A retinopatia diabética (RD) é a complicação ocular mais prevalente entre indivíduos com diabetes, afetando cerca de um terço desses pacientes. A RD é uma complicação potencialmente grave do diabetes, associada a hemorragias vítreas, descolamento de retina e comprometimento da mácula, podendo levar à cegueira. Tradicionalmente, sua classificação baseia-se em achados fundoscópicos progressivos, mas essa abordagem pode subestimar a gravidade funcional da doença.
A angiografia por tomografia de coerência óptica (OCT-A) é uma técnica de imagem não invasiva que permite a visualização detalhada da microvasculatura da retina e coroide, com base na detecção do movimento das hemácias. Embora não visualize diretamente as estruturas vasculares, a OCT-A identifica o fluxo sanguíneo em diferentes camadas retinianas, utilizando séries temporais de imagens para detectar variações regionais na perfusão. Com alta sensibilidade e especificidade, é eficaz na detecção de neovascularização e na análise morfológica e distributiva dos vasos sanguíneos.
Além disso, a técnica possibilita a mensuração da zona avascular foveal (ZAF) e a identificação precoce de áreas sem perfusão, mesmo na ausência de sinais clínicos evidentes. A OCT-A contribui para o estudo da perfusão coroideana e a detecção de complexos neovasculares em lesões não exsudativas.
A OCT-A tem se destacado como ferramenta promissora na avaliação da RD, permitindo analisar alterações microvasculares em diferentes camadas da retina, monitorar respostas ao tratamento e identificar biomarcadores vasculares precoces, muitas vezes antes da alteração clínica detectável por fundoscopia.
Assim, a OCT-A contribui significativamente para o diagnóstico precoce, estratificação de risco e compreensão da fisiopatologia da RD. Por isso, foi incluída em diretrizes especializadas como suporte à classificação clínica e à tomada de decisões terapêuticas na RD.
Nesse sentido, uma recente revisão sistemática teve como objetivo apresentar uma visão geral da OCT-A para aplicações de RD.
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Métodos
Análise de 75 artigos publicados em inglês, após serem avaliados por especialistas em imagem oftalmológica e especialistas em doenças da retina
Resultados e Discussão
Reconhecimento de lesões na RD por OCT-A
Microaneurismas representam um dos primeiros sinais da RD e estão associados à acuidade visual, duração e gravidade da doença. A OCT-A permite sua identificação morfológica, distinguindo tipos como saculares, fusiformes e mistos, os quais podem refletir diferentes estágios de progressão da RD.
Anormalidades microvasculares intrarretinianas (IRMAs) são associadas à isquemia retiniana e são visualizadas pela OCT-A como vasos dilatados e ramificados que não ultrapassam a membrana limitante interna. A tecnologia permite avaliar mudanças morfológicas das IRMAs antes e após a fotocoagulação, auxiliando na detecção precoce de progressão da doença.
Neovascularização retiniana é um marcador crítico da RD proliferativa. A OCT-A detecta essas lesões como estruturas vasculares anormais acima da membrana limitante interna, mesmo na ausência de sinais evidentes na fundoscopia, o que possibilita a diferenciação entre neovascularização retiniana e IRMAs.
A neovascularização retiniana aumenta o risco de perda visual grave devido a complicações como hemorragia vítrea ou descolamento de retina tracional. A detecção e o tratamento precoce da são fundamentais para prevenir a progressão da doença e a subsequente perda da visão. Apesar da limitação na detecção de vazamento, a OCT-A fornece imagens úteis para o diagnóstico precoce e o planejamento terapêutico.
Biomarcadores por OCT-A em diabéticos sem retinopatia diabética
A OCT-A tem demonstrado capacidade de identificar alterações microvasculares e neurodegenerativas precoces em pacientes com diabetes, mesmo na ausência de sinais clínicos de RD. Esses achados incluem alargamento da ZAF, redução da densidade vascular e perfusão capilar, perda capilar, capilares dilatados ou tortuosos e alterações na perfusão da coroide, podem preceder o aparecimento da RD detectável por exame oftalmoscópico, e funcionam como biomarcadores para triagem e monitoramento precoce. Mudanças na espessura das camadas neurais retinianas e redução da densidade vascular nos plexos capilares superficial e profundo também têm sido observadas, inclusive em pacientes com diabetes tipo 1 e 2 sem RD estabelecida.
A OCT-A tem mostrado associação entre alterações peripapilares e redução da espessura da camada de fibras nervosas, reforçando a hipótese de que a neurodegeneração e a disfunção vascular são processos precoces e inter-relacionados no DM.
Biomarcadores por OCT-A na RD
A OCT-A oferece uma variedade de biomarcadores que auxiliam na avaliação da gravidade da RD e no monitoramento de sua progressão. Esses indicadores fornecem dados quantitativos e qualitativos que complementam o diagnóstico clínico e orientam decisões terapêuticas:
- ZAF: região da retina com maior demanda metabólica, tende a sofrer alterações estruturais com a progressão da RD. A avaliação da ZAF por OCT-A permite detectar precocemente alterações morfológicas, como aumento ou irregularidade da área, que precedem sinais clínicos tradicionais.
- Densidade vascular: refere-se à proporção de área ocupada por vasos sanguíneos em relação à área total da retina. A redução da densidade vascular está associada à progressão da RD e deve ser ajustada pela espessura das camadas retinianas e pela qualidade da imagem obtida.
- Densidade de comprimento vascular: considerada mais sensível que a densidade vascular, avalia a extensão total dos vasos retinianos por unidade de área, oferecendo maior precisão na detecção de alterações capilares.
- Índice de diâmetro vascular: quantifica o calibre médio dos vasos retinianos a partir de imagens binarizadas. A elevação do índice de diâmetro vascular pode estar relacionada a níveis glicêmicos elevados, sendo um possível marcador de disfunção microvascular precoce.
- Dimensão fractal: mede a complexidade da rede vascular retiniana. Reduções progressivas — especialmente no plexo capilar profundo — estão associadas ao avanço da RD, refletindo a perda e simplificação da arquitetura capilar. A análise fractal é promissora como marcador automatizado para estratificação de risco.
- Outros biomarcadores: a OCT-A também permite a avaliação de biomarcadores adicionais, como o índice de perímetro vascular, densidade esquelética vascular e área de não perfusão capilar, todos úteis na caracterização da severidade da doença. A área avascular extrafoveal, por exemplo, tem se mostrado altamente sensível na diferenciação entre pacientes diabéticos e controles saudáveis.
OCT-A no Edema Macular Diabético (EMD)
A OCT-A tem se consolidado como uma ferramenta essencial na avaliação do EMD, oferecendo não apenas informações estruturais, mas também uma análise detalhada da microvasculatura macular e suas alterações dinâmicas, por meio de parâmetros quantitativos.
A progressão do EMD está fortemente associada à presença de isquemia macular diabética. Essa condição é caracterizada por ampliação e irregularidade da ZAF, além de perda capilar em regiões periféricas à mácula. Casos mais severos demonstram ZAFs maiores e irregulares, espessura macular central aumentada e extensa perda vascular no plexo capilar profundo. Estudos comparando OCT-A e angiografia fluoresceínica mostraram alta concordância, permitindo a estratificação da gravidade da isquemia macular diabética com base em imagens OCT-A.
Na terapia anti-VEGF, a OCT-A permite quantificar alterações na microvasculatura, auxiliando na avaliação da resposta terapêutica. A integridade do plexo capilar profundo tem se mostrado um forte preditor dos resultados visuais após o tratamento. Pacientes com EMD e déficits mais pronunciados nos plexos capilares superficial e profundo tendem a apresentar melhor resposta visual à terapia.
OCT-A em pesquisas clínicas relacionadas à RD
A OCT-A tem se consolidado como uma ferramenta essencial em estudos clínicos sobre RD, por permitir a detecção não invasiva de alterações microvasculares associadas à isquemia retiniana, mesmo quando exames convencionais, são limitados por cicatrizes ou alterações estruturais.
Além de identificar neovascularizações com alta precisão, a OCT-A tem sido usada para monitorar pacientes pós-cirurgia retiniana e avaliar biomarcadores da desorganização nas camadas internas da retina (do inglês: Disorganization of the Retinal Inner Layers – DRIL) e zona elipsoide, que se correlacionam com a função visual. Parâmetros como a espessura das camadas de células ganglionares e plexiforme interna também demonstraram associação com a progressão da RD não proliferativa, reforçando o potencial da OCT-A no rastreamento da neurodegeneração retiniana.
Em intervenções terapêuticas, a OCT-A auxilia na avaliação da resposta a tratamentos como anti-VEGF, implantes e procedimentos cirúrgicos, como vitrectomia com peeling de membrana.
Inteligência artificial (IA) aplicada à OCT-A na RD
Estudos demonstram que a IA pode quantificar alterações como aumento da ZAF e redução da densidade vascular, correlacionando-as com a gravidade da RD. Algoritmos baseados em redes neurais convolucionais (CNN) já alcançaram alta sensibilidade (96%) e especificidade (98%) na detecção de RD, enquanto outras abordagens, como máquinas de vetores de suporte (SVM) e aprendizado por transferência, também demonstraram bom desempenho.
Além da análise quantitativa, a IA tem sido empregada na classificação automatizada da RD em diferentes estágios, com base em biomarcadores morfológicos extraídos da OCT-A, como áreas de não perfusão capilar, espessura da camada de células ganglionares e densidade de vasos extrafoveais. Técnicas complementares, como correção de artefatos de movimento ocular, aumentam a qualidade das imagens e a confiabilidade das análises.
A integração da IA à OCT-A favorece a construção de sistemas automatizados de suporte à decisão clínica, promovendo o diagnóstico precoce, o monitoramento longitudinal e a personalização do tratamento com base em biomarcadores específicos.
Limitações
- O OCT-A tem campo de visão restrito, baixa sensibilidade a fluxos lentos e a incapacidade de detectar vazamentos vasculares, o que compromete a visualização de alterações características da RD, como a ruptura da barreira hemato-retiniana.
- A presença de artefatos — causados por movimentos oculares, piscadas ou baixa qualidade de imagem — e a ausência de padronização entre dispositivos reduzem a confiabilidade e a reprodutibilidade dos achados. A variabilidade nos protocolos de aquisição e a inconsistência nos resultados ressaltam a necessidade de padronização técnica e maior investigação.
- A OCT-A não detecta exsudatos duros nem capilares com perfusão extremamente reduzida, limitando sua aplicabilidade em casos complexos.
- A idade influencia significativamente os parâmetros vasculares obtidos por OCT-A, como densidade vascular, dimensão fractal e área de não perfusão. Em pacientes com RD, alterações patológicas se sobrepõem às mudanças relacionadas à idade, tornando a interpretação clínica mais complexa.
Impacto na prática clínica
- A OCT-A permite prever a progressão para RD proliferativa, através da detecção precoce da neovascularização retiniana o que possibilita a intervenção em estágios iniciais, melhorando o prognostico.
- A angiografia fluoresceínica ainda é o padrão-ouro para avaliação dinâmica do fluxo retiniano, útil na detecção de áreas de não perfusão e neovascularização com extravasamento. No entanto, trata-se de um método invasivo, com risco de efeitos adversos. A OCT-A, por outro lado, oferece uma alternativa não invasiva, rápida e de alta resolução, com capacidade para analisar a microvasculatura em diferentes camadas da retina. Embora menos sensível ao vazamento vascular e ao fluxo turbulento, tem se consolidado como exame preferencial para rastreamento precoce, estratificação de risco e acompanhamento longitudinal da RD.
Mensagem prática
A OCT-A é uma ferramenta não invasiva, rápida e precisa que tem se consolidado no diagnóstico e acompanhamento da RD. Sua capacidade de visualizar a microvasculatura retiniana em detalhes permite a detecção precoce de lesões, avaliação da progressão e monitoramento da resposta ao tratamento, especialmente quando associada a avanços tecnológicos e IA. Contudo, a padronização dos métodos de análise e dos parâmetros de aquisição ainda é necessária para garantir maior consistência e aplicabilidade clínica.
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