A artroplastia total do joelho (ATJ) é procedimento cirúrgico cada vez mais popular, mas ainda apresenta uma taxa significativa de pacientes (entre 10% e 20%) insatisfeitos com os resultados.
Tradicionalmente, os cirurgiões usam medidas objetivas, como o arco de movimento (ADM), para avaliar o sucesso da cirurgia. No entanto, a satisfação do paciente é um conceito subjetivo, influenciado por dor, função e expectativas.
Um grupo de pesquisadores na Florida EUA publicou em setembro de 2025 um estudo na revista científica “The Journal of Arthroplasty” com o objetivo de avaliar o quanto o ganho de movimento do joelho após a ATJ realmente impacta na percepção de melhora e satisfação do paciente.
Como o estudo foi conduzido
Pesquisadores acompanharam de forma prospectiva 306 joelhos de 269 pacientes submetidos a ATJ primária.
A amplitude de movimento (flexão e extensão) foi medida meticulosamente com um goniômetro em cinco momentos diferentes: antes da cirurgia, no intraoperatório (com o paciente anestesiado), e duas semanas, seis semanas e um ano após a cirurgia.
Paralelamente, a satisfação e função foram medidas pelo questionário validado KOOS JR, aplicado antes e um ano após a cirurgia.
Os resultados sobre a recuperação do movimento
A flexão se recupera de forma não linear: A maior parte do ganho (incríveis 93,7%) acontece já nas primeiras seis semanas pós-operatórias. Após isso, há uma melhora muito gradual até completar um ano.
A extensão segue um caminho mais linear: A recuperação da extensão é mais lenta e constante ao longo de todo o primeiro ano.
O resultado final previsível: A amplitude de movimento que o paciente terá em um ano geralmente fica entre o que ele tinha antes da cirurgia e o que o cirurgião conseguiu obter no intraoperatório.
A relação (fraca) com a satisfação do paciente
Este é o achado mais intrigante: a correlação entre o ganho de movimento (ADM) e a melhora no escore de satisfação (KOOS JR) foi muito fraca.
Embora os pacientes tenham tido uma melhora clinicamente muito significativa no KOOS JR (30 pontos, bem acima do que é considerado uma melhora “importante”), essa melhora não estava diretamente ligada a quanto movimento eles ganharam.
Em outras palavras: pacientes que ganharam poucos graus de movimento e pacientes que ganharam muitos graus relataram níveis semelhantes de satisfação e melhora funcional.
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O que isso significa na prática clínica?
Redefinindo as expectativas: Este estudo é um alerta para não supervalorizarmos o arco de movimento como a única métrica de sucesso. É crucial gerenciar as expectativas dos pacientes, explicando que a melhora da dor e da função nem sempre andam de mãos dadas com um ganho de amplitude excepcional.
Foco na recuperação inicial: Como a maior parte da flexão é recuperada até a 6ª semana, a fisioterapia e o esforço nesse período inicial são absolutamente críticos.
O paciente no centro: Os resultados reforçam a importância de ouvir o paciente e de medir seu sucesso não apenas com uma régua ou goniômetro, mas principalmente por meio de questionários de qualidade de vida e função (PROMs). A satisfação é multidimensional.
O que podemos levar para casa?
O movimento é importante, sem dúvida. Mas esse estudo robusto nos mostra que ele é apenas uma peça do quebra-cabeça.
O sucesso de uma artroplastia é definido pela combinação de múltiplos fatores: alívio da dor, retorno às atividades desejadas, sensação de bem-estar e, sim, uma amplitude de movimento funcional.
A mensagem final é clara: devemos parar de usar o grau final de flexão do joelho como um parâmetro absoluto para a satisfação do paciente. O verdadeiro sucesso é medido pelo sorriso do paciente ao subir um degrau sem dor, e não necessariamente por quantos graus ele consegue dobrar o joelho no consultório.
Autoria

Rafael Erthal
Conteudista do Afya Whitebook desde 2017 ⦁ Residência em Ortopedia e Traumatologia pelo INTO ⦁ Especialista em cirurgia de joelho ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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