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Oftalmologia18 setembro 2017

É recomendado prescrever antibióticos na abordagem inicial de pacientes com conjuntivite aguda?

A conjuntivite aguda é uma das condições oculares mais comuns na prática da clínica oftalmológica e afeta 6 milhões de pessoas nos Estados Unidos a cada ano.

Por Juliana Rosa

A conjuntivite aguda é uma das condições oculares mais comuns na prática da clínica oftalmológica e afeta 6 milhões de pessoas nos Estados Unidos a cada ano. Aproximadamente um terço das visitas à emergência por problemas oculares são por conjuntivites. Muitos desses casos são manejados por profissionais não oftalmologistas. A diferenciação entre os casos virais, bacterianos, alérgicos e outras causas de conjuntivite pode ser dificultada pelos achados similares entre algumas delas.

A estimativa é de que mais de 60% dos pacientes com conjuntivite aguda tenha infecção por adenovírus ou outros vírus. A conjuntivite alérgica também é bastante comum e não responde à antibióticos. As infecções bacterianas respondem a uma parte muito pequena dos casos de conjuntivite aguda. Além disso, mesmo os casos bacterianos, normalmente são leves e autolimitados, resolvendo dentro de 7 a 10 dias sem antibiótico. Apesar dos antibióticos apressarem a resolução dos sintomas entre pacientes com conjuntivite bacteriana, esse benefício deve ser pesado contra o risco de toxicidade da superfície ocular, aquisição de resistência ao antibiótico e o custo associado ao uso.

Em relação ao uso de corticoides tópicos, estes são contraindicados na maioria das conjuntivites agudas pois prolongam a infecção adenoviral, podem piorar um quadro concomitante de infecção por herpes simples e, se usados por longos períodos, podem aumentar o risco de catarata e glaucoma.

Em 2013, como parte de uma iniciativa para reduzir o desperdício e os tratamentos médicos desnecessários, a Academia Americana de Oftalmologia recomendou evitar as prescrições de antibiótico em casos de conjuntivite viral e adiar o tratamento imediato com antibióticos nos casos de conjuntivite ainda com causa desconhecida.

Foi publicado neste ano de 2017 na Ophthalmology estudo observacional retrospectivo que analisou prontuário de 340.372 pacientes com diagnóstico de conjuntivite aguda entre 2001 e 2014. Entre esses, 58% tiveram uma ou mais prescrições de antibiótico tópico dentro de 14 dias do diagnóstico inicial. Comparando aos pacientes que não tiveram prescrição de antibióticos, os que tiveram eram em grande parte brancos, mais jovens, tinham maiores rendimentos e mais educação formal. Os fatores de risco para infecções bacterianas mais graves era similar entre os dois grupos. A prevalência de usuários de lentes de contato e portadores de HIV/AIDS era semelhante também, sendo que o grupo de pacientes que não recebeu antibiótico tinha uma prevalência maior de diabetes. Dentre os 198.462 que tiveram prescrições de 1 ou mais antibióticos, 98% foram dentro dos primeiros 3 dias do diagnóstico inicial.

Os antibióticos mais prescritos foram fluoroquinolonas (33%), macrolídeos (18%), polimixinas (16%), aminoglicosídeos (11%), sulfonamidas (7%) e bacitracina (0,3%). Dentre aqueles que prescreveram antibióticos, 20% prescreveram uma combinação antibiótico/corticoide, que é contraindicada em casos agudos de conjuntivite.

No total, 83% dos pacientes foram diagnosticados por profissionais não oftalmologistas. Pessoas diagnosticadas por oftalmologistas tiveram uma porcentagem menor de prescrição de antibióticos (36%), seguida de optometristas (44%), médicos de família (55%), clínicos gerais (58%), pediatras (59%), outros profissionais de saúde (64%) e médicos da emergência (68%). Em relação aos tratamentos combinados de antibióticos com corticóides, a proporção de optometristas que prescreveram foi a maior (30%), seguido de oftalmologistas (23%) e outros profissionais (8%). Comparado com pacientes diagnosticados por oftalmologistas, os pacientes diagnosticados por médicos da emergência, clínicos, pediatras e médicos de família tem 2 a 3 vezes mais chance de serem tratados com antibióticos.

Mais da autora: ‘Atropina na prevenção da progressão da miopia em crianças: o que temos de novo?’

As razões possíveis para tantas pessoas diagnosticadas com conjuntivite aguda estarem recebendo antibióticos é multifatorial. Os profissionais de saúde podem ter dificuldades em diferenciar conjuntivites virais e alérgicas das bacterianas e alguns não tem treinamento suficiente no manejo apropriado dessas infecções. A diferenciação das causas de conjuntivite pode ser difícil em alguns casos mesmo para oftalmologistas pois apresentam achados clínicos semelhantes como injeção conjuntival, secreção, irritação da superfície ocular, sensação de corpo estranho e fotofobia. Uma pesquisa no reino unido mostrou que apenas 36% acreditava que conseguia diferenciar com precisão as conjuntivites bacterianas e virais.

A diferença entre a prescrição exagerada de antibióticos por não oftalmologistas já foi evidenciada em outros estudos, mesmo após os guidelines recomendarem o manejo conservador inicial. Esses achados indicam que existe uma necessidade de educar todos os profissionais de saúde sobre o fato de que a grande maioria dos pacientes com conjuntivite aguda tem quadro autolimitado, que resolve com manejo conservador e sem necessidade de antibiótico tópico.

Outro achado interessante do estudo foi que por exemplo um homem branco, com boa educação formal e que recebe mais de 100 mil dólares por ano tem 85% mais chance de ter uma prescrição de antibióticos do que um homem negro sem graduações e que ganha menos de 40 mil dólares por ano. Isso pode acontecer porque pode ser mais fácil para o primeiro pagar os custos dessas medicações e também pelo fato de que pessoas mais influentes e com educação formal podem estar mais inclinadas a pressionar os profissionais de saúde a prescrever esses agentes. Alguns desses pacientes podem desejar usar antibióticos com o objetivo de acelerar a resolução da infecção, por uma percepção de que reduziriam a infectividade com antibióticos, por desconhecerem a natureza autolimitada da infecção ou por uma crença de que haveria uma piora do quadro sem tratamento antibiótico.

A questão social, principalmente por causa de políticas de trabalho e escola, pode influenciar a prescrição de antibióticos. Em uma pesquisa em 43 estados americanos, alguns adotavam políticas que encorajavam a prescrever antibióticos antes que se fosse permitido que as crianças  voltassem à escola. Em algumas empresas também acontece a exigência de usar antibióticos antes de ser permitido retornar ao trabalho, apesar disso não ser divulgado.

As consequências do uso indiscriminado de antibióticos são várias. As primeiras são as implicações financeiras e nos gastos de saúde pública. As prescrições custaram ao reino unido por exemplo aproximadamente 8.7 milhões em 1998. Além disso, o uso abusivo pode também aumentar a  resistência bacteriana aos antibióticos. Apenas 4 doses de antibiótico tópico já são associadas com alterações significativas da flora ocular e aumento de cepas resistentes. A prevalência de S. aureus resistente à meticilina aumentou de 30% para 42% de 2000 para 2005 e a incidência de endoftalmite pelo S. aureus resistente também aumentou nos últimos anos. O uso de corticoides, além dos riscos já descritos, prolonga o tempo de infecção viral, tornando a infecção mais arrastada quando prescrito no início do quadro.

As soluções potenciais para reduzir o uso indiscriminado de antibiótico passam por uma mudança de educação dos pacientes, dos profissionais e das políticas de empresas e escola.

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Referência:

  • Shekhawat NS et al. Antibiotic Prescription Fills for Acute Conjunctivitis among Enrollees in a Large United States Managed Care Network. Ophthalmology. Aug 2017
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