Logotipo Afya
Anúncio
Neurologia20 novembro 2025

Transtorno Funcional (TF): Fronteira entre Neurologia e Psiquiatria? 

Artigo tratou da importância de uma compreensão do Transtorno Funcional para fundamentar a prática clínica e orientar pesquisas futuras

Transtorno Funcional (TF) — antes conhecido como distúrbio de conversão — é uma das condições mais complexas e fascinantes da neurologia contemporânea. Ele se manifesta com sintomas neurológicos reais, como fraqueza, tremores, crises não epilépticas e alterações sensoriais, sem que haja lesão estrutural identificável.  

Um artigo de revisão publicado na International Journal of Molecular Sciences (2024) reuniu os principais avanços conceituais e diagnósticos sobre o TF, mostrando como a neurociência moderna tem desvendado os circuitos cerebrais envolvidos e transformado a compreensão dessa síndrome — antes vista como “psicológica”, hoje reconhecida como neurofuncional.  

Principais achados do artigo 

Epidemiologia revisada:  

O TF é a segunda causa mais comum de atendimento ambulatorial em neurologia, superado apenas pelas cefaleias.  

A incidência anual chega a 12 casos por 100.000 habitantes, com predominância feminina (~70%) e pico entre 30 e 40 anos.  

Casos pediátricos estão em ascensão, com até 18 por 100.000 crianças em estudos recentes.  

  • Etiologia multifatorial: O TF resulta da interação entre fatores neurobiológicos, psicológicos e sociais. Alterações em dopamina, serotonina e GABA, além de neuroinflamação e ativação microglial, reforçam que há uma base orgânica mensurável. Fatores emocionais — como estresse crônico e traumas precoces — podem atuar como gatilhos e perpetuadores do quadro. 
  • Traços de personalidade e experiências de vida: Históricos de trauma e negligência emocional na infância são mais prevalentes entre pacientes com TF, embora não universais. Traços como alto neuroticismo e baixa abertura foram observados, mas o artigo enfatiza que o TF não é uma expressão de “personalidade histérica”, e sim um distúrbio de integração cérebro-corpo. 
  • Mecanismos neurofisiológicos e explicações contemporâneas: 
    • Disfunção nas redes de saliência e emocionais, com hiperatividade da amígdala e do córtex cingulado. 
    • Alterações no giro temporoparietal direito, região ligada à autoagência — a sensação de controle sobre o próprio corpo. 
    • Modelos Bayesianos de codificação preditiva sugerem que o cérebro do paciente com TF interpreta incorretamente sinais internos, gerando sintomas autênticos a partir de previsões errôneas. 
    • Essa falha de integração explica manifestações como paresias, tremores, distúrbios de marcha, crises dissociativas e sintomas sensoriais. 
  • Avanços em neuroimagem: Estudos com fMRI, DTI e PET mostraram que o TF é um distúrbio de redes cerebrais — e não uma ausência de doença. 
    • Observa-se hiperatividade límbicaconectividade anômala entre áreas emocionais e motoras e redução da espessura cortical sensório-motora. 
    • Esses achados diferem claramente de padrões observados em indivíduos simulando sintomas, reforçando que o TF não é fingimento, mas um distúrbio neurofuncional genuíno.

Transtorno Funcional (TF): Fronteira entre Neurologia e Psiquiatria? 

Exame neurológico. Imagem de freepik

Exame físico no TF: sinais clínicos positivos e diagnóstico baseado em evidências  

  • Diagnóstico clínico positivo: O artigo reforça que o TF deve ser reconhecido com base em sinais neurológicos específicos, que diferem de doenças estruturais. O diagnóstico moderno do TF baseia-se na presença de incongruência e inconsistência nos achados clínicos — conceitos centrais na prática neurológica atual. 
  • Sinais de inconsistência: São aqueles em que a força ou o movimento variam conforme o contexto do exame (por exemplo, força normal durante distração e fraqueza quando o paciente é testado ativamente). Embora o artigo não cite as manobras por nome, ele faz referência à dissociação entre intenção e execução motora, observada tanto clinicamente quanto em estudos de neuroimagem. 
  • Sinais de incongruência: Referem-se a padrões de fraqueza, tremor ou distúrbio de marcha que não correspondem à anatomia ou fisiologia neurológica clássica. O texto explica que essas manifestações derivam de falhas na integração cérebro-corpo, e não de simulação. 
  • Importância do exame físico: Esses sinais positivos são essenciais para diferenciar TF de simulação (malingering) e de doenças neurológicas orgânicas. Além disso, os autores observam que a fMRI confirma essas diferenças, mostrando padrões cerebrais distintos entre TF genuíno e indivíduos simulando fraqueza, reforçando a validade biológica dos achados clínicos.

Por que este artigo é importante?  

O artigo consolida o TF como um diagnóstico positivo e neurobiologicamente fundamentado, não mais de exclusão. Mostra que o exame físico detalhado e contextualizado continua sendo o pilar diagnóstico — agora respaldado por evidências de neuroimagem funcional.  Ele também reforça a importância de uma abordagem multidisciplinar, com integração entre neurologia, fisioterapia, psiquiatria e psicologia, para restaurar a funcionalidade e reduzir o estigma.  

Além disso, aponta que a neuroimagem pode ajudar na estratificação de pacientes e na previsão de resposta terapêutica, abrindo caminho para tratamentos mais personalizados, como terapia cognitivo-comportamental, reabilitação motora e neuromodulação.  

Conclusão  

Transtorno Funcional (TF) representa o ponto de reencontro entre neurologia e psiquiatria.  Com os avanços em neuroimagem e compreensão de redes cerebrais, sabemos hoje que emoção, percepção e movimento fazem parte de um mesmo circuito.  Mais do que um enigma psicogênico, o TF é um distúrbio neurofuncional — e reconhecer seus sinais clínicos positivos é o primeiro passo para devolver ao paciente algo essencial: a confiança no próprio corpo.  

Autoria

Foto de Thiago Nascimento

Thiago Nascimento

Formado em Medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em 2015. Residência Médica em Neurologia no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) Salvador - Bahia (2016-2019). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Mestrando em Ciências da Saúde pela UFBA (PPGCs - UFBA). Preceptor da Residência de Neurologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Médico Neurologista - Membro do Ambulatório de Neuroimunologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Professor na Afya Educação Médica.

Como você avalia este conteúdo?

Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.

Compartilhar artigo

Referências bibliográficas

Newsletter

Aproveite o benefício de manter-se atualizado sem esforço.

Anúncio

Leia também em Neurologia