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Oncologia24 dezembro 2025

Capecitabina em dose fixa e ciclo curto tem boa eficácia no câncer de mama?

Esquema 7/7 com capecitabina em dose fixa mantém eficácia e reduz toxicidade no câncer de mama metastático

A capecitabina é uma velha conhecida da oncologia. Desde o final dos anos 1990, o comprimido que se transforma em 5-fluorouracil no fígado tem sido um dos pilares no tratamento do câncer de mama metastático, principalmente após falha de taxanos ou antraciclinas. Seu principal atrativo é ser uma quimioterapia oral eficaz e relativamente bem tolerada, permitindo que muitas mulheres mantenham boa qualidade de vida e sigam suas atividades cotidianas. 

No entanto o esquema aprovado pela FDA de 1250 mg/m2, duas vezes ao dia por 14 dias seguidos com 7 de descanso, é na prática de difícil tolerância. Quem acompanha essas pacientes sabe que não é raro após o quarto ou quinto ciclo que elas cheguem com as mãos já com algum grau de síndrome mão-pé (especialmente aquelas que não seguem as orientações de prevenção), diarreia, mucosite e fadiga incapacitante. Estudos mostram que até 40% precisam de redução de dose e 16% descontinuam o tratamento por toxicidade. 

O novo estudo X-7/7 liderado por Qamar Khan e colegas da Universidade do Kansas e publicado em 2025 no JCO Oncology Advances partiu de um raciocínio simples: e se em vez de 14 dias seguidos de comprimido, o tratamento fosse feito por apenas sete dias seguidos de sete dias de descanso e usando uma dose fixa 1500 mg independentemente da superfície corporal? A proposta se apoia em modelos matemáticos de Norton-Simon que mostram que o efeito máximo da capecitabina ocorre em torno do sétimo dia e prolongar o uso além disso aumenta apenas a toxicidade sem ganho de eficácia. 

capecitabina no câncer de mama

Metodologia 

O X-7/7 foi um ensaio clínico randomizado aberto e multicêntrico que comparou dois esquemas de capecitabina: 

  • Dose fixa (FD-7/7): 1500 mg VO duas vezes ao dia por 7 dias com 7 dias de descanso 
  • Padrão (SD-14/7): 1250 mg/m2 VO duas vezes ao dia por 14 dias com 7 dias de descanso, podendo reduzir para 1000 mg/m2 a critério médico 

Foram incluídas mulheres com câncer de mama metastático de qualquer subtipo, independentemente do número de linhas anteriores de tratamento. Pacientes com doença HER-2 positiva recebiam também trastuzumabe. O desempenho clínico precisava ser de até ECOG-PS 2 e a função renal preservada. 

O desfecho primário foi a sobrevida livre de progressão (SLP) aos 3 meses e os secundários incluíram sobrevida global (SG), taxa de resposta objetiva e toxicidades. A análise estatística foi feita com curva de Kaplan-Meier e modelo de tempo de sobrevivência restrita (RMST), que é um método adequado quando há cruzamento das curvas de SLP.  

Entre outubro de 2015 e abril de 2021, 153 pacientes foram incluídas: 80 no grupo FD e 73 no SD.  

População envolvida 

A idade mediana foi de 60 anos (35-87). Todas as pacientes eram mulheres majoritariamente brancas (85%). 

  • 78% tinham tumores HR+/HER2 negativo 
  • 11% HER2 positivo 
  • 11% triplo negativo 

Mais da metade (65%) nunca havia recebido quimioterapia prévia para a doença metastática, embora 59% das HR+/HER2 negativo já tivessem usado um inibidor de CDK4/6. 

Metástases viscerais estavam presentes em 44% dos casos 

A distribuição dos subtipos e do histórico terapêutico foi equilibrada entre os braços, o que reforça a validade da comparação. 

Resultados 

  • Eficácia 

O estudo não encontrou diferença significativa em eficácia entre as duas abordagens. A SLP mediana foi de 5,6 meses no grupo FD e 6,7 meses no SD. A SG mediana foi de 20,9 meses versus 18,1 meses respectivamente. Esses números são equivalentes aos relatados historicamente com o esquema tradicional, mostrando que reduzir o tempo de uso e adotar dose fixa não compromete o controle da doença. 

O acompanhamento mais longo (até 80 meses) mostrou tendência discreta de melhor sobrevida no braço de dose fixa (30,6 vs 24,5 meses de sobrevida média) embora sem significância estatística. 

A taxa de resposta objetiva entre pacientes com doença mensurável foi 8,9% no braço FD e 19,6% no padrão, mas sem significância estatística, refletindo, portanto, o caráter estável da doença na maioria dos casos 

  • Toxicidade 

Aqui está o ponto central do estudo e onde a diferença foi significativa: 

  • Toxicidades grau 2-4 ocorreram em 79,5% das pacientes no esquema padrão e em apenas 37,5% na dose fixa (p< 0,0001). 
  • Diarreia moderada a grave: 37% vs 7,5%  
  • Síndrome mão-pé: 49% vs 12% 
  • Mucosite: 14% vs 2,5 
  • Neutropenia grau 2 foi semelhante: 27% vs 22%, mostrando que o perfil hematológico não se altera 

Além disso, a taxa de descontinuação por toxicidade foi quatro vezes menor no braço FD (8,8% contra 32,9%; p< 0,0002). A necessidade de redução de dose também caiu pela metade: 7,5% vs 23,3%. 

Esses números não são apenas estatisticamente significativos, são clinicamente relevantes. No dia a dia significam menos idas ao pronto-socorro por diarreia, menos pacientes com fissuras dolorosas nas mãos, menos interrupções do tratamento e, portanto, maior tempo de uso contínuo da droga. 

  • Subgrupos 

Os resultados foram consistentes entre todos os subtipos. Nenhum grupo perdeu eficácia com o novo esquema. Pacientes que haviam usado inibidor de CDK4/6 antes tiveram SLP um pouco menor, o que reflete o comportamento natural da doença mais resistente e não o regime de capecitabina em si. 

Conclusão e mensagem prática 

O estudo X-7/7 traz uma mensagem clara: menos pode ser melhor quando o objetivo é equilibrar eficácia e tolerância, ainda mais no cenário de pacientes em tratamento paliativo, onde o conforto e qualidade de vida são prioridade. 

  • Esquema 7/7 é uma alternativa real e segura 

A dose fixa de 1500 mg duas vezes ao dia por 7 dias com pausa de 7 dias mostrou eficácia equivalente e toxicidade muito menor do que o regime padrão 14/7. É um ajuste simples que não depende de cálculos de superfície corporal, o que facilita a prescrição e evita erros de dose. 

  • A adesão melhora naturalmente 

O intervalo semanal permite que a paciente tenha previsibilidade e descanso. Em termos práticos, as pacientes toleram melhor, mantêm a medicação por mais tempo e têm menos consultas de urgência 

  • Importância para o contexto ambulatorial 

Em centros oncológicos com grande volume de pacientes, esquemas menos tóxicos reduzem a necessidade de suporte e hospitalização. Isso impacta diretamente custos e logística. 

  • Validade clínica para todos os subtipos 

O benefício se manteve em todos os subtipos. Para pacientes que já estão em fases mais avançadas ou com múltiplas linhas de tratamento, isso significa mais tempo com controle da doença e menos efeitos adversos. 

  • Comparativo com a prática habitual 

Muitos oncologistas já usam empiricamente doses menores de capecitabina por experiência com toxicidade (como vemos na nossa prática diária o uso da dose de 1000mg/m2 do que a dose de 1250mg/m2). O X-7/7 valida essa prática, oferecendo evidência de um estudo randomizado de que reduzir a exposição não reduz a eficácia. 

O X-7/7 Trial representa um avanço importante na racionalização da quimioterapia oral no câncer de mama metastático. Ele desafia o paradigma tradicional de quanto mais melhor e mostra que a dose fixa semanal alternada pode ser o novo padrão de conforto e segurança sem sacrificar o controle tumoral. 

Na prática clínica, para uma paciente com doença estável, bom desempenho e histórico de toxicidade com o esquema 14/7, o regime 1500 mg, duas vezes ao dia, sete dias on e sete dias off, surge como uma escolha baseada em evidência mais amigável e sustentável. 

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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