorsal com a cabeça forçada violentamente em todas as direções, massagem tailandesa, ventosaterapia, massagem profunda em posição vertical, dentre outras.
Foram coletados 334 eventos adversos, sendo a maioria vascular 58%, seguidos por lesões neurológicas (25%), combinadas (neurológicas + vasculares) (12%) e outras – ósseas, etc (5%).
Resultados e discussão
Observou-se que os EAGs de natureza vascular foram a maioria, contando com 58%, com destaque para dissecções arteriais, especialmente da artéria vertebral. Esses eventos são frequentemente associados à manipulação cervical.
A preponderância dos eventos vasculares tipo dissecção em pacientes de 40 anos, deixa a questão de ocorrem devido a essa população, tipicamente apresentar cervicalgia ou assintomaticamente, estar em estágio precoce da dissecção.
Além dos eventos vasculares, eventos neurológicos, também foram reportados. Além disso, 83 casos de (EAGS) envolveram lesões neurológicas, como compressão da medula espinhal (50 casos), lesões do nervo espinhal (25) e lesões tanto da medula quanto do nervo (8). Também houve relatos de lesões em nervos periféricos, como os frênicos.
A maioria dos casos de compressão da medula espinhal causou fraqueza nos membros, dificultando a deambulação, além de dor aumentada e sintomas sensoriais, como dormência. As lesões nervosas apresentaram aumento significativo da dor e perda motora ou sensorial no nervo afetado.
Também foi apontada a associação de eventos neurológicos e vasculares, como hematoma espinal epidural, vazamentos de líquido cefalorraquidiano (LCR) e edema da medula espinhal ou isquemia. A maioria dos casos de hematoma espinal epidural apresentou fraqueza, geralmente envolvendo mais de um membro e distúrbio sensorial significativo.
Por outro lado, a maioria dos casos de vazamento de LCR relatou cefaleia postural ou aumento nos sintomas de dor de cabeça, associados com náuseas e vômitos no início dos sintomas.
Casos menos comuns, qualificados como “outros” também foram relatados, incluindo fraturas e deslocamentos, diagnóstico ausente de uma condição grave – como infecção espinhal, câncer e tireotoxicose ou exacerbação de uma condição anterior também foram descritos, assim como caso de miopatia, um de tendinite calcificada do músculo longo do pescoço e dois casos de descolamento de retina.
A manipulação da coluna vertebral foi a intervenção mais comum relatada em associação com EAGs, mas outras foram indicadas. A manipulação da coluna cervical e sua associação com eventos adversos é controversa. Notavelmente, em alguns casos, a manipulação foi autoadministrada ou realizada por um leigo, não treinado em diagnóstico médico, tratamento da dor no pescoço ou nos aspectos de segurança da manipulação.
Embora a maioria dos casos envolvesse quiropráticos, a informação está sujeita a equívocos como a nomeação incorreta do executor do procedimento como “quiroprata”, sem que o seja de fato.
Os primeiros sinais e sintomas dos EAGs ocorreram dentro das primeiras 48h da intervenção e, em sua maioria, foram manejados conservadoramente, com desfecho favorável.
Verificou-se a baixa confiabilidade dos Testes de instabilidade cervical e integridade arterial para identificar pacientes em risco de EAGs. Não há um perfil claro de paciente que indique maior risco, embora mulheres possam estar mais propensas a dissecções arteriais cervicais.
Os sinais iniciais de EAGs devem ser monitorados precocemente, como aumento súbito de dor de cabeça ou pescoço, náusea, vômito e tontura, durante o tratamento ou até 48 horas após a intervenção.
Mensagem prática
Há uma subnotificação significativa de EAGs, e muitos estudos utilizam desenhos que não são adequados para investigar incidências, como estudos de caso-controle. Dessa forma, são necessários ensaios clínicos randomizados (ECRs) para avaliar de forma mais precisa a relação causal entre manipulações cervicais e EAGs, embora a raridade desses eventos torne essa tarefa desafiadora.
Sendo assim, nota-se que eventos adversos graves associados a procedimentos físicos conservadores na coluna cervical são raros, mas podem ter consequências de grande impacto. A maioria dos eventos é de natureza vascular e está associada à manipulação cervical. A identificação de pacientes em risco continua sendo um desafio, e há uma necessidade urgente de melhorar a notificação e a metodologia de pesquisa para entender melhor esses eventos e garantir a segurança do paciente.
Cabe ressaltar que um certo número de procedimentos de manipulação é realizada por não profissionais da saúde, e, notadamente, não médicos, o que também dificulta a coleta de dados para incidência e evolução.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.