Logotipo Afya
Anúncio
Oftalmologia7 agosto 2025

Intervenções cirúrgicas para a presbiopia

Revisão aponta baixa evidência sobre cirurgias para presbiopia em pacientes sem catarata ou pseudofácicos. São necessários mais ECRs.

A capacidade de o olho humano focar imagens nítidas em diferentes distâncias ao modificar seu poder refrativo é conhecida como acomodação. A teoria mais aceita para esse fenômeno é a teoria de Helmholtz que descreve o processo de contração da musculatura ciliar com consequente redução da tensão zonular e redução do diâmetro do cristalino que se torna mais espesso e com maior poder refrativo.  

Esse processo ocorre simultaneamente à miose e à convergência ocular e compõem a tríade acomodativa que permite que o olho enxergue nitidamente objetos a distâncias curtas (40cm do olho) e intermediárias (de 63 a 80cm do olho).  

A presbiopia é uma condição refrativa relacionada à idade, na qual ocorre redução fisiológica desse processo acomodativo e leva a redução progressiva da capacidade visual para perto. Esse processo inicia-se por volta dos 40 e 45 anos de idade e estima-se uma prevalência global de dois bilhões de pessoas. A presbiopia não corrigida é uma das principais causas de incapacidade com ônus significativo em populações menos abastadas gerando impacto significativo na qualidade de vida relacionada à visão.  

É importante diferenciar a presbiopia fácica que é aquela que ocorre em indivíduos que ainda possuem o cristalino natural em detrimento da presbiopia pseudofácica que ocorre nos pacientes cujo cristalino foi cirurgicamente substituído por uma lente intraocular (LIO) monofocal para longe com consequente perda completa da acomodação.  

A correção da presbiopia pseudofácica costuma imprimir maiores desafios em relação à presbiopia fácica na medida em que a cirurgia prévia pode ter gerado cicatrizes e irregularidades corneanas que podem interferir nos resultados de futuras cirurgias refrativas. Além disso, os pacientes presbitas pseudofácicos tendem a ser mais velhos e possuir outras comorbidades oftalmológicas como olho seco.  

A presbiopia pode ser corrigida de forma cirúrgica ou não-cirúrgica. A forma não-cirúrgica envolve a prescrição de óculos ou lentes de contato monofocais, bifocais ou multifocais.  

Contudo, existem algumas limitações no que tange os óculos bifocais que geram “salto de imagem” e aumentam o risco de queda em idosos. Além disso, as lentes de contato exigem cuidados rigorosos para prevenir infecções oculares. Essas limitações somadas às crescentes demandas visuais têm impulsionado o desenvolvimento de opções cirúrgicas para a correção da presbiopia.  

 

Existem três formas de abordagens diferentes de correção cirúrgica da presbiopia: 

1 – Procedimentos corneanos: 

  • Cirurgias refrativas à laser (promovem remodelamento corneano): 
  • Ceratectomia Fotorrefrativa (PRK); 
  • Ceratomileusis In Situ Assistida por Laser (LASIK); 
  • Ceratomileusis In Situ Assistida por Laser de Femtosegundo (FS-LASIK); 
  • Extração de Lentícula por Pequena Incisão (SMILE). 
  • Implantes (Inlays) intracorneanos: dispositivos implantados no estroma corneano reversíveis, mas que podem cursar com opacidade corneana;  
  • Ceratoplastia Condutiva (CK): remodelamento corneano via radiofrequência. Possui alta taxa de regressão. 

2 – Procedimentos intraoculares: 

  • Cirurgia de Troca de Cristalino com Finalidade Refrativa (TCR – facorefrativa): 
  • Difere da cirurgia de catarata convencional por ser realizada em pacientes mais jovens, sem catarata e que buscam independência dos óculos; 
  • Podem ser utilizadas LIOs monofocais, multifocais (bifocais, trifocais), de profundidade de foco estendida (EDOF), de pequena abertura e acomodativas; 
  • O principal risco associado a esses procedimentos é o descolamento de retina relatado em até 8,1% dos pacientes míopes.  
  • LIOs fácicas: implantadas entre a íris e o cristalino (sem a remoção do cristalino): 
  • Podem ser de dois tipos: Lente de colâmero implantável de foco estendido (ICL EDOF) e lente fácica de câmara posterior implantável (IPCL). 

3 – Procedimentos esclerais: 

  • Dois tipos de cirurgias esclerais foram descritos: 
  • Cirurgia de expansão escleral: implantes inseridos na esclera; 
  • Micro-excisões esclerais à laser: esclerotomias radiais. 
  • Procedimentos em desuso devido à complexidade, variabilidade dos resultados e risco de isquemia do segmento anterior e infecções.  

Em relação às possíveis estratégias ópticas disponíveis, destacam-se as seguintes estratégias: 

1 – Monovisão: 

  • Consiste na correção do olho dominante para longe e do olho não-dominante para perto. O cérebro precisa suprimir a imagem mais borrada para obter o efeito desejado; 
  • Pode ser obtida com as cirurgias à laser, inlays corneanos, CK e LIOs monofocais; 
  • Apresenta taxa de satisfação de até 92,5% em presbitas leves a moderados; 
  • Oferece comprometimento da visão intermediária e escotópica, da estereopsia e da sensibilidade ao contraste. A ausência de supressão cerebral da imagem turva pode gerar uma imagem fantasma. 

2 – Pequena abertura: 

  • Aumenta a profundidade de foco no olho não-dominante (efeito “pinhole”). 

3 – Multifocalidade: 

  • Pode ser obtida via ablação corneana multifocal ou com LIOs multifocais (bifocais, trifocais); 
  • Compensam as desvantagens da monovisão aos oferecer foco em múltiplas distâncias, porém podem gerar ofuscamento (glare), halos e redução da sensibilidade ao contraste. 

4 – LIOs EDOF (Profundidade de foco estendido): 

  • Criam faixa de foco contínua (em detrimento de pontos focais distindos). Diminui os efeitos colaterais das LIOs multifocais; 

5 – LIOs acomodativas: 

  • São lentes que se movem de acordo com a contração do músculo ciliar para simular a acomodação fisiológica; 
  • Apresentam amplitude de acomodação limitada e alta taxa de opacificação da cápsula posterior.  

 

Dada a inevitabilidade da presbiopia e seus impactos negativos na qualidade de vida, é necessário avaliar as diferentes modalidades de correção cirúrgica da presbiopia. Nesse sentido, a revisão aborda duas populações diferentes que carecem de evidências de alta qualidade: 

  • Pacientes fácicos com cristalino transparente, mas disfuncional  
  • Pacientes pseudofácicos com LIOs monofocais que desejam otimizar a visão de perto/intermediária.  

Os resultados cirúrgicos em pacientes com catarata não podem ser aplicados para esses grupos, pois os objetivos e as expectativas dos pacientes são diferentes.  

Dessa forma, fora confeccionada uma revisão sistemática publicada em 2025 pela Cochrane Database of Systematic reviews que avaliou a eficácia e a segurança das intervenções cirúrgicas para presbiopia em pacientes fácicos ou pseudofácicos (excluindo-se aqueles submetidos primariamente à cirurgia de catarata). Como objetivo secundário, a revisão analisou os custos das diferentes cirurgias.  

 

presbiopia

MÉTODOS 

Fora confeccionada uma revisão sistemática seguindo as diretrizes MECIR (Methodological Expectations of Cochrane Intervention Reviews) e PRISMA 2000 (Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses).  

Critérios de Inclusão 

Foram incluídos ensaios clínicos randomizados (ECRs) com seguimento mínimo de três meses cujos participantes eram présbitas (fácicos ou pseudofácicos) que foram submetidos a intervenções cirúrgicas para correção da presbiopia. Os estudos incluídos compararam duas abordagens cirúrgicas diferentes para correção da presbiopia como: 

  • Cirurgias refrativas à laser: PRK, LASIK, FS-LASIK, SMILE; 
  • Ceratoplastia Condutiva (CK); 
  • Implantes (Inlays) intracorneanos; 
  • LIOs fácicas de câmara posterior (ICL EDOF; IPCL) 
  • TCR – facorefrativa: LIOs monofocais, multifocais, EFOF, de pequena abertura e acomodativas; 
  • Técnicas esclerais (implantes esclerais e micro-excisões esclerais à laser) 

Critérios de exclusão 

Foram excluídos estudos não randomizados, ensaios cruzados, pacientes com outras comorbidades oculares significativas e estudos focados primariamente na cirurgia de catarata.  

Desfechos avaliados 

Foram avaliadas a independência de óculos (para visão de perto e intermediária) e a mudança na qualidade de vida. Foram avaliadas ainda a acuidade visual, a satisfação do paciente, a sensibilidade ao contraste e a ocorrência de efeitos adversos.  

Busca e seleção dos artigos 

Fora realizada pesquisa nas seguintes bases de dados: Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), Ovid MEDLINE, Embase, PubMed, Latin American and Caribbean Health Sciences Literature Database (LILACS), ClinicalTrials.gov e o  International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP). Não houve restrição de idioma e a seleção e análise dos artigos fora feita por dois revisores de forma independente. As discrepâncias foram dirimidas por um terceiro revisor.  

Avaliação do risco de viés nos estudos incluídos 

Fora utilizada a ferramenta Cochrane RoB 2 para acessar o risco de viés dos estudos incluídos. Dada a alta heterogeneidade clínica e o número insuficiente de estudos comparando as mesmas intervenções, não foi possível confeccionar uma metanálise, sendo, portanto, realizada uma síntese narrativa.  

Avaliação da certeza da evidência 

Fora utilizada a metodologia GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation) para analisar a certeza da evidência. Fora rebaixada o nível de evidência para um desfecho, sempre que identificado ou mais dos seguintes problemas: Risco geral de viés elevado, natureza indireta da evidência, heterogeneidade ou inconsistência inexplicada dos resultados, imprecisão dos resultados (intervalo de confiança amplo), alta probabilidade de viés de publicação.  

 

RESULTADOS 

 Foram identificados 13.064 estudos, dos quais, após a remoção de duplicatas, foram triados 7496 títulos e resumos. Foram analisados 33 textos completos e, por fim, foram selecionados 4 estudos para compor a revisão. Todos os estudos incluídos foram ensaios clínicos randomizados e recrutaram um total de 300 participantes (600 olhos) com média de idade variando de 46 a 58 anos. 57% dos participantes eram mulheres (variação de 42 a 66%).  

Todos os participantes tinham presbiopia e nenhuma outra comorbidade como catarata, glaucoma, diabetes mellitus, degeneração macular relacionada à idade ou retinopatia miópica. Nenhum estudo incluiu participantes com presbiopia pseudofácica ou que haviam sido submetidos a cirurgia refrativa corneana prévia.  

Qualidade metodológica dos estudos 

Os trabalhos apresentaram limitações gerais visto que detiveram heterogeneidade substancial na medida em que cada um dos quatro estudos comparou um par diferente de intervenções cirúrgicas, o que impediu o agrupamento dos dados (metanálise).  

Além disso, nenhum estudo apresentou registro em plataforma de ensaios clínicos, três estudos não apresentaram declaração de financiamento e de conflito de interesse em três estudos e todos os trabalhos apresentaram seguimento curto (de 3 a 6 meses), o que comprometeu a qualidade metodológica de forma geral.  

 

Análise do risco de viés (RoB 2) 

Quase todos os estudos e desfechos apresentaram comprometimento significativo do risco de viés. Dentre os problemas identificados, destacam-se: 

  • Randomização: nenhum estudo descreveu adequadamente o processo de randomização. Um estudo evidenciou um desequilíbrio na idade dos grupos na linha de base, o que pode gerar inconsistências na análise detalhada da presbiopia; 
  • Cegamento: a maioria dos estudos não apresentou cegamento, o que gerou níveis altos de viés para análises subjetivas como: 
  • Satisfação do paciente: influenciada pelo conhecimento prévio; 
  • Qualidade de vida: pode ter sofrido interferência devido a aplicação do questionário pelo próprio cirurgião; 
  • Eventos adversos oculares: relato pode ter sido influenciado pelos pacientes e pesquisadores não cegados. 
  • Viés de relato seletivo: Um trabalho não utilizou questionário validado para análise da qualidade de vida.  

Síntese dos resultados e certeza da evidência (GRADE) 

Para quase todas as comparações e desfechos, os revisores não encontraram “nenhuma evidência de diferença” ou encontraram resultados conflitantes. Para todos os resultados, a certeza da evidência (GRADE) foi considerada baixa por dois fatores: 

  • Alto risco de viés devido a falhas na randomização e ausência de cegamento; 
  • Imprecisão em função do resultado basear-se em um único estudo pequeno com consequentes intervalos de confiança amplos e estimativas frágeis.  

Comparações analisadas: 

  • LIO Difrativa vs. LIO Refrativa: Não houve nenhuma evidência de benefício para independência dos óculos e a satisfação do paciente, bem como a frequência de efeitos adversos apresentou certeza muito baixa.  
  • LIO Difrativa vs. LASIK monovisão: O LASIK em monovisão pareceu ser melhor para visão intermediária e a LIO difrativa para visão de perto, porém ambos os resultados com certeza baixa. A satisfação e os eventos adversos apresentaram certeza muito baixa.  
  • LIO Trifocal vs. EDOF: Não foram descritos os desfechos críticos referentes à independência dos óculos. A qualidade de vida e a acuidade visual apresentaram, respectivamente, certeza muito baixa e baixa.  
  • LASIK modificado vs. Convencional: Não houve descrição de nenhum desfecho crítico e os desfechos importantes não puderam ser analisados quantitativamente em função do formato inadequado do relato.  

 

DISCUSSÃO E LIMITAÇÕES 

A revisão realizada expôs um importante déficit de evidências de alta qualidade para direcionar a escolha entre cirurgias para presbiopia em pacientes sem catarata. Foram encontrados somente quatro ECRs pequenos, sendo três deles publicados há cerca de 15 anos. Ademais, cada estudo comparou um par diferente de intervenções, não permitindo a confecção de uma metanálise.  

Os trabalhos analisados apresentaram severas limitações na medida em que detinham qualidade metodológica baixa, expressa pela supressão do processo de randomização e pelo alto risco de viés resultado da ausência de cegamento na maioria dos trabalhos. A certeza de evidência (GRADE) foi considerada baixa ou muito baixa para todos os resultados. Ademais, há uma ausência de ECRs em grupos importantes, como em pacientes pseudofácicos ou com cirurgia refrativa prévia. Por fim, nenhum trabalho analisou os aspectos econômicos das intervenções.  

 

MENSAGEM PRÁTICA   

A revisão realizada expôs uma importante lacuna no âmbito das evidências científicas das intervenções cirúrgicas para a presbiopia em pacientes sem catarata ou pseudofácicos.  

Os poucos ECRs que existem possuem limitações importantes que comprometem a confecção de conclusões robustas. Dessa forma, não é possível afirmar categoricamente a superioridade de uma intervenção cirúrgica em detrimento de outra.  

É imprescindível a realização de ECRs de alta qualidade para aprimorar a base de evidência disponível. Sugere-se, portanto, cautela na prática clínica durante a indicação de procedimentos cirúrgicos visando a correção cirúrgica da presbiopia em pacientes sem catarata ou pseudofácicos em virtude do vácuo de evidências científicas robustas. 

Saiba mais: Tratamento da presbiopia com colírio de pilocarpina: o que sabemos de novo?

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Oftalmologia