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Oncologia12 setembro 2025

Intervenção combinada no planejamento de cuidados em idosos com câncer avançado

Estudo testou o uso de vídeos educativos que explicam opções de cuidado combinados a um treinamento curto de meio dia em comunicação de más notícias para oncologistas

Na oncologia, particularmente entre pacientes idosos com câncer avançado, alinhar o tratamento aos valores de cada pessoa é tão decisivo quanto escolher a quimioterapia certa. Mesmo assim, conversas sobre limites terapêuticos, cuidados paliativos ou critérios para internação em UTI costumam ficar para depois, e esse depois às vezes chega quando o doente já não consegue mais expressar suas preferências. A ausência de planejamento antecipado (ACP) faz com que decisões críticas acabem baseadas em protocolos hospitalares, suposições da família ou até no plantonista que nunca viu o paciente. O estudo ACPP-EACE testou uma solução prática: vídeos educativos em 25 idiomas que explicam opções de cuidado combinados a um treinamento curto de meio dia em comunicação de más notícias para oncologistas. Avaliar se essa intervenção aumenta a documentação de ACP interessa a qualquer serviço que deseja oferecer cuidado realmente centrado no paciente, sem onerar a agenda já apertada do consultório. 

Desenho metodológico

Trata-se de um ensaio clínico randomizado por conglomerado do tipo “stepped wedge”, metodologia particularmente eficaz nos estudos de implementação em saúde, pois permite a comparação intra e intergrupos ao longo do tempo, minimizando viés de alocação e maximizando a validade externa.  

Vinte e nove clínicas ambulatoriais de três grandes sistemas de saúde nos EUA iniciaram no período controle (assistência usual) e migraram em blocos semestrais para o período de intervenção, permanecendo expostas até o fim do estudo. Toda pessoa com > 65 anos, diagnóstico de câncer avançado e pelo menos duas consultas prévias foi incluída automaticamente; não houve consentimento individual, minimizando viés de seleção e espelhando o cenário real. O desfecho primário foi a presença de qualquer documentação de ACP no prontuário eletrônico (conversa sobre objetivos de cuidado, limitação de suporte avançado, referências a cuidados paliativos ou hospice),  identificada via processamento de linguagem natural validado. A análise obedeceu ao princípio de intenção de tratar e usou modelos lineares generalizados corrigidos para tempo e clustering. 

A intervenção consistiu em dois componentes complementares: 

A) Conteúdo audiovisual padronizado: vídeos com linguagem simplificada e culturalmente adaptada abordando cuidados paliativos, opções terapêuticas e tomada de decisão compartilhada traduzidos para 25 idiomas.

B) Treinamento em comunicação clínica para médicos: baseado na metodologia VitalTalk, com foco em habilidades práticas para conversas difíceis, prognóstico e definição de metas de cuidado.

Veja também: A importância dos cuidados paliativos em pacientes idosos com doenças crônicas

Características da coorte analisada

No período de abril de 2020 a novembro de 2022, 13800 pacientes únicos geraram 29357 observações (idade média de 74,5 anos; 52%  homens). Cerca de 75%  se autodeclararam brancos e 12% negros, 2,9%  eram latinos. Houve ampla variedade de neoplasias: leucemia (13%),  mieloma (14%),  tumores gastrointestinais (14% ), geniturinários (12%)  e pulmão (6%).  A mortalidade durante o seguimento variou de 13%  a 34%  entre os três sistemas, reforçando a gravidade da coorte. A fidelidade da intervenção mostrou 84%  dos profissionais treinados em comunicação e mais de 7 600 visualizações dos vídeos pelas famílias, embora a adoção do componente audiovisual tenha sido desigual entre os centros.

Resultados e análise interpretativa

O desfecho primário foi a proporção de pacientes com qualquer registro de planejamento antecipado documentado em prontuário. A intervenção resultou em um aumento estatisticamente significativo de 20,8% no grupo controle (não submetidos à intervenção) para 25,3% no grupo de intervenção (diferença ajustada de 6,8%, p< 0,001). Isso significa que a cada quinze pacientes expostos, um a mais teve suas preferências registradas: um NNT digno de terapias oncológicas de alto custo, mas aqui via educação e conversa.

O efeito da intervenção foi heterogêneo: 

  • Impacto mais expressivo foi observado em pacientes com tumores de pulmão, melanoma e ginecológicos (aumento superior a 10%);
  • Menor magnitude de impacto em pacientes com mieloma, leucemia, sarcoma e linfoma;
  • Influência institucional marcante: variação de até 18 pontos percentuais entre sistemas de saúde (um com aumento de 11,1% e outro com redução de 7,4%), sugerindo que a cultura organizacional e a infraestrutura local modulam a efetividade da intervenção.

Considerações clínicas e implicações para a prática

  • ACP cabe no fluxo ambulatorial.  Vídeos curtos que o paciente assiste na sala de espera aliados a oncologistas capacitados a conduzir um diálogo estruturado aumentam em quase 7 pontos percentuais a documentação de preferências. Em números absolutos, trata-se de centenas de pacientes por ano recebendo cuidado mais alinhado aos próprios valores.
  • Treinamento rápido, impacto duradouro.  Meio dia de capacitação no modelo VitalTalk mostrou ser suficiente para mudar comportamento de escrita no prontuário. É uma intervenção financeiramente modesta quando comparada aos custos de terapias de fim de vida mal direcionadas.
  • Vídeo não substitui conversa, mas quebra o gelo.  O filme prepara o terreno e o clínico agora mais treinado, colhe o fruto em forma de diálogo significativo.
  • Atenção à implantação.  A heterogeneidade entre sistemas revela que liderança local, suporte de TI e cultura da equipe impactam o sucesso. 
  • Aplicabilidade no Brasil.  Em serviços oncológicos com grande rotatividade e tempo de consulta curto, usar vídeos em português e treinar residentes pode reduzir a tendência a decisões de última hora na emergência. Além disso, o desfecho escolhido (nota no prontuário) é facilmente auditável pelo gestor público ou suplementar.

Em resumo, o ACP-PEACE demonstra que uma intervenção pragmática (vídeos educativos mais treinamento conciso em comunicação) consegue ampliar de forma mensurável o planejamento antecipado de cuidados em idosos com câncer avançado. É a prova de que para oferecer medicina de alta qualidade não basta tecnologia, é preciso conversa estruturada, registrada e respeitada.

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Referências bibliográficas

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