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Oftalmologia14 maio 2024

Conscientização da miopia: O que sabemos sobre prevalências de miopia no Brasil?

A epidemia de miopia é global. Estima-se que sua prevalência mundial dobrará entre os anos 2000 e 2050, e que a alta miopia triplicará nesse mesmo período.
Por Juliana Rosa

Complicações da alta miopia, como descolamento de retina, maculopatia, glaucoma e catarata, podem provocar cegueira irreversível em altos míopes, especialmente na quarta década de vida. As altas prevalências de miopia em algumas regiões do mundo já são a primeira causa de cegueira em populações jovens, como no Sul e no Sudeste Asiáticos, o que acarreta uma sobrecarga enorme para os sistemas de saúde.

A distribuição da miopia varia conforme a localização geográfica. O Sul e Sudeste Asiáticos apresentam as mais altas prevalências, com 47% de acometimento populacional, 96% entre estudantes pós-graduandos, e 20% de altos míopes. Europa Central, Ásia Central e África Central possuem taxas de 27,1%, 17,0% e 7,0% de prevalência, respectivamente. Entre crianças acima de 12 anos, as prevalências também foram maiores no Sudeste Asiático (53,1% em Hong Kong) se comparadas aos Estados Unidos (20%) e à Austrália (11,%).

Conscientização da miopia: O que sabemos sobre prevalências de miopia no Brasil?

Panorama brasileiro da miopia

O Brasil tem poucas casuísticas, realizadas em diferentes regiões do país, em tempos diferentes e com metodologias variadas, carecendo de estatísticas nacionais. Apesar do Brasil ser considerado um país de hipermétropes, essa realidade parece estar mudando. Uma coorte realizada na cidade de Goiânia documentou uma progressão de miopia de 3,6% para 9,0% entre 2000 e 2014.

Em 2005, um estudo na cidade de Natal (RN) detectou prevalência de 13,3%. Estudos transversais realizados em Aracati (CE) e em São Paulo (SP), recentemente, detectaram prevalências de 20,4% e 15,2%. Com exceção do artigo publicado por Yotsukura et al., todos realizaram refração sob cicloplegia. Os poucos estudos que temos sugerem aumento consistente na prevalência de miopia nas últimas décadas.

Sobre as  análises recentes

Um estudo publicado este ano teve como objetivo avaliar a prevalência de miopia em crianças de escolas públicas da Região Metropolitana de Porto Alegre (RS, Brasil). Segundo um cálculo de amostra utilizando como base a prevalência de miopia de 20,4%, seriam necessários 250 crianças para se alcançar 95% de nível de confiança e intervalo de confiança de 10%.

O objetivo final foi uma amostra de 278 indivíduos para permitir até 10% de eventuais perdas. A miopia foi definida como refração sob cicloplegia ≤ -0.50 dioptrias. O ponto de corte para alta miopia foi refração ≤ -6.00D, de acordo com os critérios estabelecidos para estudos clínicos.

Foram avaliados 330 crianças. Dessas, 52% eram do sexo masculino. A etnia baseada em autodeclaração foi composta de 37,5% de caucasianos, 39% de pardos e 0,4% de indígenas. Do total, 23,1% não souberam ou preferiram não referenciar. A idade média dos indivíduos foi de 12,74 anos (IC 95% 12,38-13,10%). Ao final, 3 estudantes foram excluídos por dificuldades técnicas durante o exame oftalmológico.

Dentre as crianças avaliadas 51% atingiram UCVA 0LogMar bilateralmente, e 34,5% faziam uso prévio de óculos. A prevalência de miopia foi de 17,4% (IC95% 13,8- 21,7%). Baixa miopia correspondeu a 15,2% (IC95% 11,9-19,3), enquanto alta miopia foi constatada em 2,1% (IC95% 1,1-4,1%). A média de miopia foi de -2,73 dioptrias (SD 2,69).

Houve diferença estatisticamente significativa entre o diâmetro axial dos baixos e altos míopes: 23,58 mm (C95% e DP 1.03) e 26,62 mm (IC 95% e DP 1.01), com p < 0,01. No sexo feminino, miopia foi constatada em 21,3% das participantes, enquanto no sexo masculino a prevalência foi de 13,2%. O risco relativo para o sexo feminino foi de 1,6 (IC 95% 1,00-2,57%; p=0,047). Cada hora adicional de uso de eletrônicos aumentou o risco de desenvolver miopia em 6,5% (IC 95% 1,01-1,12%) com p=0,01.

Os resultados encontrados neste estudo estão alinhados com as crescentes taxas mundiais de miopia e revelam prevalência de 17,4% de míopes, o que representa aumento de 30% relativamente aos achados publicados por Garcia et al., de 13,3% entre 1995 e 2014.

Leia também: Myopia Awareness Week 2024: O que aprendemos com os desafios da miopia na China? 

O outro estudo, conduzido em Aracati, não realizou cicloplegia, o que pode ter superestimado os resultados, enquanto o de São Paulo e o estudo de Porto Alegre realizaram, mas foi o primeiro estudo brasileiro sob cicloplegia a medir o diâmetro axial dos escolares. Ambos os trabalhos corroboram o aumento progressivo de miopia no Brasil.

O estudo realizado em São Paulo demonstrou prevalência semelhante entre miopia e hipermetropia, igualmente inédito para a realidade brasileira. A prevalência de 2,1% de altos míopes é comparável às taxas norte-americanas e europeias e bastante distinta das asiáticas, mas superiores aos encontrados por Yotsukura et al. (1,4%).

Na revisão de Sankaridurg et al., estima-se que a progressão da miopia ocorra até os 15 anos de idade, progredindo de forma reservada após essa faixa etária. Quanto mais cedo iniciar a miopia, maior será a chance de que uma criança se torne um alto míope na vida adulta. A literatura atual reconhece como fatores de risco principais para o surgimento da miopia: educação demandante e muitas horas de leitura diárias, pouco tempo de atividades ao ar livre, estilo de vida urbano, famílias intelectualizadas e aspectos genéticos (asiáticos apresentam a maior prevalência e maior risco).

Comentários finais sobre miopia

Ainda não há consenso sobre a associação causal dos dispositivos eletrônicos (smartphones, tablets e computadores) no surgimento e progressão da miopia, mas o aumento da incidência em crianças chinesas durante a pandemia indica que esta associação existiu.

Considerando-se que a educação pública brasileira não exige dedicação de turno integral pela maioria das escolas, nem muitas tarefas a serem realizadas em casa, os autores acreditam que os eletrônicos de uso recreativo por várias horas diárias desempenham fator causal importante para o surgimento e progressão da miopia em nossas crianças.

Embora a prevalência de 17,4% seja mais baixa do que a encontrada nos Estados Unidos, recente estudo canadense apresentou taxas semelhantes. Isso demonstra que o Brasil se encontra num processo aparentemente sustentável do aumento da prevalência da miopia em sua população infantil.

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Referências bibliográficas

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