Os conflitos de interesse financeiros (FCOIs) envolvendo a indústria farmacêutica e os autores de diretrizes clínicas (“guidelines“) são uma preocupação universal porque podem enviesar de maneira expressiva as diretrizes de recomendações médicas, que geralmente são escritas por países de alta renda e poder aquisitivo, e podem causar um impacto negativo no cuidado ao paciente.
Em países de baixa e média renda, como o Nepal, onde os recursos financeiros e humanos são limitados e a dependência de diretrizes internacionais é alta, a falta de transparência sobre FCOIs pode levar à adoção de tratamentos caros ou desnecessários.
Além disso, o Nepal está desenvolvendo suas próprias diretrizes clínicas para câncer, tornando-se crucial entender como os médicos locais avaliam esses conflitos de interesse.
Este estudo é pioneiro ao investigar a conscientização sobre FCOIs entre oncologistas no Nepal – sabendo-se que os oncologistas, no geral, são um grupo vulnerável à influência da indústria devido ao alto custo dos tratamentos oncológicos.

Método do estudo
Estudo transversal realizado entre junho de 2020 e janeiro de 2021, através de um questionário online. Participaram 102 oncologistas de três sociedades médicas nepalesas que possuem profissionais relacionados ao cuidado oncológico, selecionados dentre 171 elegíveis. Variáveis analisadas: conscientização sobre FCOIs: os participantes responderam se consideravam os FCOIs ao seguir recomendações de CPGs; fatores associados: tipo de diretriz clínica utilizada (se internacional, nacional, local), local de formação médica (Nepal, exterior, ambos) e experiência na área de oncologia.
Estatísticas descritivas e teste de Fisher para identificar as associações entre variáveis foram analisados. E as limitações metodológicas foram os dados autorrelatados podem estar sujeitos a vieses de resposta e lembrança e o desenho transversal impede inferências causais, somente traçar hipóteses.
A maioria dos participantes era do sexo masculino (83%), entre 40-50 anos (45%) e trabalhando em hospitais públicos (66%). Quase metade se formou no Nepal (46%), enquanto outros estudaram no exterior (23%) ou em ambos os lugares (31%). Metade tinha menos de 10 anos de experiência no tratamento de pacientes oncológicos. Sobre as diretrizes que usam na prática diária: 63% seguiam recomendações internacionais, 26% usavam protocolos locais e apenas 10% seguiam diretrizes nacionais.
Resultados
Dois resultados principais se destacam no estudo que 63% dos médicos disseram considerar conflitos financeiros ao escolher os tratamentos, sendo que três fatores influenciaram essa consciência:
Tipo de diretriz: Quem usava recomendações nacionais (80%) ou internacionais (69%) considerava mais os conflitos do que quem seguia protocolos locais (44%). Onde estudaram: médicos formados no Nepal (77%) mostraram maior consciência do que os formados no exterior (61%).
Experiência: Profissionais com menos de 10 anos de prática (75%) consideravam mais os conflitos que os mais experientes. Nenhuma diferença significativa por gênero, idade ou tipo de instituição foi encontrada.
Mensagem prática
A maior conscientização entre médicos formados no Nepal sugere que o currículo local pode estar abordando ética de forma eficaz. Isso deve ser expandido, com ênfase em FCOIs durante a residência e educação continuada. Outro ponto é sobre a transparência. Como a maioria usa diretrizes internacionais, é essencial exigir divulgação clara de FCOIs por parte de organizações internacionais, como a sociedade americana de oncologia clínica. Para a formulação de diretrizes locais, o Nepal deve adotar mecanismos rigorosos de auditoria.
Envolver profissionais juniores também é uma possibilidade interessante de atuação, visto que a maior conscientização entre oncologistas menos experientes indica que intervenções educativas devem focar em veteranos, que podem estar mais habituados a práticas tradicionais de incentivos financeiros promovidos pela indústria farmacêutica.
Por fim, a confiança em diretrizes nacionais (80% de consideração de FCOIs) reforça a necessidade de investir em diretrizes contextualizadas locais, livres de viés comercial.
Autoria

Gabriel Madeira Werberich
Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.
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