O carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço (HNSCC) continua sendo um problema de saúde pública relevante: ocupa a sexta posição mundial em incidência e mortalidade, e cerca de 90% dos casos de câncer de cabeça e pescoço pertencem a esse subtipo. Mesmo com cirurgia, radioterapia e quimiorradioterapia, muitos pacientes evoluem para doença localmente avançada ou metastática e a sobrevida global permanece em torno de 50% em escala global. Nesse cenário, a imunoterapia com bloqueio de PD-1/PD-L1 surgiu como alternativa para melhorar desfechos, especialmente após platina. Porém, ainda há dúvidas práticas: qual esquema com inibidores de checkpoint traz maior benefício? Em primeira linha vale combinar com quimioterapia? Há lugar para duplas como anti-PD-1 + anti-CTLA-4? A revisão e metanálise em rede deste artigo busca justamente organizar as evidências comparando, de forma indireta e direta, várias estratégias com ICIs no HNSCC.

Desenho metodológico
Os autores seguiram as diretrizes PRISMA 2020, registraram o protocolo (INPLASY 2024070073) e realizaram uma busca sistemática nas bases Embase, PubMed e Cochrane Library até abril de 2024. Foram incluídos ensaios clínicos randomizados (cegos ou não) que avaliassem qualquer formato de ICI em adultos com HNSCC e reportassem desfechos de sobrevida, sendo que a sobrevida global (OS) foi o desfecho primário e a sobrevida livre de progressão (PFS), o secundário. Dois revisores extraíram, de forma independente, tamanho de amostra por braço, esquema terapêutico e estimativas de efeito (hazard ratios e IC95%). O risco de viés foi avaliado com a ferramenta da Cochrane usando o RevMan 5.4. A comparação entre múltiplas intervenções foi feita por metanálise em rede, permitindo estimar efeitos relativos mesmo na ausência de comparações diretas entre todos os esquemas.
Chamo a atenção para alguns detalhes:primeiro, os autores definiram claramente OS e PFS e extraíram HRs com IC95%. Segundo a metanálise em rede ranqueou as opções terapêuticas segundo a probabilidade de serem as melhores para cada desfecho, o que ajuda a traduzir números em decisões clínicas do dia a dia. Terceiro, o conjunto final privilegiou os ensaios clínicos randomizados (ECRs), aumentando a confiabilidade em relação a séries de casos ou estudos não randomizados.
População envolvida
A amostra reuniu ECRs relevantes, incluindo os estudos-chave da área: KEYNOTE-048 (pembrolizumabe ± quimioterapia), KEYNOTE-040 (pembrolizumabe versus metotrexato/docetaxel/cetuximabe), CheckMate 141 (nivolumabe versus quimioterapia), EAGLE e CONDOR (durvalumabe ± tremelimumabe), KESTREL (durvalumabe ± tremelimumabe versus EXTREME, que é platina combinada com cetuximabe), CheckMate 651 (nivolumabe + ipilimumabe versus EXTREME), além de estudos de menor porte avaliando combinações como nivolumabe + radioterapia estereotáxica. No total, os ensaios abrangeram pacientes com HNSCC recorrente/metastático (predominantemente), e houve também estudos em cenários específicos como cavidade oral e estratégias neoadjuvantes/combinações com radioterapia, contribuindo para alguma heterogeneidade. Nove estudos reportaram PFS e dez reportaram OS.
Para contextualizar a prática clínica, pense no ambulatório de oncologia: o paciente aqui é o indivíduo com doença recorrente/metastática, muitas vezes já exposto à platina, em quem ponderamos regimes de primeira linha (como pembrolizumabe isolado se CPS ≥1 ou pembrolizumabe + quimioterapia) e opções de resgate (p. ex., nivolumabe). Os ensaios incluídos representam bem esse cenário, embora nem todos sejam primeira linha e nem todos tenham seleção por PD-L1, algo que discutiremos nas limitações.
Resultados
- Sobrevida livre de progressão (PFS)
Quando o objetivo é manter a doença sem progressão por mais tempo, a combinação nivolumabe + quimioterapia mostrou superioridade. Em comparação direta dentro da rede, nivolumabe + quimioterapia foi melhor que quimioterapia isolada (HR 2,0 para quimioterapia, IC95% 1,1-3,5, indicando desvantagem da quimioterapia), melhor que durvalumabe (HR 2,1 para durvalumabe, 1,1-4,3) e melhor que a dupla nivolumabe + ipilimumabe (HR 2,8 para a dupla, 1,3-5,6). Também superou durvalumabe + tremelimumabe (HR 0,5; 0,2-0,9 a favor de nivolumabe + quimioterapia). Na análise de ranqueamento, nivolumabe + quimioterapia teve a maior probabilidade de ser o melhor para PFS (77,18%).
- Sobrevida global (OS)
Para OS, três estratégias ficaram acima da quimioterapia: nivolumabe isolado (HR 0,7; 0,5-0,9), nivolumabe + quimioterapia (HR 0,5; 0,3-0,8) e pembrolizumabe + quimioterapia (HR 0,7; 0,5-0,9). Quando comparado a durvalumabe, o regime nivolumabe + quimioterapia também foi superior (HR 0,5; 0,3-0,9) e tremelimumabe isolado mostrou vantagem (HR 0,7; 0,6-0,9). Importante notar que nivolumabe + quimioterapia também superou nivolumabe + ipilimumabe (HR 0,5; 0,3-0,9). No ranqueamento de OS, nivolumabe + quimioterapia teve a maior probabilidade de melhor desempenho (57,89%).
- Custo e eficiência
O artigo destaca que, considerando os desfechos e a análise de eficiência relativa, nivolumabe + quimioterapia aparece como opção mais eficaz e, no conjunto avaliado, associada a custo comparativamente menor entre os regimes analisados. Essa é uma informação relevante para sistemas com recursos limitados, mas que obviamente sofre variação conforme preços locais e acesso.
Considerações clínicas e implicações para a prática
1) Primeira linha em doença recorrente/metastática. Se o paciente necessita de controle rápido e robusto (ex.: disfagia importante, dor, massa volumosa), a combinação anti-PD-1 + quimioterapia é, no agregado das evidências, a estratégia com maior probabilidade de maximizar PFS e OS. Isso vale para pembrolizumabe + quimioterapia (apoiado pelo KEYNOTE-048) e, conforme esta metanálise em rede, também para nivolumabe + quimioterapia. A análise de ranqueamento sustentou o favoritismo da combinação nivolumabe + quimioterapia para ambos os desfechos (77% para PFS; 58% para OS).
2) ICI isolado. Nivolumabe isolado superou quimioterapia em OS, o que reforça seu papel nos pacientes que não toleram quimioterapia ou em linhas subsequentes. Pembrolizumabe isolado permanece opção em CPS ≥1, especialmente quando a toxicidade da quimioterapia é uma preocupação. Ainda assim, quando a meta é ganho de PFS e resposta mais rápida, a associação com quimioterapia tende a ser preferível.
3) Duplas de ICI. Nesta síntese, nivolumabe + ipilimumabe não se destacou: perdeu para nivolumabe + quimioterapia em PFS e OS. Da mesma forma, durvalumabe + tremelimumabe ficou abaixo de algumas estratégias com PD-1, tanto em PFS quanto em OS. Na realidade, essas duplas podem ser cogitadas em contextos específicos, mas a decisão da eficácia/velocidade de resposta pende para PD-1 + quimioterapia.
4) Qualidade da evidência e heterogeneidade. O risco de viés global foi aceitável, mas houve variabilidade nos desenhos (abertos, diferentes linhas de tratamento, inclusão de estudos com radioterapia estereotáxica e um estudo neoadjuvante), o que exige cautela ao extrapolar. A maioria dos estudos não detalhou cegamento de avaliadores e, embora ECRs tenham sido priorizados, nem todos contemplaram estratificação por PD-L1/HPV de forma uniforme. Na prática, continue usando CPS e status de HPV como bússola adicional na tomada de decisão.
5) Custo e acesso. O achado de menor custo relativo para nivolumabe + quimioterapia precisa ser interpretado à luz do mercado local e das políticas de incorporação; em muitos países, o gargalo é o acesso a qualquer ICI. Ainda assim, quando houver disponibilidade, priorizar combinações com melhor ranqueamento pode otimizar valor clínico.
Em resumo: para o oncologista na linha de frente, esta metanálise em rede reforça uma mensagem simples e alinhada ao que vemos no consultório: quando a prioridade é eficácia clínica tangível (controle rápido e impacto em sobrevida), a combinação de anti-PD-1 com quimioterapia é a aposta mais consistente para HNSCC recorrente/metastático, com melhor desempenho global do que ICI isolado ou duplas com CTLA-4. Ajuste a escolha ao CPS de PD-L1, perfil de toxicidade, comorbidades, preferências do paciente e viabilidade de acesso, mas, se precisar de um norte, PD-1 + quimioterapia continua sendo a bússola mais segura no cenário atual resumido por este trabalho.
Autoria

Gabriel Madeira Werberich
Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.
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