A Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) é uma condição de grande impacto global, responsável por altas taxas de morbidade e mortalidade, com previsão de se tornar a terceira principal causa de morte no mundo até 2030. Apesar de frequentemente associada às vias respiratórias, a DPOC é uma doença sistêmica, capaz de afetar múltiplos órgãos e comprometer de forma significativa a qualidade de vida dos pacientes. Entre os possíveis órgãos-alvo, a retina tem ganhado destaque, por seu comportamento fisiológico e vascular semelhante ao do sistema nervoso central e sua sensibilidade à hipóxia crônica.
Nesse contexto, a tomografia de coerência óptica (OCT) surge como uma ferramenta promissora para detectar alterações sutis no fundo de olho, permitindo avaliar o impacto da hipóxia sistêmica sobre as estruturas retinianas. Embora diversos estudos tenham explorado a relação entre achados de OCT e doenças sistêmicas, ainda há poucas revisões focadas especificamente na DPOC.
Assim, uma revisão sistemática publicada em setembro de 2025 na revista Medical Journal of Malaysia, conduzida por Kim e colaboradores, teve como objetivo revisar as evidências disponíveis sobre as alterações do fundo de olho avaliadas por OCT em pacientes com DPOC. O estudo buscou compreender como a hipóxia crônica pode impactar a retina e outras estruturas oculares.

Métodos e resultados
Revisão sistemática de 10 artigos publicados preencheram os critérios de inclusão para a revisão sistemática e meta-análise.
Oito dos dez estudos (80%) incluídos nesta revisão demonstraram que pacientes com DPOC apresentam alterações estruturais na retina e na coroide, detectadas OCT. Esses estudos identificaram algum grau de alteração retiniana, sendo que a maioria descreveu um afinamento da retina em comparação aos controles saudáveis. Esse achado foi consistente em diferentes países, sugerindo um padrão independente de fatores demográficos.
Em relação à coroide, o padrão foi ainda mais evidente: seis de nove estudos (66%) observaram uma coroide mais fina em pacientes com DPOC, e alguns indicaram que esse afinamento se intensifica conforme a gravidade da doença pulmonar. Nenhum estudo demonstrou espessamento coroideano.
Discussão
Os achados dessa revisão sistemática trazem uma perspectiva interessante e ainda pouco explorada sobre os efeitos sistêmicos da DPOC nos tecidos oculares, em especial na retina e na coroide. Os resultados sugerem que a hipóxia crônica e a inflamação sistêmica, podem estar associadas a afinamento retiniano e coroideano, principalmente nos estágios mais avançados da doença. Essas alterações, detectáveis pela OCT, reforçam a ideia de que o olho pode servir como uma “janela” acessível para o estudo das repercussões microvasculares e neurodegenerativas da DPOC — um conceito que aproxima ainda mais a oftalmologia da medicina interna.
Limitações
- Pequeno tamanho amostral dos trabalhos incluídos, o que restringe o poder estatístico das conclusões.
- Grande heterogeneidade entre os estudos — variando quanto à gravidade da DPOC, uso de oxigênio, comorbidades e tratamento medicamentoso —, o que dificulta comparações diretas.
- Ausência de estratificação padronizada da gravidade da doença e de controle rigoroso para fatores de confusão, como tabagismo e doenças cardiovasculares.
Mensagem prática
A OCT pode representar uma ferramenta promissora de avaliação sistêmica em pacientes com DPOC. Incorporar a análise do fundo de olho e, especialmente, o uso da angiografia por OCT e o Doppler OCT pode ampliar a compreensão da microcirculação e do impacto vascular da hipóxia crônica.
Para o clínico, pneumologista ou oftalmologista, essa integração abre caminho para uma abordagem mais abrangente, permitindo detecção precoce de comprometimentos sistêmicos e monitoramento mais preciso da progressão da doença.
Autoria

Alléxya Affonso
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina Souza Marques (RJ) ⦁ Título de especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) ⦁ PhD em Oftalmologia e Ciências Visuais pelo programa de Doutorado da UNIFESP/EPM ⦁ Membro Titular da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV) ⦁ Especialista em Retina Clínica, Uveítes e Oncologia Ocular pela UNIFESP/EPM.
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