Um grande desafio na vida cotidiana do nefrologista é encontrar uma forma de iniciar o manejo dos casos de nefropatia em momento mais precoce da doença renal crônica (DRC). A maioria dos pacientes não apresenta sintomas relacionados a disfunção renal até estarem em estágio avançado o que nos deixa com a sensação de que aquele paciente poderia ter percorrido um caminho renal distinto, caso tivesse sido reconhecido o problema mais precocemente.
Dia Mundial do Rim
Em 2006, a Sociedade Internacional de Nefrologia (ISN) e a International Federation of Kidney Foundations (IFKF) instituíram o Dia Mundial do Rim, celebrado anualmente na segunda quinta-feira de março, com o objetivo de conscientizar sobre a saúde renal e promover estratégias de prevenção e detecção precoce. Em 13 de março de 2025, celebraremos a 19ª edição do evento, cujo tema deste ano é:
“Seus rins estão ok? Faça o exame de creatinina para saber!”
Esta campanha reforça a importância de reconhecer fatores de risco e realizar exames regulares para preservar a função renal.
Por que conscientizar além do nefrologista?
A progressão da DRC quase nunca começa sob os cuidados de um nefrologista, mas sim nas consultas de atenção primária, cardiologia, endocrinologia, geriatria e outras especialidades que acompanham pacientes com hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM). Essas duas condições são, de longe, as principais causas de DRC em estágio terminal no Brasil, representando conjuntamente mais de metade dos casos de pacientes em diálise.
Cenário brasileiro atual
- Número de pacientes em diálise: Em 1º de julho de 2023, estimou-se em 157 357 pacientes em terapia renal substitutiva no Brasil, um aumento de 2,3% em relação a 2022 (771 pmp). Em 2024, esse número saltou para 172 585, um acréscimo de quase 10%.
- Diabetes como causa de DRC: 32% dos casos de DRC em diálise são atribuídos ao diabetes mellitus.
- Prevalência global de DRC: Aproximadamente 700 milhões de pessoas (mais de 10% da população mundial) apresentam algum grau de DRC.
- Projeção de mortalidade: Estima-se que, até 2040, a DRC será a quinta principal causa de morte global.
Cinco pontos-chave para rastreamento e prevenção
- Não confie apenas na creatinina sérica
- Sempre calcule a taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) usando a fórmula CKD-EPI (sem correção por raça) conforme recomendação da última diretriz KDIGO 2024.
- Avalie albuminúria: normal < 30 mg/g de creatinina urinária; estatutariamente, TFGe ≥ 60 mL/min/1,73 m² é considerado limiar de alerta, mas, em indivíduos jovens, valores < 75 mL/min/1,73 m² já sugerem comprometimento.
- Inibidores de SGLT2 na DRC
- Originalmente indicados para DM, os iSGLT2 (dapagliflozina, empagliflozina) demonstraram retardar a progressão da DRC em pacientes com ou sem diabetes, reduzindo mortalidade cardiovascular e renal.
- As diretrizes atuais recomendam seu uso em todos os pacientes com DRC estágio GFR ≥ 20 mL/min/1,73 m², em combinação ao bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona.
- Alguns estudos sinalizam possíveis benefícios no uso da Finerenona; fiquem atentos aos desfechos dos estudos em andamento.
- Evite AINEs em risco
- Anti-inflamatórios não esteroidais são nefrotóxicos e devem ser evitados em pacientes com TFGe < 60 mL/min/1,73 m² ou fatores de risco para lesão renal aguda (idosos, cardiopatas, risco de desidratação).
- Hematúria e leucocitúria não são sinônimos de infecção urinária
- Glomerulopatias (20% das causas de DRC terminal) podem manifestar-se com hematúria isolada; busque sempre a presença de proteinúria e, se necessário, encaminhe para avaliação mais detalhada.
- Contraste iodado em DRC estável
- O uso de contraste iodado em pacientes com DRC estável (TFGe ≥ 30 mL/min/1,73 m²) oferece baixo risco de nefropatia induzida por contraste; a contraindicação deve ser avaliada caso a caso, ponderando benefícios diagnósticos e riscos.
Conclusão
Em suma, a detecção precoce da DRC, alicerçada no cálculo de TFGe, na avaliação de albuminúria e no reconhecimento de fatores de risco – aliados ao uso direcionado de iSGLT2 e à moderação de agentes nefrotóxicos como AINEs – é fundamental para mudar o curso natural da doença; integrar esforços entre atenção primária, cardiologistas, endocrinologistas e nefrologistas não apenas amplia as chances de diagnóstico em estádios iniciais, mas também potencializa intervenções que preservam a função renal, melhoram a qualidade de vida e reduzem a morbimortalidade associada.
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