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Oftalmologia24 outubro 2025

Modificação estética da cor da íris: uma visão crítica dos impactos

Alterar a cor dos olhos por estética envolve riscos graves à visão. Entenda as complicações e evidências médicas.
Por Alléxya Affonso

Nas últimas duas décadas, houve um aumento significativo na busca por procedimentos que promovem a mudança da cor dos olhos. Embora não sejam totalmente novos na prática oftalmológica, esses procedimentos eram, até então, restritos a finalidades médicas ou terapêuticas — como, por exemplo, disfarçar olhos desfigurados por doenças congênitas ou traumas.  

Atualmente, esses procedimentos passaram a ser procurados também por motivos estritamente estéticos. Apesar dos resultados frequentemente questionáveis e dos riscos significativos à saúde, a busca por um método ideal para a alteração da cor dos olhos persiste.  

Nesse sentido, foi realizada uma busca bibliográfica utilizando o PubMed, o Google Acadêmico e diversas fontes da internet. Esse artigo apresenta uma visão histórica dos principais esforços voltados à mudança estética da cor dos olhos, além de discutir os potenciais riscos e complicações associados a essas abordagens. 

Veja também: Colírio à base de aceclidina é aprovado nos EUA

modificação estética da cor da íris

Métodos 

A busca foi empregada envolvendo combinações de uma ou mais das seguintes palavras-chave: “cor dos olhos”, “mudança”, “alteração”, “métodos”, “efeitos adversos”, “riscos”, “complicações”, “colírio”, “cirurgia”, “laser”, “tatuagem”, “ceratopigmentação” e “pigmento”. Além disso, quaisquer resultados relevantes contendo nomes de marcas, empresas e indivíduos foram utilizados para realizar buscas adicionais na internet. 

Resultados 

Colírios 

Durante a Segunda Guerra Mundial, sob ordens do governo nazista, o Instituto Kaiser Wilhelm (KWI), em Berlim, conduziu pesquisas sobre a fenogenética da cor dos olhos. O “Projeto Cor dos Olhos”, liderado por Karin Magnussen com apoio de Josef Mengele no campo de Auschwitz-Birkenau, envolveu a administração de colírio de adrenalina em detentos, especialmente crianças, com o objetivo de induzir mudanças na coloração da íris.  

Os resultados demonstraram que a adrenalina não altera diretamente a cor da íris. A percepção de escurecimento ocular observada deveu-se à midríase induzida pela ação simpaticomimética da substância. No período pós-guerra, observou-se que o uso crônico de adrenalina como terapia antiglaucomatosa pode causar hiperpigmentação conjuntival e, raramente, corneana — mas não há evidência de que afete a pigmentação da íris. 

Além da ineficácia quanto à alteração da cor dos olhos, os efeitos sistêmicos adversos da adrenalina, como hipertensão grave, representaram riscos consideráveis à saúde. Tentativas posteriores de publicação dos resultados foram rejeitadas, em razão da origem antiética dos dados experimentais. 

Os análogos de prostaglandina, como latanoprosta, travoprosta, bimatoprosta e unoprostona, são amplamente utilizados no tratamento do glaucoma como agentes hipotensores oculares. Um efeito adverso conhecido desses fármacos é o escurecimento gradual da íris, associado ao aumento da densidade de grânulos de melanina na borda anterior e no estroma da íris, além de espessamento da borda iriana. Até o momento, não há formulações comercializadas com finalidade estética para alteração da cor dos olhos com base em prostaglandinas. 

Esse efeito é mais evidente em indivíduos com olhos claros, embora também possa ocorrer em olhos castanhos, sendo mais prevalente em pacientes idosos e em determinados grupos étnicos — por exemplo, populações japonesas apresentam taxas de hiperpigmentação de até 50%.  

Colírios comercializados com a alegação de clarear a cor dos olhos, como iColourIris Ink e Crystal Drops, têm sido disponibilizados principalmente por meio de plataformas online. Esses produtos, que incluem até formulações em bálsamo periorbital, contêm como principal ativo a N-acetilglucosamina, um inibidor da melanogênese, cuja eficácia já foi demonstrada no tratamento de hiperpigmentações cutâneas, embora não haja evidência científica de que atue sobre os melanócitos da íris. 

Do ponto de vista fisiopatológico, seu uso pode desencadear reações inflamatórias ou alérgicas no segmento anterior do olho. Há ainda uma preocupação teórica com possíveis efeitos tóxicos sobre o epitélio pigmentar da retina, cuja integridade é essencial para funções visuais críticas como a absorção de luz, a manutenção da barreira hematorretiniana e o metabolismo da vitamina A. 

Até o momento, não existem estudos clínicos publicados que comprovem a eficácia ou a segurança ocular desses colírios. Ademais, tais produtos não possuem aprovação da Food and Drug Administration (FDA) — agência reguladora de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos — nem da Conformité Européenne (CE), certificação exigida para comercialização de produtos médicos e de saúde na União Europeia. A ausência dessas aprovações levanta preocupações quanto à composição, à segurança e à possibilidade de contaminação microbiológica dos frascos. 

Implantes de íris 

Os implantes de íris artificial foram inicialmente desenvolvidos para reconstrução ocular em casos de aniridia, trauma ou outras condições que comprometessem parcial ou totalmente a íris, visando restaurar tanto a função visual quanto a estética ocular.  

Em 2006, foi patenteado o NewColorIris, implante estético de silicone projetado para ser inserido na câmara anterior, com abas que se fixam no recesso angular. Embora amplamente divulgado em campanhas online e vídeos promocionais, o implante nunca recebeu aprovação da FDA a certificação da CE 

Relatos clínicos subsequentes descreveram complicações graves, incluindo perda de células endoteliais com descompensação corneana, uveíte e glaucoma secundáriofrequentemente exigindo a remoção do implante e, em alguns casos, resultando em cegueira irreversível. O NewColorIris foi retirado do mercado e substituído, em 2012, pelo BrightOcular, também sem aprovação da FDA ou marcação CE. 

O BrightOcular foi desenvolvido com material inerte e aberturas que visam minimizar o contato com a íris e facilitar o fluxo do humor aquoso. Embora promovido como mais seguro, relatos na literatura médica continuam a documentar complicações similarescom necessidade de explantação. Atualmente, o procedimento permanece disponível em alguns países, como Índia, Turquia e Colômbia, apesar da ausência de respaldo das principais agências reguladoras. 

Despigmentação a laser 

Em 2011, foi amplamente divulgada a possibilidade de conversão da cor castanha dos olhos para azul por meio de laser, embora tal afirmação não tenha sido corroborada por evidência científica na época.  

Cerca de uma década depois, estudos passaram a apontar o laser Q-switched Nd:YAG em frequência dupla (532 nm) como a técnica mais promissora para a despigmentação cosmética da íris, embora os dados ainda sejam preliminares e falta validação por estudos independentes (pesquisas feitas por cientistas ou instituições que não têm ligação com os criadores, promotores ou fabricantes da técnica ou produto em questão) 

A tecnologia consiste na fotoablação da melanina do estroma anterior da íris, com liberação de micropartículas pigmentares. Empresas privadas, como Yeux ClairsNewEyes e Stroma, sediadas em países da América do Sul e Europa, têm oferecido tais procedimentos com lasers de diferentes especificações técnicas. No entanto, nenhuma dessas abordagens conta com aprovação do FDA e CE. 

Do ponto de vista clínico, complicações relevantes já foram descritas na literatura, como uveíte anterior e, principalmente, glaucoma pigmentar, frequentemente associado à necessidade de cirurgia e com risco de lesões permanentes no campo visual bilateral 

Ceratopigmentação 

A ceratopigmentação, também denominada tatuagem corneana, representa uma das mais antigas técnicas conhecidas para modificação da coloração ocular, com registros históricos que remontam a aproximadamente dois milênios.  

O desenvolvimento da técnica moderna iniciou-se em 1869, quando o cirurgião oculoplástico francês Louis Von Wecker introduziu o uso de tinta da China aplicada à córnea, seguida por perfuração com uma agulha ranhurada, marcando o início da ceratopigmentação contemporânea. Desde então, a técnica evoluiu e passou a ser empregada não apenas para fins terapêuticos — como atenuar fotofobia e ofuscamento em pacientes com aniridia, albinismo ou defeitos da íris, mas também, mais recentemente, com finalidade estética em olhos saudáveis.  

As técnicas de ceratopigmentação podem ser classificadas em superficiais e intraestromais. Nos métodos superficiais, pigmentos são inseridos nas camadas mais externas da córnea por meio de micropunções com agulhas, de forma manual ou automatizada, utilizando dispositivos específicos. Entretanto, tais abordagens estão associadas a diversas complicações, incluindo heterogeneidade na distribuição do pigmento, desbotamento da coloração, perfuração corneana, uveíte e erosões recorrentes.  

Com os avanços tecnológicos, surgiram técnicas intraestromais mais seguras e precisas. O método mais sofisticado atualmente descrito consiste na criação de uma bolsa intraestromal circular por meio de laser de femtossegundo. A introdução do pigmento é realizada através de uma abertura superior na bolsa estromal. Em contextos em que o laser de femtossegundo não está disponível, a bolsa pode ser confeccionada manualmente, a partir do limbo. 

As complicações potenciais da ceratopigmentação intraestromal incluem perfuração corneana (menos frequente com o uso do laser), infecção bacteriana, neovascularização, reações alérgicas ou tóxicas ao pigmento, migração ou alteração do pigmento, e possíveis distúrbios funcionais, como limitação do campo visual, fotofobia e interferências em exames de imagem por ressonância magnética. No entanto, essas complicações têm se mostrado menos prevalentes com o uso de pigmentos minerais micronizados de terceira geração (por exemplo, Biochromaeyes®) que são certificados pela CE.  

Discussão 

A busca por procedimentos para alteração da cor dos olhos com finalidades cosméticas tem se intensificado nas últimas décadas, impulsionada por fatores multifatoriais que envolvem identidade pessoal, autoestima e preferências estéticas. Dentre os fatores motivacionais, destacam-se influências culturais, sociais e midiáticas, incluindo a exposição em redes sociais e o papel de influenciadores digitais.  

O crescente interesse por esses procedimentos tem estimulado o avanço de tecnologias associadas à modificação da cor dos olhos, contribuindo não apenas para o refinamento das técnicas estéticas, mas também para o desenvolvimento de abordagens terapêuticas aplicáveis a patologias oculares.  

Entre os métodos disponíveis, destacam-se as técnicas cirúrgicas penetrantes, como implantes de íris e ceratopigmentação intraestromal, além do uso experimental de colírios. No entanto, os colírios atualmente em uso não demonstraram eficácia comprovada e apresentam potencial de toxicidade ocular, não sendo recomendados para uso rotineiro. 

Do ponto de vista da segurança, intervenções que envolvem alteração permanente da anatomia ocular apresentam riscos que devem ser cuidadosamente avaliados. Entre as possíveis complicações estão infecção, inflamação intraocular, descompensação endotelial, perfuração da córnea, migração do pigmento, neovascularização e alterações visuais, incluindo fotofobia e redução do campo visual.  

Além disso, uma preocupação adicional em procedimentos pigmentares é a possibilidade de que lesões oculares, como neoplasias da íris ou doenças corneanas, sejam mascaradas por camadas pigmentares artificiais, retardando o diagnóstico precoce e comprometendo o prognóstico clínico. 

Outro aspecto relevante diz respeito ao perfil demográfico dos pacientes. Dados de séries clínicas revelam que a maioria dos indivíduos submetidos a procedimentos eletivos de modificação da cor dos olhos apresenta idade média entre 33 e 34 anos. Considerando o potencial desenvolvimento de condições oftalmológicas relacionadas à idade, como catarata, é possível que intervenções prévias comprometam o planejamento e a segurança de futuras cirurgias intraoculares. 

Adicionalmente, como muitas das tecnologias e materiais utilizados nesses procedimentos são recentes, os efeitos adversos em longo prazo ainda não são plenamente conhecidos. A ausência de estudos de coorte com acompanhamento prolongado limita a compreensão da estabilidade dos pigmentos, da biocompatibilidade dos implantes e das implicações funcionais tardias. 

Nesse contexto, a indicação desses procedimentos exige avaliação rigorosa, considerando-se os riscos individuais, a natureza irreversível de algumas técnicas e a necessidade de acompanhamento oftalmológico contínuo. 

Mensagem prática 

A alteração permanente da cor dos olhos em olhos saudáveis, por meio de técnicas como ceratopigmentação ou implantes de íris, requer avaliação criteriosa devido aos riscos associados. Complicações descritas incluem inflamação intraocular, migração ou toxicidade do pigmento, dificuldade no diagnóstico de patologias oculares subjacentes e aumento da complexidade em cirurgias oftalmológicas futuras, como a de catarata.  

Além disso, os efeitos adversos a longo prazo permanecem pouco conhecidos, dada a relativa novidade de muitos materiais e técnicas. Frente à literatura médica atual, tais procedimentos não são recomendados em contextos puramente estéticos, devido ao elevado risco de complicações. 

Autoria

Foto de Alléxya Affonso

Alléxya Affonso

Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina Souza Marques (RJ) ⦁ Título de especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) ⦁ PhD em Oftalmologia e Ciências Visuais pelo programa de Doutorado da UNIFESP/EPM ⦁ Membro Titular da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV) ⦁ ​Especialista em Retina Clínica, Uveítes e Oncologia Ocular pela UNIFESP/EPM.

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Referências bibliográficas

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