A ceratite infecciosa é uma das principais causas de cegueira evitável de origem corneana em todo o mundo. De todas as causas etiológicas a ceratite micótica (MK) representa um importante problema de saúde mundial com incidência entre 1% e 44%.
Algumas espécies fúngicas incomuns são importantes desafios para o diagnóstico, necessitando de uma avaliação mais detalhada. Eles foram relatados em casos esporádicos.
O objetivo do estudo em análise foi avaliar a literatura existente sobre as características epidemiológicas, o diagnóstico e os resultados do tratamento da MK incomum, permitindo assim substratos para conduzir com mais eficiência tais casos prevenindo assim a cegueira em estágio terminal. As recomendações baseadas na análise de intervenções prévias podem ajudar nas decisões de tratamento.
Métodos
Uma pesquisa abrangente de literatura sobre causas incomuns de MK foi realizada em vários bancos de dados, incluindo PubMed, Cochrane, Google Scholar e Semantic Scholar. A pesquisa foi limitada a artigos publicados em inglês de primeiro de janeiro de 1963 a 10 de março de 2023. Para inclusão na análise, os casos precisavam de confirmação através do diagnóstico microbiológico, somente de espécies fúngicas raras.
A resposta ao tratamento foi quantificada através da avaliação da acuidade visual ou de características como a cicatrização corneana e alterações estruturais devido à evisceração/enucleação. O resultado visual foi categorizado em bom ou ruim com base na classificação de cegueira da Organização Mundial da Saúde (OMS) (acuidade visual de LogMAR 1,3 ou melhor foi categorizada como boa e menos de 1,3 como ruim).
Resultados
Ao todo, 566 estudos foram considerados adequados, desses, 186 atenderam aos critérios de inclusão para análise da prevalência de causas incomuns de MK.
O principal fator de risco mencionados em 350 estudos revelaram o trauma como a predisposição mais comum, em especial com material de origem vegetal. Infecção pós-operatória, uso de lentes de contato, administração de esteróides e condições sistêmicas como diabetes mellitus foram outros fatores causadores. Um total de 10.436 casos foram documentados, compreendendo 10.452 fungos isolados, descobrindo 154 espécies raras.
A Curvularia (n = 2652), a Alternaria (n = 1753) e o Acremonium (n = 1001) foram os principais agentes isolados. Os países com mais casos relatados são Índia, China e Estados Unidos.
As características clínicas observadas em MK atípicas são semelhantes às de espécies comuns, no entanto, quadros de maior gravidade foram associados ao atraso no diagnóstico e à virulência da espécie. As manifestações clínicas relatadas foram úlcera e abscesso córneano, hipópio, uveíte infecciosa, endoftalmite e panoftalmite. Para diagnóstico foram realizadas microscopia e cultura, a o dentificação de DNA baseada em reação em cadeia da polimerase também foi realizada.
O tratamento realizado em 98,58% dos pacientes, que receberam intervenções médicas, foi principalmente com agentes antifúngicos tópicos como Natamicina, Voriconazol e Anfotericina B.
Intervenções cirúrgicas foram necessárias em menos da metade dos casos, incluindo transplantes de córnea. Os desfechos avaliados foram a acuidade visual com 83,40% atingindo > LogMAR 1.3. Resultados estruturais em 84,14% evoluíram com cicatrizes corneanas, enquanto 14,83% evoluíram com mudanças da estrutura corneana ou phthisis bulbi.
Discussão
A MK é uma doença com distribuição variável na população mundial, curso desafiador e resultado imprevisível, portanto, identificar fatores determinantes dos resultados visuais e estruturais é importante para evitar desfechos desfavoráveis. Um total de 154 gêneros/espécies atípicas foram identificadas ao redor do mundo no período avaliado.
A maior incidência foi em países com clima quente e úmido, propícios ao crescimento de fungos. Naqueles em desenvolvimento, sua maior prevalência é em ambientes rurais, consequente a lesões por matéria vegetativa, resíduos de animais e objetos contaminados pelo solo.
Além disso, os indivíduos acometidos nestas situações, muitas vezes são de estratos socioeconômicos mais baixos, com acesso limitado a recursos médicos, restrições de custo e abandonos de tratamento, levando a um aumento da gravidade e possíveis complicações.
Os números apresentados podem não representar a realidade devido a técnicas de amostragem inadequadas e culturas inconclusivas naqueles pacientes que já começaram a tomar antifúngicos. Além disso, pacientes de baixa renda e aqueles residentes de áreas rurais podem não procurar centros oftalmológicos de referência.
A natamicina, o voriconazol e anfotericina B demonstraram eficácia contra muitas espécies fúngicas raras, sendo escolhas primárias no tratamento antifúngico com suplementação de antifúngicos sistêmicos na ceratite grave. Em casos refratários ou espécies fúngicas resistentes, a terapia combinada deve ser iniciada. As intervenções cirúrgicas devem ser consideradas dependendo da gravidade e progressão da ceratite.
Mensagem prática
Este estudo fornece uma estimativa da prevalência global de MK causada por fungos raros, sendo os gêneros/espécies fúngicas incomuns mais prevalentes do que se pensava anteriormente.
A predominância desse quadro em países em desenvolvimento, como o Brasil, demonstra a importância de incluir esses quadros nos diagnósticos diferenciais de ceratite e iniciar com o melhor tratamento, evitando assim, complicações graves, como a perda de visão.
Veja também: Uma revisão sobre ceratite fúngica
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