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Oncologia29 agosto 2025

Efeito da ioga do riso sobre sintomas da quimioterapia e qualidade do sono

Artigo testou se sessões de ioga do riso poderiam reduzir sintomas induzidos pela quimioterapia e melhorar a qualidade do sono em pacientes com leucemia e outras neoplasias

No ambulatório de hematologia é comum ver pacientes exaustos por ciclos sucessivos de quimioterapia, que fadigam tanto o corpo quanto a mente. Dor, náusea, fadiga e insônia andam juntos, minimizando a adesão ao tratamento e aumentando demanda por medicações. Estratégias farmacológicas nem sempre bastam e muitas vezes, o que o doente precisa é de algo simples, barato e livre de efeitos colaterais, que devolva ânimo e sono reparador. A ioga do riso é uma combinação de exercícios respiratórios, alongamentos suaves e gargalhadas intencionais, e tem sido estudada como intervenção complementar exatamente para aliviar esses sintomas. Contudo, até agora faltavam ensaios randomizados focados em cânceres hematológicos, em que as internações longas e o risco de infecção limitam intervenções em grupo.  

O artigo de Özlem Ugur e colegas preenche essa lacuna ao testar se quatro sessões de ioga do riso poderiam reduzir sintomas induzidos pela quimioterapia e melhorar a qualidade do sono, em pacientes com leucemia, linfoma ou mieloma múltiplo, internados numa enfermaria universitária na Turquia. 

Metodologia 

Trata-se de um ensaio clínico randomizado, controlado, paralelo, conduzido entre novembro 2020 e dezembro 2021. O cálculo amostral via G*Power definiu 60 participantes para 80% de poder; eles foram alocados 1:1, estratificados por sexo e tipo de câncer usando minimização pelo site Randomizer.org. A randomização foi aberta aos pacientes, mas os avaliadores estatísticos eram cegos. 

Intervenção: quatro sessões de ioga do riso, de 45 minutos, duas vezes por semana, ao longo de duas semanas, lideradas por profissional certificado. Cada sessão seguia protocolo padronizado: respiração diafragmática, palmas rítmicas, gargalhadas simuladas que evoluem para riso espontâneo, movimentos lúdicos e relaxamento guiado. 

Controle: cuidados habituais da unidade, sem qualquer atividade adicional. Para minimizar contaminação, os pacientes ficavam em quartos individuais e não tinham contato entre grupos. 

Desfechos: Mudança nos escores de sintomas (Edmonton Symptom Assessment System- ESAS), na qualidade do sono (Pittsburgh Sleep Quality Index – PSQI), percepção de sono via escala visual analógica (VAS-Sleep) e satisfação com a intervenção (VAS 0-10). 

Quatro pontos de aferição foram definidos: dia 1 e dia 5 (primeira semana), dia 8 e dia 12 (segunda semana). A análise empregou testes t pareado ou Mann-Whitney, Friedman para medidas repetidas e pós-hoc de Bonferroni quando apropriado; significância em p< 0,05 

População envolvida 

Dos 60 pacientes, 30 receberam ioga do riso e 30 permaneceram no controle. As características de base foram bem balanceadas: idade entre 19 e 78 anos (média ao redor dos 55), distribuição semelhante de sexo, estado civil, escolaridade e renda. Leucemias agudas, linfomas e mieloma múltiplo compuseram a maioria dos diagnósticos. Todos estavam em quimioterapia com risco emetogênico moderado ou alto, o ECOG médio foi 0,7 em ambos os grupos, indicando pacientes ainda ativos. Comorbidades como hipertensão e diabetes apareciam em proporções similares, nenhum participante usava hipnóticos de rotina, o que evita viés nos dados de sono. 

Resultados  

Sintomas (ESAS) 

Logo após as duas primeiras sessões, a dor caiu de média 1,6 para 0,5 no grupo intervenção contra redução discreta no controle. Essa melhora manteve-se no dia 12. Náusea seguiu padrão parecido: queda de 3,3 para 0,2 em duas semanas enquanto o controle recuou apenas de 4,2 para 1,7. Houve ainda diminuição significativa de ansiedade, fadiga e perda de apetite dentro do grupo intervenção, com curvas estáveis ou flutuantes no controle. Curiosamente, sintomas menos frequentes, como falta de ar, alterações de pele,unhas e parestesia em mãos, também declinaram no grupo intervenção, sugerindo efeito sistêmico do riso na percepção global de bem-estar. 

Qualidade do sono (PSQI) 

O componente “qualidade subjetiva do sono” melhorou já na primeira semana e manteve-se superior ao controle na avaliação final. Os parâmetros “duração do sono” e “distúrbios do sono” também tiveram queda significativa de pontuação, refletindo noites mais longas e menos fragmentadas. O escore total médio do PSQI passou de 8,1 para 5,8, cruzando o limiar de 5 que separa sono ruim de adequado; o controle permaneceu em 8,4. 

VAS-Sleep 

A escala de 0 a 10 mostrou aumento gradual de satisfação com o próprio sono, partindo de 4,4 no dia 1 para 6,9 no dia 12 entre os praticantes, enquanto o controle ficou estacionário 

Satisfação com a intervenção 

Os participantes atribuíram média 7,2 (variação 5-10) para satisfação geral com a ioga do riso, descrevendo sensação de “leveza”, “energia” e “esquecer que está em tratamento”. Nenhum evento adverso foi reportado. 

Força dos achados 

O desenho randomizado e a homogeneidade inicial reforçam validade interna. A adesão de 100% às quatro sessões e às avaliações confirma viabilidade mesmo em contexto de internação. O curto follow-up, porém, impede saber se o benefício persiste após a alta, e o tamanho amostral reduz chance de detectar mudanças em sintomas raros. Ainda assim, a magnitude de efeito na dor (redução de 70%) e náusea é clinicamente relevante. 

Considerações clínicas e implicações para a prática 

  • Pílula de baixo custo: quatro sessões de 45 minutos, conduzidas por profissional treinado, já foram suficientes para reduzir dor e náusea a níveis quase desprezíveis, e transformar insônia crônica em sono aceitável. Em termos de logística, basta uma sala arejada, cadeiras afastadas e vontade de rir: um investimento irrisório frente ao preço de antieméticos ou hipnótico.
  • Segurança e adesão: nenhum evento adverso, abandono zero e notas altas de satisfação mostram que a técnica é bem acolhida. Isso abre porta para implementá-la em enfermarias, salas de quimioterapia ambulatorial ou até via vídeo para quem permanece em isolamento.
  • Integração multiprofissional: a equipe de enfermagem pode conduzir as sessões após breve capacitação. Psicólogos e fisioterapeutas também podem incorporar exercícios de riso em rotinas de reabilitação ou grupos de suporte.
  • Limites e próximos passos: são necessários ensaios com amostras maiores, seguimento de longo prazo e comparação com outras intervenções (meditação, musicoterapia etc). Ainda assim a evidência atual já justifica oferecer a ioga do riso como opção complementar em protocolos de cuidado de suporte clínico.
  • Mensagem ao paciente: “Não vamos trocar o remédio pelo riso, mas podemos usar o riso para que o remédio incomode menos e a noite renda mais descanso”. Essa frase resume o espírito da intervenção, que é um adjuvante simples que devolve senso de controle ao doente e favorece adesão ao tratamento.

Em síntese, o estudo mostra que dar boas gargalhadas pode ser tão terapêutico quanto uma medicação de suporte bem escolhida. Incorporar a ioga do riso no arsenal de cuidados é passo coerente com a busca por tratamentos humanizados custo-efetivos e centrados no paciente. 

 

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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