A terapia com imunoterápicos mudou profundamente a oncologia, mas ainda depende quase sempre de infusões intravenosas longas com necessidade de cadeira de quimioterapia, equipe treinada, agendamento rígido e, em muitos casos, acesso venoso de longa permanência. Para o paciente, isso significa horas no hospital, deslocamentos frequentes e impactos diretos na rotina e na qualidade de vida. Para o sistema de saúde, significa alto uso de recursos e para o oncologista significa dificuldade de ampliar o uso desses medicamentos em contextos de alto volume e estrutura limitada.
O desenvolvimento de uma formulação subcutânea de nivolumabe representa mais do que uma comodidade, ele abre a possibilidade de transformar a logística da imunoterapia. Se for realmente equivalente em segurança e farmacocinética ao intravenoso, o impacto pode ser comparável ao que houve com rituximabe e trastuzumabe quando migraram para a via subcutânea: menos tempo de sala, menos complexidade, menos risco de infecções relacionadas a cateter e, não menos importante, um modo de administração muito mais alinhado às preferências dos pacientes.
O estudo CheckMate 8KX vem justamente preencher a lacuna que faltava, que é caracterizar como o nivolumabe se comporta quando administrado por via subcutânea com ou sem uso de hialuronidase recombinante (rHuPH20) e verificar se essa estratégia é segura, tolerável e capaz de gerar os efeitos esperados de ativação imune.

Metodologia
O estudo é uma fase I/II multicêntrico, aberto, desenhado para responder principalmente a questões farmacocinéticas, que é o apropriado para uma formulação nova de um imunoterápico já consolidado. Foram avaliadas quatro partes do estudo (A, B, C e D) com esquemas que incluíam dose única subcutânea de 720 mg ou 960 mg, com ou sem rHuPH20, seguida de retorno ao nivolumabe intravenoso de 480 mg a cada quatro semanas. Em outra etapa, pacientes foram convertidos para uma dose fixa subcutânea de 1200 mg a cada quatro semanas.
A hialuronidase é um elemento relevante aqui porque permite injeção de grande volume no subcutâneo com menor resistência tecidual. Isso explica inclusive o tempo extremamente curto de aplicação visto no estudo (menos de cinco minutos para todas as formulações testadas).
Foram coletadas amostras seriadas para modelagem farmacocinética e imunogenicidade, além de biópsias em alguns participantes para avaliar biomarcadores de resposta, como infiltração de linfócitos CD8 e expressão de PDL1.
A segurança foi avaliada continuamente com CTCAE v5.0, incluindo atenção especial a reações locais no sítio de injeção. Por fim, os pacientes responderam a um questionário de preferência e experiência, ponto exploratório essencial quando se testa uma via de administração que compete diretamente com a intravenosa.
População envolvida
Os 103 pacientes tratados representam um perfil heterogêneo de tumores sólidos avançado, todas virgens de imunoterapia, incluindo melanoma, carcinoma renal, hepatocarcinoma, câncer colorretal MSI-H/dMMR e câncer de pulmão não-pequenas células. Há uma distribuição equilibrada de idade, peso, sexo e número de linhas prévias de tratamento.
Interessante notar que o estudo incorporou pacientes com tumores claramente sensíveis ao anti-PD-1, o que permite inferir eventual impacto dos biomarcadores no padrão esperado de resposta. A maioria tinha ECOG 0 ou 1, que é padrão para estudos de fase precoce, mas também permite maior segurança na interpretação dos eventos adversos.
Mesmo sem pretensão de avaliar eficácia anti-tumoral, essa diversidade de tumores ajudou a mostrar que o comportamento farmacodinâmico do nivolumabe subcutâneo é consistente entre diferentes tipos de câncer, refletido nas curvas de s-PD1, IFN-gama e CXCL9.
Resultados
Os dados farmacocinéticos mostram a espinha dorsal do estudo: a via subcutânea atinge níveis séricos dentro da faixa esperada para exposição terapêutica. O tempo médio para pico de concentração foi de cinco a sete dias, padrão de absorção subcutânea já conhecido em outros anticorpos monoclonais e absolutamente compatível com resposta clínica. As concentrações médias (Cavg e Ctau) aumentaram de forma proporcional à dose.
Na prática isso indica que a formulação subcutânea consegue entregar o fármaco de modo estável e previsível, sem quedas abruptas ou variabilidade preocupante. Além disso, o fato de a bioatividade em biomarcadores refletir o padrão de ativação imune, já visto com a infusão intravenosa (aumento de CD8, TILs, elevação de PDL1, incremento de IFN-gama e CXCL9) reforça que não houve perda funcional.
Quanto à segurança, o estudo é tranquilizador. As reações locais no sítio de injeção ocorreram, mas foram leves e transitórias. Em nenhuma das partes do estudo apareceram toxicidades inesperadas atribuíveis à via subcutânea. Os eventos adversos grau 3/4 relacionados ao tratamento foram raros, e na maior parte das vezes, compatíveis com o que se espera de nivolumabe intravenoso. Nenhum caso de anticorpo neutralizante foi detectado, o que reduz a preocupação com imunogenicidade a longo prazo.
Uma parte que merece destaque é a percepção dos pacientes. A maioria preferiu a via subcutânea ou relatou não ter preferência. A avaliação de dor e desconforto obteve médias baixíssimas (1 a 1,5 numa escala de 0 a 10) e mais de 90% dos respondentes não se incomodaram com o tempo de administração. Isso não é um detalhe: quando falamos de terapias crônicas, administradas por meses ou anos, as preferências do paciente influenciam adesão, qualidade de vida e até permanência no tratamento.
Mensagem prática
O CheckMate 8KX traz uma mensagem muito clara para a prática clínica: o nivolumabe subcutâneo parece capaz de oferecer exposição adequada, segurança consistente e experiência superior para os pacientes, sem comprometer os sinais iniciais de ativação imune. Ainda não é um estudo comparativo direto com a via intravenosa, e tampouco avalia eficácia clínica detalhada, como resposta tumoral e sobrevida, mas cumpre muito bem seu papel como estudo de fase inicial para estabelecer dose, segurança e racionalidade biológica.
Para o oncologista, isso significa que estamos caminhando para um futuro no qual imunoterapias poderão ser administradas em minutos, em ambientes ambulatoriais simplificados, com menos dependência de poltronas de infusão e potencial redução de custos sistêmicos. Para o paciente, significa menos tempo hospitalar, menor necessidade de cateter venoso e uma abordagem mais leve da jornada oncológica.
O estudo serve de base para ensaios maiores, como o CheckMate 67T, que devem consolidar a equivalência clínica da formulação. Caso isso se confirme, a adoção rotineira de nivolumabe subcutâneo tende a seguir o mesmo caminho de rituximabe e trastuzumabe, tornando-se rapidamente o modo preferencial de administração.
Em síntese, o CheckMate 8KX mostra que a versão subcutânea do nivolumabe não é apenas conveniente, ela é farmacologicamente sólida, segura e bem aceita pelos pacientes. É um passo importante rumo a uma oncologia mais ágil, menos burocrática e mais humana.
Autoria

Gabriel Madeira Werberich
Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.
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