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Oncologia9 setembro 2025

Metformina para pacientes com câncer de próstata

Estudo abordou potencial efeito antitumoral e proteção metabólica da metformina em pacientes com câncer de próstata

Nos últimos quinze anos, aprendemos que apenas o bloqueio androgênico central não basta. A associação de bloqueio androgênico com quimioterapia ou novos antiandrogênicos prolonga a sobrevida, mas cobra um preço metabólico: ganho ponderal, resistência à insulina, dislipidemia e maior risco cardiovascular. Muitos dos nossos pacientes são idosos ou apresentam comorbidades que agravam esse perfil.  

Metformina, velha conhecida na endocrinologia, tem sido apontada como aliada dupla: potencial efeito antitumoral e proteção metabólica. Confirmar ou refutar esse benefício em um ensaio de grande porte era, portanto, essencial: poderíamos entregar mais sobrevida oncológica sem sobrecarregar o coração e o bolso dos pacientes. 

Desenho metodológico 

O braço metformina integrou o estudo STAMPEDE. Entre setembro de 2016 e março de 2023, homens com adenocarcinoma de próstata metastático hormônio-sensível, não diabéticos, foram randomizados 1:1 para tratamento padrão (ADT isolada ou combinada a critério do oncologista) versus o mesmo padrão acrescido de metformina 850 mg duas vezes ao dia. O desfecho primário foi sobrevida global; secundários incluíram sobrevida específica, progressão de doença, eventos metabólicos e segurança.  

O cálculo amostral previu 1800 pacientes metastáticos para detectar redução de 20% no risco de morte com poder de 86%. O seguimento clínico, laboratorial e radiológico foi rigoroso, com coleta prospectiva de peso, cintura, glicose, lipídios e HbA1c. As análises obedeceram ao princípio de intenção-de-tratar, utilizando modelos de Cox e avaliação de riscos competitivos  

População envolvida 

Foram incluídos 1874 homens (idade mediana 69 anos, PSA mediano 84 ng/mL). A maioria (94%) possuía diagnóstico inicial da doença; 82% receberam ADT + docetaxel e apenas 3% ADT + inibidor de via AR, refletindo a época de recrutamento. A distribuição foi equilibrada: 938 no grupo padrão e 936 no grupo metformina. 

Resultados  

  • Sobrevida global:  Após mediana de 60 meses de acompanhamento, ocorreram 473 óbitos no braço controle e 453 no braço metformina. A mediana de sobrevida foi 61,8 versus 67,4 meses respectivamente, mas não houve significância estatística
  • Subgrupo de doença volumosa:  Quando os pesquisadores aplicaram os critérios CHAARTED, emergiu um dado intrigante: pacientes com alto volume de metástases tiveram HR 0,79 (p= 0,007) sugerindo benefício clínico; já nos casos de baixo volume, o efeito foi neutro. Ainda é um dado gerador de hipótese, mas aponta para possível ação seletiva da droga em tumores metabolicamente mais “exigentes”
  • Desfechos metabólicos:  Em 104 semanas, o ganho de peso médio foi de 4,4 kg no grupo padrão contra 2,0 kg no grupo metformina. Houve reduções adicionais na glicemia de jejum, HbA1c, colesterol total e LDL, todas estatisticamente significativas. A cintura diminuiu quase 2 cm comparativamente. A metformina, portanto, previniu metade de ganho de peso que o ADT costuma acrescentar e ainda melhorou a bioquímica.
  • Segurança:  Eventos grau 3 e 4 foram ligeiramente mais frequentes com metformina (57% versus 52%). O principal vilão foi diarreia (60% qualquer grau, 5% grau 3 versus 34% e 3% no controle). Não houve aumento de eventos renais graves, acidose láctica ou mortalidade relacionada à droga. A toxicidade, portanto, foi previsível e manejável com ajustes de dose e suporte sintomático.

Considerações clínicas e implicações para a prática 

Para os homens com câncer de próstata metastático hormônio-sensível, adicionar metformina não mudou a sobrevida global. Assim, não devemos prescrever o fármaco esperando benefício oncológico universal. Entretanto, o estudo oferece três pérolas para a prática: 

– Alto volume, outra história: Nos pacientes com múltiplas lesões ósseas ou metástase visceral, o dado positivo merece atenção. Enquanto aguardamos confirmações, discutir metformina como adição de baixo custo e baixa toxicidade pode ser razoável. 

– Proteção metabólica real:  Reduzir metade do peso extra e melhorar perfil lipídico e de glicemia não é um dado trivial. Para o paciente que já chega com pré-diabetes, síndrome metabólica ou risco cardiovascular alto, metformina pode ser usada como cinto de segurança contra os efeitos colaterais da castração mesmo sem ganho de sobrevida tumoral. 

– Tolerabilidade conhecida:  Diarreia foi o preço a pagar, mas ocorreu majoritariamente em grau leve a moderado, manejável com escalonamento de dose e loperamida. É fundamental explicar esse risco e iniciar a droga de forma gradual. 

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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