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Oncologia14 agosto 2025

Diretriz para manejo de tumores de apêndice cecal com acometimento peritoneal

Resumo da nova diretriz para diagnóstico e tratamento de tumores de apêndice com doença peritoneal, incluindo pseudomixoma.

Metade dos paciente com tumores do apêndice já chega no consultório com ascite mucinosa, quadro conhecido como pseudomixoma peritoneal. A literatura é escassa: ensaios prospectivos são raros, séries de casos são pequenas e muitas vezes misturam patologias distintas. O resultado é a ausência de qualquer uniformização e padronização global de condutas: cada centro decide se começa com quimioterapia sistêmica, se parte direto para citorredução + HIPEC ou se apenas observa.  

O grupo Peritoneal Surface Malignancy (PSM) Consortium reuniu cirurgiões, oncologistas, patologistas e representantes de pacientes para atualizar, via metodologia Delphi, o guideline Chicago Consensus de 2018. O documento pretende harmonizar condutas, orientar escolhas em doença irressecável, recidiva e vigilância, e poupar o paciente da loteria geográfica de tratamentos. 

tumor

Metodologia 

– Estrutura do grupo e processo Delphi:  A força-tarefa contou com 14 especialistas de diferentes disciplinas, coordenados por dois cirurgiões-líderes e apoio de 16 “trainees” que fizeram as revisões rápidas da literatura. A votação Delphi ocorreu em duas rodadas: 138 participantes opinaram na primeira e 133 na segunda, buscando >= 90%  de concordância para cada bloco do algoritmo.

– Revisões rápidas:  Usando protocolos registrados no PROSPERO, o time buscou no MEDLINE três perguntas-chave: momento ideal da quimioterapia sistêmica versus cirurgia em doença que não era de baixo grau; melhor manejo do pseudomixoma irressecável (cirurgia paliativa, HIPEC, quimioterapia sistêmica, observação); segurança e beneficio de repetir citorredução/HIPEC em recidiva. 

Foram triados 1473 resumos; 15 estudos entraram na síntese para doença irressecável e 14 para recidiva, todos retrospectivos, exceto um ensaio fase II de braço único. 

Os achados das revisões serviram de base para rascunhar um fluxograma em dez blocos (depois reduzido a 9 porque “terapias novas” não atingiram consenso). Cada bloco orienta decisões sobre biópsia, estadiamento, indicação de citorredução, HIPEC, quimioterapia ou cuidados paliativos; o material suplementar traz justificativas e cita a evidência grau por grau. 

População envolvida 

Nos consensos clínicos é relevante saber quem opinou: na segunda rodada, 70% eram cirurgiões oncológicos, 14% oncologistas clínicos, 11% patologistas e 5% outros especialistas ou representantes de pacientes. Essa distribuição amplia a perspectiva mas também pende para a visão cirúrgica, algo a considerar na leitura crítica das recomendações. 

Quanto aos estudos analisados, a maioria eram séries retrospectivas de centros terciários, focadas em mucinosos de baixo ou alto grau; poucos incluíam adenocarcinoma não mucinoso. Diversidade étnica e dados de países de baixa renda são praticamente ausentes, o que limita a generalização. 

Resultados  

Todos os nove blocos superaram 90%  de concordância após a segunda rodada, indicando forte alinhamento entre os participantes. 

Principais pontos do consenso 

  • Baixo grau: citorredução completa é recomendada para a maioria dos candidatos cirúrgicos; HIPEC pode ser adicionada
  • Alto grau ou não mucinoso: preferência por quimioterapia sistêmica inicial, seguida de citorredução completa com ou sem  HIPEC
  • Doença irressecável: cirurgia debulking ou HIPEC podem melhorar sintomas em casos selecionados, mas a evidência é frágil e baseada em séries retrospectivas
  • Recidiva: há sinal de sobrevida melhor com citorredução de repetição em pacientes cuidadosamente escolhidos (jovem, bom status funcional, baixo PCI), mas o risco de complicações grau 3-4 varia de 14%  a 44%.
  • Vigilância: protocolo unificado com imagem toraco-abdomino-pélvica e marcadores (CEA, CA125, CA19-9) semestral nos dois primeiros anos, depois anual até dez anos

Limitações 

 Todos os estudos que fundamentam manejo de doença irressecável ou recidiva são observacionais, sujeitos a viés de seleção (só opera quem já tinha melhor prognóstico) e de publicação (centros com bons resultados têm mais probabilidade de divulgar); ausência de meta-analise quantitativa; super representação por cirurgiões, com risco de enviesar a favor de cirurgias mais agressivas, mesmo quando a evidência é fraca; muitas orientações pressupõem disponibilidade de HIPEC e patologista especializado e vigilância por tomografia periódica, inviável em parte do mundo; ensaios com imunoterapia ou anti-VEGF são raros e as recomendações se baseiam em regimes clássicos e podem envelhecer rapidamente; alcançar 90%  de concordância indica alinhamento, mas não garante que a estratégia seja a melhor biologicamente: apenas ensaios prospectivos e multicêntricos validarão o algoritmo (consenso não é sinônimo de verdade absoluta). 

Considerações clínicas e implicações para a prática 

  • Traga todos à mesa:  Pacientes com mucina peritoneal devem ser discutidos em tumor board com cirurgião oncológico, oncologista, radiologista e patologista experientes. O guideline oferece linguagem comum para essa conversa.

 

  • Não subvalorize a biópsia:  Documentar a histologia e o grau histológico direciona para caminhos diferentes de conduta

 

  • Baixo grau: Pense em cirurgia curativa com citorredução completa.

 

  • Alto grau: A quimioterapia vai na frente – reduzir carga tumoral antes de entrar no abdome tende a melhorar seleção de candidatos

 

  • Recidiva: discuta caso a caso.  Seis anos livre de doença após a primeira HIPEC não são iguais a recidiva após um ano; use idade, PCI, grau e marcadores para pesar riscoe benefício.

 

  • Explique as incertezas: Mostre ao paciente que muitas recomendações vêm de dados retrospectivos; decisão compartilhada é vital, inclusive sobre vigilância extensa x qualidade de vida

 

  • Desafios futuros:  Ensaios randomizados comparando quimioterapia versus debulking paliativo e validação de biomarcadores genômicos são prioridades para reduzir o achismo em tumores de apêndice. 

A diretriz para tumores do apêndice cecal com doença peritoneal preenche lacuna importante, oferecendo fluxo de decisão didático e fundamentado em revisão rápida da melhor evidência disponível. Contudo, o alicerce dessa casa ainda é de barro: estudos retrospectivos, heterogêneos e centrados em grandes centros. Use o guideline como mapa, mas mantenha o estetoscópio crítico: personalize cada rota segundo biologia tumoral, condição clínica, recursos locais e, sobretudo, preferências do paciente.

Veja também:Tratamento contra o câncer é ampliado no SUS

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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