A lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) é uma preocupação frequente, especialmente entre mulheres jovens e ativas, que apresentam uma incidência de duas a oito vezes maior do que os homens. Embora fatores biomecânicos e anatômicos tenham sido amplamente estudados, o papel dos hormônios sexuais ainda é um campo em investigação.
Um estudo recente, publicado em fevereiro de 2025 na revista Arthroscopy, traz novas perspectivas sobre como o uso de anticoncepcionais hormonais pode influenciar esse risco.
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Qual foi o objetivo do estudo?
Pesquisadores da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, conduziram um amplo estudo retrospectivo com o objetivo de investigar a associação entre o uso de anticoncepcionais hormonais e a incidência de lesões do LCA que necessitaram de reconstrução cirúrgica em mulheres entre 15 e 35 anos. A hipótese era de que o uso desses contraceptivos estaria associado a uma menor ocorrência desse tipo de lesão.
Como a pesquisa foi realizada?
Utilizando um grande banco de dados de saúde dos EUA (TriNetX), os autores analisaram informações de mais de 15 milhões de mulheres no período de 2011 a 2024. Foram comparados dois grupos: mulheres que usavam anticoncepcionais hormonais sistêmicos (incluindo pílulas, adesivos, implantes, anéis e injeções) e mulheres que não usavam nenhum método hormonal. A análise focou especificamente em casos que evoluíram para reconstrução cirúrgica do LCA, garantindo a gravidade da lesão.
Quais foram os principais resultados?
Os resultados mostraram uma associação protetora significativa:
- O grupo que usava anticoncepcionais hormonais sistêmicos teve uma incidência de lesão do LCA de 0,079%, significativamente menor do que o grupo sem uso hormonal (0,12%).
- Quando analisadas apenas as pílulas anticoncepcionais orais, a incidência também foi menor (0,088%) em comparação com as não usuárias.
- Um achado importante: as pílulas que contêm apenas progesterona (noretindrona) apresentaram a maior redução no risco (0,03%), sugerindo um efeito protetor mais forte em comparação com as fórmulas combinadas (estrogênio e progesterona).
- Efeito da idade: entre 15 e 19 anos, não houve diferença na incidência de lesão entre usuárias e não usuárias de pílulas. O efeito protetor foi observado a partir dos 20 anos.
Por que isso acontece? A hipótese hormonal.
A chave pode estar em um hormônio chamado relaxina, conhecido por afetar a integridade do colágeno em ligamentos. Mulheres têm níveis naturalmente mais altos de relaxina, o que pode tornar o LCA mais vulnerável. Os anticoncepcionais hormonais, ao suprimir a ovulação e regular os ciclos menstruais, podem reduzir os picos de relaxina – e assim, potencialmente, fortalecer a resistência do ligamento. O fato de a progesterona isolada mostrar maior efeito sugere que a modulação hormonal específica é um mecanismo relevante.
Quais as implicações práticas?
Este estudo não sugere que anticoncepcionais devam ser prescritos apenas para prevenir lesões. No entanto, para mulheres jovens – especialmente atletas em esportes de alto impacto – que já consideram o uso de métodos hormonais, essa pode ser uma informação valiosa a ser discutida com o ginecologista e o ortopedista. Trata-se de um benefício adicional potencial que pode ser levado em conta numa decisão compartilhada.
O que podemos levar para casa?
O uso de anticoncepcionais hormonais, principalmente fórmulas à base de progesterona, está associado a uma menor incidência de lesões do LCA em mulheres entre 20 e 35 anos. Para adolescentes de 15 a 19 anos, esse efeito não foi observado, possivelmente devido à variação hormonal natural dessa fase. A pesquisa abre portas para futuros estudos que possam investigar melhor essa relação e até considerar estratégias de prevenção baseadas no perfil hormonal de atletas de risco.
Autoria

Rafael Erthal
Conteudista do Afya Whitebook desde 2017 ⦁ Residência em Ortopedia e Traumatologia pelo INTO ⦁ Especialista em cirurgia de joelho ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
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