As infecções do sítio cirúrgico (ISCs) são sabidamente processos mórbidos causados por agentes patogênicos originados de fonte endógena (pele, nariz, boca, trato gastrointestinal ou vaginal) ou fonte exógena ao paciente (staff da saúde, visitantes, equipamentos médicos, ambiente), e são classificadas baseando-se na profundidade da incisão.
Como ocorrências adversas que são, essas infecções constituem-se como uma das causas mais comuns de complicações operatórias e representam grande preocupação para a equipe assistente, não apenas com relação ao seu impacto na morbimortalidade dos procedimentos, quanto com relação aos custos de saúde.
Vários fatores de risco estão associados ao seu desenvolvimento, incluindo diabetes e hiperglicemia (≥200 mg/dL); obesidade; tabagismo e abuso de álcool, sendo o tabagismo particularmente impactante; características da fratura e do procedimento cirúrgico em si – fraturas complexas, cirurgia prolongada (acima de 90 minutos), o uso de fixadores externos e transfusões de sangue em até 24 horas pós-cirurgia aumentam o risco de infecção; antibioticoterapia profilática inadequada ou tardia; outros fatores, como sexo masculino, histórico de infecção sítio cirúrgico (ISC) anterior e certos locais cirúrgicos também são fatores de risco.
Sabe-se que a terapia por pressão negativa (TPN) vem sendo amplamente utilizada no tratamento de feridas resultantes de traumas de extremidades. Já existem evidências robustas sobre sua eficácia na prevenção de infecções do sítio cirúrgico, particularmente na redução da incidência de infecções profundas do sítio cirúrgico, após cirurgia de trauma ortopédico. No entanto, devido ao alto custo, ela não pode ser aplicada a todos os pacientes.
Dessa forma, Liu et al., com o objetivo de explorar a incidência de infecções profundas do sítio cirúrgico (IPSCs) após cirurgia de trauma ortopédico, identificar fatores de risco associados, implementar medidas preventivas e investigar a eficácia da Terapia por Pressão Negativa (TPN) como uma destas, analisaram 16 estudos com 22.318 pacientes, e identificaram que obesidade, diabetes, tabagismo e tempo cirúrgico prolongado são fatores de risco consistentes para o desenvolvimento de IPSCs.
Além disso, a presença de fraturas expostas, principalmente de grau mais alto, aumenta o risco de infecção devido ao contato com o ambiente externo.
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Metodologia
O estudo seguiu estritamente as diretrizes PRISMA (Itens Preferenciais para Relato de Revisões Sistemáticas e Protocolos de Meta-Análise).
A busca sistemática foi performada em diversas bases de dados — MEDLINE, Embase, Biblioteca Cochrane e Web of Science — com foco em estudos relacionados a fatores de risco para infecções profundas do sítio cirúrgico (ISCS) após procedimentos de trauma ortopédico, tendo sido concluída em 1º de setembro de 2024 e a análise dos dados foi realizada utilizando o software Stata 15.0. Termos em texto livre e termos de assunto foram utilizados na busca.
Os critérios de inclusão estabelecidos foram estudos envolvendo pacientes que apresentaram infecções profundas do sítio cirúrgico (IPSCs) após cirurgias de trauma ortopédico; e diagnóstico de IPSCs confirmado por padrões médicos.
Como desfechos primário e secundário, foram considerados análise multifatorial e ocorrência de IPSCs após cirurgia de trauma ósseo, respectivamente.
Estudos que não atenderam aos critérios diagnósticos de IPSCs, e que não focavam nessa condição; estudos envolvendo pacientes submetidos a artroplastias totais foram excluídos, assim como protocolos de conferências, correspondências, publicações duplicadas ou pesquisas inacessíveis.
O primeiro e o segundo autores revisaram a literatura de forma independente, examinando títulos, resumos e textos completos dos artigos, e consultaram especialistas em estudos relevantes. A extração de dados foi realizada de acordo com os critérios de inclusão e exclusão, com dados-chave incluindo: nome do primeiro autor; ano de publicação; país. Além disso, os dados extraídos foram verificados quanto à consistência.
Também performou-se a avaliação de qualidade através da escala de Newcastle-Ottawa.
Resultados
A busca foi realizada para identificar estudos sobre fatores de risco para infecções do sítio cirúrgico (ISCs) após cirurgias de trauma ortopédico. Após remover duplicatas, 2.203 estudos foram avaliados, e com base nos critérios definidos, 16 artigos foram incluídos na análise final. Esses estudos envolveram 22.318 pacientes, dos quais 894 desenvolveram ISCs. A amostra final consistiu em 4 estudos de caso-controle e 12 estudos de coorte. Todos os estudos incluídos apresentaram alta qualidade metodológica, com pontuações entre 7 e 9 na Escala de Newcastle-Ottawa.
Com relação aos fatores de risco, o sexo masculino foi apontado como fator de risco significativo (OR = 1,99), com baixa heterogeneidade entre os estudos analisados. Já índice de massa corporal elevado (>26 kg/m²) foi associado ao aumento do risco de IPSCs (OR = 1,95), também com baixa heterogeneidade. Tabagismo demonstrou forte associação, com maior risco de infecção (OR = 2,60), com resultados consistentes entre os estudos. A classificação da ferida (utilizada classificação de Gustillo-Anderson) classe ≥2.
A duração do tempo cirúrgico, classificação das feridas e o grau de exposição das fraturas também foram considerados fatores de risco, visto que aumentam a complexidade do procedimento e da exposição a agentes bacterianos.
Discussão
Observou-se uma incidência geral de IPSC após cirurgia de trauma ortopédico de 6,7%.
Os fatores anteriormente mencionados, demonstraram aumentar o risco para as infecções pós cirurgia ortopédica.
Embora algumas limitações metodológicas tenham sido observadas, como amostras pequenas e falta de dados sobre fatores de risco, as conclusões principais do estudo não foram comprometidas. O estudo ressaltou a importância de estratégias preventivas já conhecidas, como o controle do peso e a cessação do tabagismo, além de otimizar os protocolos cirúrgicos. Os autores também destacaram a necessidade de estudos futuros com amostras maiores e acompanhamento padronizado, para melhor entender o impacto de fatores como idade e feridas abertas na ocorrência de infecções.
Mensagem prática
Por fim, a implementação de medidas preventivas personalizadas, baseadas nos fatores de risco identificados, é essencial para reduzir a incidência de IPSCs e melhorar os resultados dos pacientes. A adoção de práticas assépticas, o uso de antibióticos profiláticos e tratamentos adequados para cada tipo de ferida são fundamentais para o controle e prevenção das infecções pós-operatórias.
O cirurgião, em seu planejamento, não pode deixar de observar esses fatores e cercar-se dos cuidados necessários para mitigar a infecção no sítio cirúrgico e consequentemente as consequências para seu paciente e financeiras, uma vez que elas impactam sobremaneira diversos aspectos da vida deste e todo o sistema de saúde.
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