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Oncologia17 dezembro 2025

Vacina de neoantígenos combinada a radioterapia (RT) em tumores sólidos avançados

Estudo iNATURE avalia vacina personalizada de neoantígenos associada à radioterapia em tumores sólidos avançados.
Por Redação Afya

Quando o tratamento da doença metastática esgota todas as linhas padrão, precisamos de estratégias que reconfigurem o sistema imune do paciente para reconhecer o tumor. Vacinas de neoantígenos fazem exatamente isso: usam mutações exclusivas do tumor do indivíduo para treinar linfócitos T, sendo mais específico do que antígenos tumorais genéricos. O problema prático é que, em estágio IV, a resposta imune costuma estar esgotada e a carga tumoral é alta; por isso, as respostas às vacinas isoladas tendem a ser modestas. O protocolo iNATURE aposta na sinergia com radioterapia de lesões críticas (CLERT), que pode remodelar o microambiente tumoral e ampliar a apresentação de antígenos, funcionando como um potencializador para a vacina. Trata-se de uma proposta interessante: usar RT onde ela já é indicada por risco local e, ao mesmo tempo, potencializar a resposta imune personalizada. 

vacina de neoantígenos

Desenho metodológico 

O iNATURE é um ensaio fase II, aberto, multicêntrico e randomizado (1:1). Todos os participantes recebem radioterapia de precisão em lesões críticas; além disso, são alocados para vacina personalizada de neoantígenos ou placebo, ambos junto do tratamento convencional permitido pelo protocolo. Há um crossover unidirecional: quem progride no braço controle pode migrar para a vacina, desde que atenda a critérios de segurança pré-definidos (ECOG ≤ 2, função orgânica preservada, sem Eventos Adversos ≥ G3). O desfecho primário é sobrevida livre de progressão (SLP) por RECIST 1.1, com inclusão de FDG-PET/CT. Desfechos secundários: segurança (CTCAE v5), sobrevida global (SG), taxa de resposta objetiva (TRO), resposta no campo irradiado e à distância. Exploratórios: imunogenicidade (células T específicas, citocinas), ctDNA, persistência de clonotipos de TCR e qualidade de vida ao longo do tempo.  

Do ponto de vista operacional, a sequência é RT primeiro, vacina uma semana depois. A RT segue planejamento isotóxico com limites de dose para órgãos de risco conforme NCCN (80% do limite-alvo). O curso de RT dura 1 semana, 3 aplicações, focando lesões cuja progressão causaria morte ou grande perda de qualidade de vida.  

A vacina é preparada a partir de WES/RNA-seq do tumor e HLA do paciente. Três plataformas independentes (TruNeo, ImmuneMirror e um método Bayesiano) priorizam os melhores alvos; os 20 peptídeos sobrepostos de maior escore viram o coquetel vacinal. A administração é subcutânea em áreas ricas em linfonodos (axilas e virilhas), com instruções padronizadas de técnica e uso de adjuvante (polI:C). 

População envolvida 

Elegíveis: adultos (18-80 anos) com tumores sólidos avançados/recorrentes que falharam a terapias sistêmicas padrão, ECOG 0-2, ao menos uma lesão mensurável e pelo menos um neoantígeno de alta qualidade previsto. Excluem-se pacientes sem neoantígeno identificável, com infecções ativas significativas, imunodeficiência, uso de imunossupressores, doenças cardiovasculares graves, alergia a peptídeos/imunoterapias ou risco clínico/social que inviabilize seguimento. Os critérios de término incluem toxicidades graves (por exemplo, síndrome de liberação de citocinas grau 4), violação de protocolo ou retirada do consentimento. O estudo pretende recrutar 154 pacientes em 2-3 anos (início do recrutamento em janeiro/2024). 

Resultados  

Este estudo é um protocolo de pesquisa; dados de eficácia ainda não foram reportados. O que já está definido é o que será medido e como: 

  • Desfecho Primário:SLP por RECIST 1.1 (com PET/CT), captando se a combinação realmente atrasa a progressão face ao placebo em cenário de RT obrigatória. Isso conversa com objetivos de consultório como ganhar tempo clínico, evitar complicações locais e manter funcionalidade.
  • Secundários:TRO, SG, toxicidade (CTCAE v5), resposta no campo irradiado e resposta à distância. Esses itens buscam duas respostas que importam à beira do leito: “diminuiu o tumor e por quanto tempo?” e “a toxicidade é aceitável?”, além de checar o desejado efeitoabscopal (impacto fora do campo de RT) 
  • Exploratórios:dinâmica de células T específicas deneoantígenos, citocinas, ctDNA e persistência de clonotipos de TCR, mais qualidade de vida. Esses biomarcadores podem virar ferramentas de triagem: quem tende a responder? quando intensificar? quando parar? 

Do ponto de vista de mecanismo, o estudo se apoia em evidências de que RT em dose alta (para controle local) e baixa dose (imunomoduladora) podem sinergizar com imunoterapia, melhorando infiltração de T e apresentação de antígenos, ideia já explorada em séries e estudos prévios, agora aplicada a uma vacina personalizada com randomização e controle. 

Um diferencial do iNATURE é o crossover estruturado. Ele aumenta a ética do desenho (acesso à intervenção a quem progride), mas pode diluir efeitos em SG, o que torna a SLP ainda mais central para julgar benefício. Outra inovação é a exploração de neoantígenos “compartilhados” (por exemplo, mutações recorrentes em KRAS e EGFR) para acelerar preparo e reduzir custo quando houver compatibilidade HLA, aproximando a ideia de vacina “personalizada” de algo logisticamente viável 

Considerações clínicas e implicações para a prática 

 1) Onde isso pode ajudar meu paciente hoje? Fora de estudo, vacinas de neoantígenos ainda são experimentais. Mas o iNATURE traz um modelo aplicável à prática: tratar primeiro a lesão que ameaça o paciente (dor, risco de fratura, sangramento, obstrução), com RT planejada com rigor, e aproveitar esse “choque de microambiente” para educar o sistema imune com a vacina personalizada. 

2) Dois pontos para levar ao consultório: 

– Seleção e preparo são importantes. É preciso material tumoral adequado, WES/RNA-seq de boa qualidade e tipagem HLA. Integre bioinformática e patologia cedo, porque tempo é crucial no metastático. O iNATURE padroniza isso ao usar três plataformas e top-20 peptídeos sobrepostos, reduzindo o risco de “mirar o alvo errado”. 

– Radioterapia como parceira. A CLERT, em 3 frações/1 semana, com limites baseados em recomendações do NCCN e foco em lesões críticas, é facilmente incorporável aos fluxos do serviço e tem racional imunológico, sendo que já fazemos para controle local, agora com objetivo duplo (local + sistêmico, potencialiando o efeito imunologico).  

3) Limitações para controlar a empolgação. É um estudo aberto, pan-câncer (heterogêneo), com crossover, sendo ótimo para determinar eficácia, mas difícil para confirmar SG. Além disso, a logística de produção GMP de peptídeos e a necessidade de plataformas de predição exigem infraestrutura que nem todo serviço dispõe. 

Autoria

Foto de Redação Afya

Redação Afya

Produção realizada por jornalistas da Afya, em colaboração com a equipe de editores médicos.

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