O fechamento de incisões cirúrgicas ortopédicas é um passo essencial, mas frequentemente negligenciado, que pode impactar não apenas complicações como deiscência e infecção, mas também a satisfação estética dos pacientes. Sendo assim, otimizar o resultado estético das incisões cirúrgicas tem se tornado cada vez mais uma questão importante.
Em um cenário de crescimento do número de procedimentos ortopédicos, surgem dispositivos de fechamento cutâneo alternativos aos métodos tradicionais (suturas e grampos), como o BandGrip, um adesivo com micro âncoras aprovado pela FDA, projetado para diminuir o tempo de fechamento, e possivelmente melhorar a cicatrização estética.
Um ensaio clínico randomizado, prospectivo e de braço paralelo, realizado em um centro acadêmico de ortopedia esportiva recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Rush University Medical Center (ORA: 19070102-IRB01-CR03) e seguiu os princípios da Declaração de Helsinque.
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Metodologia
Todos os pacientes forneceram consentimento informado por escrito para participação e uso de dados, incluindo fotografias. Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos submetidos a cirurgias ortopédicas primárias, abertas ou artroscópicas, no Midwest Orthopaedics at Rush entre novembro de 2020 e setembro de 2021.
Foram excluídos casos de cirurgias de revisão, pele comprometida no sítio operatório (feridas abertas, escoriações), e história de queloide. Ao todo, 113 pacientes foram incluídos, após randomização em blocos gerada por computador, para fechamento com dispositivo microâncora adesivo (BandGrip) ou sutura convencional. Pacientes com múltiplas incisões tiveram todas tratadas pelo mesmo método.
No intraoperatório, cada incisão foi medida com régua estéril e classificada em ≤2 cm ou >2 cm. O BandGrip foi aplicado após limpeza e secagem da pele, fixado em um lado da incisão e depois no outro, aproximando as bordas cutâneas; ele permaneceu até a primeira revisão (10–14 dias), quando o paciente recebeu instruções via telemedicina para remoção em casa. Esses pacientes puderam tomar banho 24h após a cirurgia. Já no grupo sutura, as incisões foram fechadas com Monocryl (subcutâneo) e Prolene (superficial), com retirada dos pontos em consultório entre 8–10 dias, após o que também puderam tomar banho sem curativo.
Para incisões ≤2 cm, no grupo BandGrip, usou-se um ponto enterrado com Monocryl 3-0 e cobertura superficial com BandGrip pequeno; no grupo sutura, utilizou-se Prolene 3-0 não absorvível. Para incisões >2 cm, o grupo BandGrip recebeu sutura subcutânea com Monocryl 3-0 e fechamento final com BandGrip (pequeno ou grande, conforme extensão da ferida); no grupo sutura, usou-se Monocryl 3-0 enterrado e sutura contínua superficial com Prolene 3-0.
O desfecho primário foi a avaliação estética, medida pela Hollander Wound Evaluation Scale (HWES), realizada em 2 semanas, 2 meses e 1 ano, por dois observadores cegos à alocação. O HWES, já validado para feridas cirúrgicas, atribui escores mais baixos para melhores resultados cosméticos. Para cada incisão, foram obtidas fotografias digitais (12 megapixels) nos mesmos tempos de seguimento, posteriormente avaliadas de forma cega.
O desfecho secundário foi a satisfação do paciente com a cicatrização, avaliada em escala numérica de 0–10 (0 = totalmente insatisfeito, 10 = totalmente satisfeito), aplicada nos mesmos intervalos pós-operatórios.
As análises estatísticas foram realizadas no R Studio (versão 2022.07.1). Médias, variâncias e desvios-padrão foram calculados, e as diferenças entre os grupos foram testadas com t-test não pareado, adotando nível de significância bilateral de p<0,05.
Principais achados
Dos 113 pacientes inicialmente incluídos, 83 (73,4%) foram analisados estatisticamente. Entre os 30 excluídos, 19 solicitaram retirada voluntária e 11 foram perdidos no seguimento; nenhum caso foi excluído por complicações cirúrgicas ou da ferida. No total, foram avaliadas 149 incisões, sendo 111 ≤2 cm e 38 >2 cm. Entre as incisões menores, 54 corresponderam a cirurgias de ombro, 53 a joelho e 4 a cotovelo; entre as maiores, 15 foram de ombro e 23 de joelho.
Nos casos de incisões ≤2 cm, 23 pacientes (60 incisões) receberam fechamento com sutura tradicional e 23 pacientes (51 incisões) com o dispositivo adesivo microâncora.
Os escores de cosmesia pelo HWES foram significativamente melhores com o dispositivo nas avaliações de 2 semanas (p=0,002) e 2 meses (p=0,019), mas não houve diferença após um ano (p=0,284). A satisfação autorreferida (NRS) não variou nos primeiros seguimentos, porém aos 12 meses foi discretamente maior no grupo sutura (9,37 vs. 8,63; p=0,043).
Nas incisões >2 cm, com média de 7,74 cm (2,5–15 cm), o dispositivo microâncora também apresentou melhora significativa no HWES em 2 meses (p=0,03), mas os resultados se igualaram em um ano (p>0,05). A satisfação dos pacientes foi maior no grupo do dispositivo aos 2 meses (p=0,03), sem diferenças ao final de 12 meses.
Nota-se que o dispositivo adesivo microâncora acelerou a obtenção de melhores resultados estéticos e maior satisfação no curto prazo (até 2 meses), mas não manteve superioridade em relação às suturas após um ano.
Limitações
O estudo apresenta algumas limitações importantes que precisam ser consideradas ao interpretar os resultados: os fechamentos das incisões cirúrgicas foram realizados por diferentes níveis de experiência de cirurgiões, o que pode introduzir variabilidade técnica.
Apesar disso, todos tinham ampla experiência cirúrgica e receberam treinamento específico na aplicação do dispositivo adesivo BandGrip, o que minimiza, mas não elimina, o risco de viés. Também houve pequena variabilidade nos tempos de avaliação fotográfica das incisões, já que o acompanhamento foi realizado nas consultas clínicas de rotina, que diferiam entre pacientes e cirurgiões. Essa variação pode ter influenciado a consistência das comparações entre os grupos.
Por fim, o estudo não incluiu uma análise de custo, o que é um ponto crítico, pois a decisão de implementar novos dispositivos de fechamento de pele depende não apenas da eficácia clínica, mas também da viabilidade econômica e custo-benefício em relação às suturas tradicionais, o que se traduz em acesso. Pesquisas futuras são necessárias para avaliar se os benefícios estéticos precoces compensam o investimento financeiro adicional.
Importância para a prática ortopédica
O estudo sugere que dispositivos de fechamento cutâneo como o BandGrip podem acelerar a cicatrização estética inicial, aumentando a satisfação do paciente nas primeiras semanas; otimizar tempo cirúrgico, já que o fechamento é mais rápido e menos traumático aos tecidos, beneficiando centros de alto volume cirúrgico; e ainda, potencial para reduzir complicações potenciais como infecção e trauma local, embora não tenha sido o foco principal do estudo.
Para a prática ortopédica, especialmente em cirurgias esportivas e artroscópicas, esses dispositivos representam uma alternativa promissora, sobretudo em pacientes com alta preocupação estética ou que valorizam retorno funcional precoce. Contudo, a ausência de superioridade em longo prazo e a falta de análise de custo-efetividade indicam que a utilização deve ser criteriosa e individualizada, aguardando estudos comparativos adicionais que avaliem segurança, custo e resultados funcionais.
Autoria

Juliana Pina Potenguy de Mello
Medicina – Fundação Técnico Educacional Souza Marques - 2005 • Médica ortopedista – SPDM - PAIS • Atendimento de urgências e emergências relacionadas a lesões no sistema musculoesquelético • Experiência em perícia médica, farmacovigilância, relacionamento médico e escrita científica.
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