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Oncologia11 dezembro 2025

Eventos cardíacos e vasculares com EGFR-TKI no câncer de pulmão

EGFR-TKIs das 1ª e 3ª gerações e combinações com anti-VEGF elevam risco cardiovascular. Veja os achados da metanálise no BMJ.

Nosso foco nos EGFR-TKIs costuma ser eficácia (resposta, sobrevida livre de progressão, controle de doença no SNC). Mas, na rotina, as toxicidades cardiovasculares, como arritmias, prolongamento de QT, insuficiência cardíaca, hipertensão e trombose, são os efeitos que fazem a gente pausar, reduzir dose ou até trocar de droga. Essa revisão sistemática com metanálise em rede no BMJ reuniu 157 estudos e 43.980 participantes para comparar riscos cardíacos e vasculares entre várias gerações de EGFR-TKIs (com e sem combinações) em CPNPC EGFR-mutado, sendo um recorte grande o suficiente para guiar condutas do dia a dia. O resumo visual presente no artigo original já antecipa a mensagem: 1ª e 3ª gerações e, sobretudo, as combinações com antiangiogênicos estiveram associadas a maior risco de eventos cardiovasculares, e TKIs de 3ª geração tiveram riscos mais altos e variados que os demais. 

câncer de pulmão

Desenho metodológico 

Os autores fizeram busca ampla em cinco bases (PubMed, Embase, Web of Science, Scopus, Cochrane Central) e em três registros de ensaios (ClinicalTrials.gov, EU-CTR e registro japonês), além de resumos de congressos (ASCO, ESMO). Incluíram trabalhos em inglês, excluindo estudos transversais, séries e relatos de caso, e extraíram dados do texto principal, materiais suplementares e registros para minimizar viés de publicação e melhorar a seleção. O desfecho era eventos adversos cardíacos e vasculares (totais e graves) associados às estratégias baseadas em EGFR-TKI (gerações 1ª, 2ª, 3ª, monoterapia e combinações). A síntese foi uma metanálise em rede, apropriada quando há muitos comparadores que não se enfrentaram diretamente, com apresentação de odds ratios e avaliação de certeza da evidência por comparação.  

População envolvida 

O alvo foi o CPNPC com mutação ativadora de EGFR, exatamente a população em que indicamos TKIs. Isso importa porque o risco cardiovascular não é universal: ele depende do perfil do paciente (idade, comorbidades), do inibidor e das combinações que escolhemos (anti-VEGF, quimioterapia, imuno). O leque de comparadores foi amplo: erlotinibe, gefitinibe e icotinibe (1ª geração); afatinibe e dacomitinibe (2ª); osimertinibe e vários 3ª geração (almonertinibe, furmonertinibe, befotertinibe, lazertinibe, rociletinibe, zorifertinibe), além de combinações (com antiangiogênicos, quimioterapia, amivantamabe + lazertinibe, entre outras). É, portanto, um retrato contemporâneo da nossa prateleira terapêutica. 

Resultados  

  • Visão geral.A síntese apontou queTKIs de 3ª geração estiveram mais frequentemente ligados a eventos cardíacos e vasculares (totais e graves) quando comparados a gerações anteriores e a placebo, e que combinar EGFR-TKI com antiangiogênico aumentou ainda mais o risco. Essa afirmação é sustentada tanto pelo resumo visual quanto pelas estimativas das redes. Em algumas comparações para eventos graves, os odds ratios ultrapassaram 3, implicando risco três vezes maior que o controle, sendo um tamanho de efeito que, na beira do leito, muda nosso limiar para monitorização mais estreita logo nos primeiros ciclos. 
  • Cardíacos vs. vasculares. A análise diferenciou eventos cardíacos (como prolongamento de QT, arritmias, insuficiência cardíaca) e vasculares (p. ex., hipertensão, trombose/embolia, eventos isquêmicos). O pior perfil concentrou-se nos TKIs de 3ª geração e nas parcerias com antiangiogênicos, padrão coerente com o que vemos na clínica: anti-VEGF eleva pressão arterial e risco trombótico; TKIs mais potentes e seletivos prolongam QT e, em subgrupos de pacientes, precipitam disfunção ventricular. No ranking indireto da rede, osimertinibe e congêneres e combos com antiangiogênicos ficaram mais para cima em risco, enquanto 1ª geração isolada (gefitinibe/erlotinibe) e placebo se mantiveram mais para baixo. 
  • Tamanho do efeito e certeza.Nem todas as comparações têm a mesma robustez: as matrizes da rede mostraram intervalos de confiança largos em algumas células (poucos eventos, amostras pequenas) e a certeza variou de alta a muito baixa, conforme a combinação e o desfecho (o artigo explicita as categorias de certeza ao lado das estimativas). Ainda assim, o padrão repetitivo de 3ª geração eanti-VEGF penalizando segurança cardiovascular se manteve. Para orientar conversa com paciente, dá para dizer que “o risco não é igual entre os TKIs e sobe quando a gente acrescenta antiangiogênico”. 

Considerações clínicas e implicações para a prática 

 Antes de prescrever, estratifique. Faça triagem cardiovascular simples e objetiva: história de QT prolongado, síncope, insuficiência cardíaca, doença coronariana, AVC prévio, hipertensão resistente, FA. Em pacientes de elevado risco, prefira estratégias com menor carga vascular/cardíaca e seja conservador com combinações. A síntese do BMJ reforça que o risco não é uniforme entre as opções. 

Monitore de forma ativa. 

– ECG: basal e após 1-2 semanas ao iniciar TKI de 3ª geração; repita em aumentos de dose ou com drogas que prolongam QT. 

– Eletrólitos/renal: potássio, magnésio, cálcio; ajuste diuréticos e IECA/BRA se necessário. 

– PA: semanal nas primeiras 4-6 semanas se houver anti-VEGF; trate agressivamente hipertensão. 

– Sinais de IC: peso, edema, dispneia; se dúvida, ecocardiograma. 

Tenha um plano de ação. 

– QTc ≥500 ms ou aumento ≥60 ms: pausar, corrigir eletrólitos, revisar interações, considerar redução de dose ou troca de TKI. 

– Hipertensão grau 3 com anti-VEGF: intensificar antihipertensivos, pausar/ajustar, só retomar com PA controlada. 

– Trombose: conduzir como evento trombótico oncológico; reavaliar manutenção do anti-VEGF. 

Converse em linguagem simples. “Esse remédio é muito eficaz para o tumor, mas pode mexer com coração e pressão. Vamos fazer exames rápidos (ECG, pressão, sangue) nas primeiras semanas para manter tudo sob controle.” Isso aumenta adesão e reduz interrupções desnecessárias. 

Interpretar a evidência com pé no chão. A metanálise em rede é poderosa, mas depende de comparações indiretas; algumas células têm poucos eventos e certeza baixa. Use o padrão geral (3ª geração e combo com anti-VEGF pedem mais vigilância) sem transformar cada Odd Ratio isolado da tabela em regra absoluta para um paciente com contexto clínico próprio.

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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Referências bibliográficas

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