Nos últimos quinze anos, aprendemos que apenas o bloqueio androgênico central não basta. A associação de bloqueio androgênico com quimioterapia ou novos antiandrogênicos prolonga a sobrevida, mas cobra um preço metabólico: ganho ponderal, resistência à insulina, dislipidemia e maior risco cardiovascular. Muitos dos nossos pacientes são idosos ou apresentam comorbidades que agravam esse perfil.
Metformina, velha conhecida na endocrinologia, tem sido apontada como aliada dupla: potencial efeito antitumoral e proteção metabólica. Confirmar ou refutar esse benefício em um ensaio de grande porte era, portanto, essencial: poderíamos entregar mais sobrevida oncológica sem sobrecarregar o coração e o bolso dos pacientes.
Desenho metodológico
O braço metformina integrou o estudo STAMPEDE. Entre setembro de 2016 e março de 2023, homens com adenocarcinoma de próstata metastático hormônio-sensível, não diabéticos, foram randomizados 1:1 para tratamento padrão (ADT isolada ou combinada a critério do oncologista) versus o mesmo padrão acrescido de metformina 850 mg duas vezes ao dia. O desfecho primário foi sobrevida global; secundários incluíram sobrevida específica, progressão de doença, eventos metabólicos e segurança.
O cálculo amostral previu 1800 pacientes metastáticos para detectar redução de 20% no risco de morte com poder de 86%. O seguimento clínico, laboratorial e radiológico foi rigoroso, com coleta prospectiva de peso, cintura, glicose, lipídios e HbA1c. As análises obedeceram ao princípio de intenção-de-tratar, utilizando modelos de Cox e avaliação de riscos competitivos
População envolvida
Foram incluídos 1874 homens (idade mediana 69 anos, PSA mediano 84 ng/mL). A maioria (94%) possuía diagnóstico inicial da doença; 82% receberam ADT + docetaxel e apenas 3% ADT + inibidor de via AR, refletindo a época de recrutamento. A distribuição foi equilibrada: 938 no grupo padrão e 936 no grupo metformina.
Resultados
- Sobrevida global: Após mediana de 60 meses de acompanhamento, ocorreram 473 óbitos no braço controle e 453 no braço metformina. A mediana de sobrevida foi 61,8 versus 67,4 meses respectivamente, mas não houve significância estatística
- Subgrupo de doença volumosa: Quando os pesquisadores aplicaram os critérios CHAARTED, emergiu um dado intrigante: pacientes com alto volume de metástases tiveram HR 0,79 (p= 0,007) sugerindo benefício clínico; já nos casos de baixo volume, o efeito foi neutro. Ainda é um dado gerador de hipótese, mas aponta para possível ação seletiva da droga em tumores metabolicamente mais “exigentes”
- Desfechos metabólicos: Em 104 semanas, o ganho de peso médio foi de 4,4 kg no grupo padrão contra 2,0 kg no grupo metformina. Houve reduções adicionais na glicemia de jejum, HbA1c, colesterol total e LDL, todas estatisticamente significativas. A cintura diminuiu quase 2 cm comparativamente. A metformina, portanto, previniu metade de ganho de peso que o ADT costuma acrescentar e ainda melhorou a bioquímica.
- Segurança: Eventos grau 3 e 4 foram ligeiramente mais frequentes com metformina (57% versus 52%). O principal vilão foi diarreia (60% qualquer grau, 5% grau 3 versus 34% e 3% no controle). Não houve aumento de eventos renais graves, acidose láctica ou mortalidade relacionada à droga. A toxicidade, portanto, foi previsível e manejável com ajustes de dose e suporte sintomático.
Considerações clínicas e implicações para a prática
Para os homens com câncer de próstata metastático hormônio-sensível, adicionar metformina não mudou a sobrevida global. Assim, não devemos prescrever o fármaco esperando benefício oncológico universal. Entretanto, o estudo oferece três pérolas para a prática:
– Alto volume, outra história: Nos pacientes com múltiplas lesões ósseas ou metástase visceral, o dado positivo merece atenção. Enquanto aguardamos confirmações, discutir metformina como adição de baixo custo e baixa toxicidade pode ser razoável.
– Proteção metabólica real: Reduzir metade do peso extra e melhorar perfil lipídico e de glicemia não é um dado trivial. Para o paciente que já chega com pré-diabetes, síndrome metabólica ou risco cardiovascular alto, metformina pode ser usada como cinto de segurança contra os efeitos colaterais da castração mesmo sem ganho de sobrevida tumoral.
– Tolerabilidade conhecida: Diarreia foi o preço a pagar, mas ocorreu majoritariamente em grau leve a moderado, manejável com escalonamento de dose e loperamida. É fundamental explicar esse risco e iniciar a droga de forma gradual.
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