A incorporação da classificação molecular da OMS em 2021 expandiu as possibilidades de diagnóstico dos tumores de sistema nervoso central. Porém, muitas neoplasias ainda carecem de tratamentos de impacto em sobrevida, especialmente após progressão aos tratamentos de primeira linha (radioterapia com temozolamida ou o esquema PCV). Foi recentemente publicado na Journal of Clinical Oncology os dados do estudo STELLAR, que buscou avaliar o uso de eflortinibe, inibidor oral da orlitina descarboxilase, no tratamento dos astrocitomas grau 3 avançados.

Desenho metodológico
O estudo STELLAR foi um ensaio clínico de fase 3, randomizado, aberto e multicêntrico (América do Norte e Europa). Pacientes com astrocitoma grau 3 com progressão de doença após tratamento de primeira linha foram randomizados para a combinação de eflortinibe e lomustina ou lomustina isolada. Foram avaliados sobrevida global (desfecho primário), sobrevida livre de progressão e resposta radiológica. O tratamento era continuado até progressão de doença, toxicidade limitante ou período máximo de exposição (2 anos de eflornitina e 6 ciclos de lomustina).
População envolvida
Foram incluídos 343 pacientes adultos. O período de inclusão do estudo foi entre 2016 e 2022. Logo, boa parte do recrutamento antecedeu a classificação molecular atualmente utilizada. A população alvo inicial era de astrocitomas anaplásicos grau 3, que passou a ser dividida em subtipos moleculares distintos. Foi criado, então, o subconjunto astrocitoma IDH-mutante grau 3 sem deleção CDKN2A/B e que representa “verdadeiramente” os tumores grau 3 da classificação moderna. Este grupo é composto por 196 pacientes da amostra total.
Resultados
Não houve diferença em sobrevida global ou em sobrevida livre de progressão em toda a população tratada. Por outro lado, no subgrupo IDH mutante grau 3:
Sobrevida global: 34,9 vs. 23,5 meses – HR 0,64 (IC 95%: 0,44-0,91) p=0,014
SLP: 15,8 vs. 7,2 meses – HR 0,57 (IC 95%: 0,36 – 0,88) p=0,011
Eventos adversos grau 3 foram mais comuns no braço da combinação (42% x 29%), sendo os mais frequentes mielossupressão, perda auditiva e plaquetopenia. Eventos grau 1 e 2 também foram mais comuns no braço combinação, com alta incidência de diarreia (80% x 7%), náusea (52% x 31%) e perda auditiva (24% x 0%).
Para refletir
– Dificuldades no Brasil: Atualmente lomustina não é produzida em nosso país. A realização do tratamento demandaria a importação ou substituição da combinação, o que necessitaria de novos estudos. O preço também pode ser um fator limitante, especialmente na saúde pública.
– Administração do tratamento: A administração é oral, o que reduz custos relacionados a infusão e tende a facilitar a adesão. Por outro lado, a tomada três vezes ao dia pode ser um fator limitante ao engajamento, especialmente na presença de efeitos colaterais.
– Intolerância: Diarreia, náuseas e mielossupressão foram eventos bastante frequentes e que certamente influenciaram na suspensão do esquema em parte da população. Devemos ressaltar que dados de qualidade de vida não foram expostos.
– Perda auditiva: A perda auditiva em quase um quarto da população exposta chama a atenção. Embora haja dados de outros trabalhos demonstrando que o evento é na maioria das vezes transitório, o tempo de seguimento do estudo STELLAR é curto para esta análise e devemos compartilhar esta informação com o paciente.
O que considerar para a prática clínica
Eflornitina combinada a lomustina aumentou a sobrevida global para uma doença de prognóstico reservado e com pouca evolução terapêutica nos últimos anos. Além deste dado, é interessante ressaltarmos a maior acurácia diagnóstica que a classificação molecular nos possibilita em detrimento da classificação exclusivamente histológica, selecionando com mais qualidade populações que, de fato, possam se beneficiar de tratamentos. Embora estejamos considerando uma análise que não foi criada para a população alvo levantada (astrocitomas IDHm grau 3) e, portanto, carente de maior significância estatística, a significância clínica foi notável e deve estimular não só a aprovação do esquema como uma alternativa de segunda linha, como novos estudos da medicação para outros tumores de baixo grau. Por outro lado, embora não tenham ocorrido óbitos relacionados ao tratamento, os dados de tolerabilidade deste esquema estão longe do ideal e devemos ser bastante criteriosos ao selecionar o paciente a se beneficiar.
Autoria

Thiago Branco
Thiago Branco é médico formado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), atualmente residente de Clínica Médica na mesma instituição e Médico Rotina da emergência do Hospital Caxias D'or ⦁ Contato profissional: [email protected] ⦁ Instagram: @Branco_T
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