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Como 13 milhões de brasileiros possuem cefaleia crônica e mais de 94% das pessoas terão, pelo menos, um episódio de cefaleia na vida, esta é a 3ª queixa mais frequente no ambulatório de Clínica Médica e ocupa o 4º lugar nas unidades de urgência. No entanto, em vez de medicações mais adequadas, existe o uso indiscriminado de cortisona e opioides; estes, além de nem sempre funcionarem bem, podem provocar dependência.
Devido a este cenário, o departamento científico de Cefaleia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e a Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBCe) decidiram produzir um protocolo nacional para diagnóstico e manejo das cefaleias, a fim de uniformizar o atendimento de quatro tipos principais de cenário, fornecendo instruções gerais básicas para o atendimento primário. Trazemos aqui um resumo deste protocolo:
CENÁRIO 1: CEFALEIA AGUDA RECORRENTE
Etiologias possíveis, sintomas mais típicos e conduta sugerida:
- Cefaleia tensional: não pulsátil, intensidade leve a moderada, sem quadro relevante de náuseas/vômitos, podendo haver foto/fonofobia; exame neurológico sem alterações marcantes.
◦ Medicamentos: analgésicos (paracetamol 750-1.000 mg até 6/6 h; dipirona 500 1.000 mg até 6/6 h) e/ou anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs: ibuprofeno 400-800 mg até 6/6 h; diclofenaco 50 mg até 8/8 h; cetoprofeno 50 mg até 6/6 h; naproxeno sódico 500 mg dose inicial e 250 mg até 6/6h);
◦ Associações com cafeína aumentam a eficácia analgésica;
◦ Se não há resposta em 1 ou 2 horas com uma medicação, pode-se usar outra.
- Enxaqueca: forte intensidade, pulsátil, unilateral, com náuseas/vômitos, podendo haver foto/fonofobia, exacerbada por atividades físicas.
◦ Antiemético parenteral, se vômitos (dimenidrato 30mg IV, diluído em 100ml de soro fisiológico (SF a 0,9%) ou dimenidrato 50mg IM; dipirona 1g (2ml) IV, diluído em água destilada (8ml);
◦ cetoprofeno 100mg IV diluído SF a 0,9% (100ml) ou 100mg IM;
◦ se não melhorar em 1h, sumatriptano 6mg SC (1 seringa com 0,5ml), repetindo a dose, se necessário, em 2 horas.
- “Estado migranoso”: quadro de enxaqueca há mais de 72 horas.
◦ usar medicações sugeridas acima, associadas a dexametasona 10mg, IV lento (ampola 10mg/2,5ml) e SF a 0,9% 500ml;
◦ se não melhorar, pode ser prescrito clorpromazina 0,1-0,25mg/kg IM (ampola 25 mg/5 ml), que pode ser repetida até 3x, se o paciente mantiver a dor. Atentar para hipotensão arterial e sinais / sintomas extrapiramidais (como rigidez muscular e inquietude); orientar o paciente a não levantar-se bruscamente. Não repetir a dose se ocorrer tais efeitos adversos.
- Cefaleia em salvas: unilateral, sempre do mesmo lado (geralmente em região orbital, supraorbital e/ou temporal), forte intensidade (excruciante), durando de 15 a 180 minutos e com sinais autonômicos (lacrimejamento e hiperemia conjuntival, congestão nasal, rinorreia, sudorese frontal, miose, rubor facial, ptose e edema palpebral).
◦ oxigênio a 100% sob máscara, com fluxo de 10- 12 l/min durante 20 minutos;
◦ ou sumatriptano 6mg (SC, se disponível). Caso o paciente tenha utilizado algum medicamento vasoconstrictor, o sumatriptano deve ser evitado;
◦ Analgésicos comuns e opioides são ineficazes e não devem ser utilizados.
Outras orientações importantes:
– Manter o paciente em repouso, sob penumbra em ambiente silencioso, principalmente nos casos de enxaqueca.
– Se houver melhora clínica, o paciente recebe alta com orientação de acompanhamento ambulatorial com neurologista.
– Evitar opioide para crise: existem alternativas mais eficazes e que não têm o risco de abuso e dependência.
– Orientar sobre a baixa gravidade: não é necessária a realização de exames complementares na maioria das vezes quando o quadro for típico.
– Se não melhorar após 2h, encaminhar para avaliação de neurologista.
– Orientação de medidas educativas: sono regular, evitar bebidas alcoólicas, controle de estresse (técnicas de relaxamento, atividade física leve), lazer.
CENÁRIO 2: CEFALEIA CRÔNICA NÃO PROGRESSIVA
Diagnósticos etiológicos:
- Enxaqueca crônica: era um caso de enxaqueca episódica, que se transformou em crônica quase diária (>15 dias por mês), podendo perder algumas características tipicamente migranosas – tornando-se algo semelhante à cefaleia tensional – e sendo menos responsiva aos medicamentos.
- Cefaleia tensional crônica: mesmas características, mas frequência maior ( > 15 dias/mês).
Conduta: pode ser usado clorpromazina no tratamento agudo (como orientado acima), mas orienta-se a avaliação de um neurologista, até porque pode ser considerado um tratamento profilático. Também se recomenda a diminuição radical no uso de analgesia, já que este pode ser um dos fatores de cronificação.
CENÁRIO 3: CEFALEIA CRÔNICA PROGRESSIVA
Este padrão é o menos comum, mas deve-se estar atento para possíveis causas subjacentes que precisem ser investigada (cefaleia secundária).
Etiologias principais:
- Distúrbio intracraniano não vascular, como hipertensão liquórica ou tumor: dor diária de intensidade crescente, holocraniana, pior pela manhã e durante esforço físico ou manobra de Valsalva.
- Outros: hematoma subdural crônico, abscesso cerebral, cefaleia pós-traumática, hipertensão intracraniana idiopática, meningites crônicas (investigar HIV).
Conduta: encaminhar ao neurologista; atentar familiares para possíveis sinais de alerta que podem surgir (convulsões, vômitos, rebaixamento do nível de consciência, visão dupla, estrabismo ou perda de força.)
CENÁRIO 4: CEFALEIA NOVO OU COM MUDANÇA DO PADRÃO DE DOR PRÉVIA
Etiologias possíveis:
- Presença de febre: atentar para infecções do sistema nervoso central ou mesmo para infeções sistêmicas simples (gerando cefaleia como mero sintoma constitucional do quadro).
Conduta: investigar/tratar causa base e, se houver sinais de alerta (ver acima), solicitar parecer do neurologista.
- Cefaleia súbita (“a pior da vida”), com instalação abrupta e/ou sinais de alerta: hemorragia subaracnoidea aguda (HSA), hemorragia intraparenquimatosa (HIP), acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi), hidrocefalia aguda, trombose venosa cerebral.
Conduta: encaminhar para hospital terciário, a fim de ser avaliado por especialista (neurocirurgião ou neurologista) e possivelmente realizar exame de neuroimagem.
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Referências:
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