Nos últimos anos, a classificação HER-2low mudou a forma como tratamentos as pacientes com câncer de mama. Durante décadas, tumores HER-2negativos eram tratados de forma uniforme até que estudos como DESTINY-Breast-04 provaram que aqueles com HER2 +1 ou 2+ respondem a terapias anti-HER2, especialmente ao trastuzumabe deruxtecana (TDXd).
O problema é que praticamente todos os grandes estudos focaram em mulheres hormônio-positivas, que são a maioria do grupo HER2-low. Já as pacientes HR-negativas, especialmente aquelas com doença agressiva, múltiplas linhas prévias e metástases no SNC representam um desafio clínico, pois apresentam respostas mais baixas, sobrevida encurtada e menos opções eficazes na falha de quimioterapias convencionais.
Este artigo chinês busca preencher exatamente essa lacuna, de como o TDXd se comporta na realidade em mulheres HR-negativas e HER-2low, que sabidamente é um grupo raramente estudado e de pior prognóstico. Ele busca avaliar eficácia e toxicidade em um cenário mais próximo do consultório do que os ensaios clínicos controlados.

Metodologia
O estudo é uma coorte retrospectiva, multicêntrico, reunindo dados clínicos de quatro instituições chinesas entre maio de 2022 e maio de 2025. Os critérios de inclusão foram: mulheres com câncer de mama metastático confirmado, com HR-negativo/ HER2-low e pelo menos ter recebido uma dose de TDXd. As pacientes haviam recebido uma mediana de 3 linhas prévias, muitas delas usando taxanos, platina, capecitabina ou imunobiologico.
O tratamento seguiu a prática padrão: TDXd a cada 21 dias mantido até progressão, toxicidade ou escolha médica. A resposta foi analisada retrospectivamente por RECIST 1.1.
Os desfechos avaliados foram: Taxa de resposta objetiva (ORR); Controle da doença (DCR); Sobrevida livre de progressão na prática real (rwPFS); Sobrevida global (OS); Toxicidades segundo CTCAE 5.0.
Um ponto interessante foi a inclusão de painéis de NGS em 28 pacientes para buscar biomarcadores de resistência.
População envolvida
As 64 mulheres incluídas representam um retrato muito agressivo da doença:
- Idade mediana de 47 anos (mais jovens que a média internacional)
- 73% com metástases viscerais (quase metade com fígado comprometido)
- 17% com metástases cerebrais (um grupo normalmente excluído de ensaios)
- Duas em cada três estavam em terceira linha ou mais
- 15% já tinham usado um ADC antiTrop2 (sacituzumabe govitecano), um detalhe crucial para interpretação dos resultados
- Metade era HER2 +1 e metade HER2 +2, o que permitiu comparações úteis
Trata-se de uma coorte vida real, de difícil manejo, bem diferente das pacientes mais selecionadas do DESTINY-Breast-04.
Resultados
- Eficácia
Mesmo em um cenário tão adverso os números foram clinicamente relevantes:
- ORR 35,9%
- DCR 75?
- rwPFS 5,0 meses
- OS 14,9 meses
Esses resultados são menores que os do DESTINYBreast-04, mas devem ser lidos com cuidado: no DB04, as HR-negativas eram menos tratadas, tinham menos doença cerebral e não tinham passado por ADC prévio.
- Diferenças por intensidade de expressão HER2
Os dados reforçam um padrão que vem aparecendo em estudos menores: as pacientes HER2 +2 tiveram melhor rwPFS que as HER2 +1 (6,0 vs 3,9 meses; HR 0,54).
Essa diferença sugere que o nível de expressão pode influenciar diretamente na eficiência de internalização do ADC e entrega da quimioterapia.
- Doença cerebral
Pacientes com metástases cerebrais tiveram resultados claramente piores:
- rwPFS 3,6 meses
- OS 8,6 meses
Esse dado confirma a dificuldade de ação plena do TDXd no SNC, o que já havia sido observado em outras coortes.
- Uso prévio de sacituzumabe govitecano (SG)
Talvez o achado mais importante: Nenhuma das 10 pacientes previamente tratadas com SG alcançou resposta ao TDXd. A rwPFS caiu para 3,1 meses.
Isso alimenta a discussão sobre resistência cruzada entre ADCs, possivelmente pela semelhança dos payloads e mecanismos de internalização.
- Biomarcadores (NGS)
Os genes mais alterados foram TP53, PIK3CA, MYC e PTEN.
- Segurança
O perfil de toxicidade foi parecido com o dos ensaios clínicos: Náuseas 72%; fadiga 39:; neutropenia 31%; vômitos 26%; trombocitopenia 17%. As toxicidades grau 3 ou 4 ocorreram em 14% das pacientes principalmente neutropenia (9,4%); trombocitopenia (7,8%) e doença intersticial pulmonar (em 3 pacientes, sendo um caso grave).
Um ponto relevante é que mesmo com antiemese tripla, a náusea seguiu muito prevalente. O estudo cita os dados recentes do ERICA Trial, mostrando que a inclusão de olanzapina reduz a incidência de náusea tardia.
Mensagem prática
Este estudo responde a perguntas que enfrentamos frequentemente no consultório ao tratar pacientes com doença agressiva e poucas opções:
- OTDXdfunciona em HR-negativas e HER2-low?
Aparentemente sim. Mas devemos levar em conta que se trata de um estudo retrospectivo e com número pequeno de pacientes. Funciona mais como um levantador de hipóteses para estudos grandes do que uma resposta definitiva.
- HER2 +2 parece melhor que HER2 +1?
Neste estudo sim, com diferença expressiva de rwPFS. Isso reforça que embora HER2-low seja um grupo contínuo, existe um gradiente biológico relevante.
- Posso usarTDXddepois de sacituzumabe govitecano?
Provavelmente o benefício é menor. A ausência de respostas nesse subgrupo é um alerta. Isso pode influenciar a ordem de uso dos ADCs na prática clínica.
- Como manejar a náusea persistente?
Considere olanzapina como parte da profilaxia antiemética mesmo em pacientes já usando esquema tradicional
- E quanto a biomarcadores?
Nada definitivo ainda. Alterações em BRCA1 e MYC merecem investigação adicional, mas não são úteis para tomada de decisão hoje
- Que paciente se beneficia menos?
Metástases cerebrais, com pior prognóstico e quem teve exposição prévia a outros ADCs pode haver resistência cruzada e piorar o prognostico tambem.
Este estudo preenche uma lacuna importante na literatura ao mostrar que o trastuzumabe deruxtecana tem atividade significativa na realidade mesmo em um cenário de doença muito agressiva. A eficácia é mais modesta que nos ensaios clínicos, mas totalmente compatível com a complexidade da população.
Autoria

Gabriel Madeira Werberich
Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.
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