A migrânea é uma das causas mais comuns de cefaleia em pronto-socorro, representando cerca de um terço das visitas por dor de cabeça, com importante impacto na sobrecarga dos serviços de urgência. O manejo adequado da dor aguda é essencial para suprimento dessa demanda de forma rápida e eficaz. Além disso, a migrânea afeta a qualidade de vida e contribui para elevado absenteísmo laboral, reforçando sua relevância clínica e social.
Considerando a patogênese da migrânea, que ainda não é plenamente elucidada, há diversos agentes terapêuticos atuantes no alívio de dor: antieméticos, AINEs, triptanos, neurolépticos, antiepilépticos; enfim, um arsenal cuja escolha da droga ainda é um tópico de debate em ambientes de pronto-atendimento.
Embora diretrizes recomendem combinações e agentes isolados, comparações diretas entre múltiplas opções ainda são limitadas. Para esclarecer essa lacuna, a revista Annals of Emergency Medicine, em 2024, publicou revisão sistemática e meta-análise em rede bayesiana para comparar a eficácia e a segurança de diversas terapias farmacológicas para migrânea no contexto de pronto-atendimento.
Métodos
O protocolo da revisão sistemática foi registrado na PROSPERO e realizado de acordo com as diretrizes PRISMA. A revisão abrangeu busca nas bases de dados da MEDLINE, Embase e Web of Science, de sua origem até fevereiro de 2024.
Foram incluídos apenas ensaios clínicos randomizados com adultos com diagnóstico de migrânea atendidos em prontos-socorros, comparando ao menos dois fármacos ou um fármaco versus placebo.
Os principais desfechos analisados nos estudos foram: (1) Alívio adequado da dor em 2 horas, (2) Mudança na intensidade da dor em 1 hora, (3) Necessidade de medicação de resgate em 2 horas e (4) Ocorrência de eventos adversos significativos.
A meta-análise foi conduzida em rede Bayesiana (para desfechos dicotômicos) e abordagem frequentista (para desfecho contínuo), com avaliação da confiança via Confidence in Network Meta-analysis e classificação por SUCRA (Surface Under the Cumulative Ranking Curve), que expressa em percentual a probabilidade de uma terapia ser a melhor opção em eficácia ou segurança entre as comparadas.
Resultados
Entre os 3780 estudos rastreados, 64 foram incluídos na análise com mais de 2.900 pacientes. Entre os 64 ensaios clínicos, 24 estudos distribuíram aleatoriamente 2361 participantes para avaliação do desfecho de “alívio adequado da dor”; 24 com 2696 participantes designados aleatoriamente para avaliação de “mudança na intensidade da dor”; 27 com 2.942 participantes para avaliar “necessidade de medicamento de resgate” e, por fim, 22 ensaios clínicos designaram 2.450 participantes para avaliação de desfecho de “reação adversa significativa”.
Quanto aos resultados para desfecho de “alívio adequado da dor em até 2 horas”, a meta-análise da rede encontrou 4 agentes em comparação com o placebo estão associados ao aumento probabilístico de alívio adequado da dor em 2 horas: clorpromazina IV/IM (OR 9.79, IC 95% 3.42 a 24.42), proclorperazina IV/IM (OR 8.10, IC 95% 2.91 a 22.44), propofol (OR 5.77, IC 95% 1.45 a 24.04) e metoclopramida IV/IM (OR 3.91, IC 95% 1.93 a 8.11). A análise probabilística indicou que a clorpromazina IV/IM (através da avaliação do SUCRA = 87.3%) tem maior probabilidade de ser superior para alívio adequado da dor em 2 horas. Ibuprofeno IV, valproato IV e, possivelmente, cetorolaco IV/IM figuraram entre os menos eficazes para alívio da dor quando usados isoladamente.
Já os resultados para desfecho de “mudança na intensidade da dor em 1 hora”, houve evidência de inconsistência estatisticamente significativa na rede no nível geral (Qui² (9) = 45.84, p = 0.00) para mudança na intensidade da dor em 1 hora, portanto os resultados dessa análise não são generalizáveis.
Ao avaliar o desfecho para “necessidade de resgate de droga em 2 horas”, a metanálise da rede encontrou 9 agentes ou combinações de agentes em comparação com placebo estão associados a diminuição da probabilidade de necessidade de medicamento de resgate em 2 horas: metoclopramida IV + ibuprofeno IV (OR 0.01, IC 95% 0.00 a 0.38; nível de ‘alta certeza’), metoclopramida IV + dexcetoprofeno IV (OR 0.04, IC 95% 0.00 a 0.44; nível de ‘alta certeza’), clorpromazina IV/IM (OR 0.11, IVC 95%= 0,06 a 0,22; nível de ‘certeza moderada’), proclorperazina IV/IM (OR 0.15, IC 95% 0.07 a 0.30; nível de ‘certeza moderada’), metoclopramida IV + dexametasona IV (OR 0.15, IC 95% 0.04 a 0.56; nível de ‘certeza moderada’), lidocaína IV (OR 0.25, IC 95% 0.09 a 0.71; nível de ‘certeza moderada’), metoclopramida IV + lidocaína intranasal (OR 0.25, ic 95% 0.08 a 0.81; nível de ‘certeza moderada’), metoclopramida IV/IM (OR 0.25, IC 95% 0.15 a 0.40; nível de ‘certeza moderada’) e dexcetoprofeno IV (OR 0.27, IC 95% 0.13 a 0.60; nível de ‘certeza moderada’). A análise probabilística indicou que a clorpromazina IV/IM (SUCRA = 93.2%) como droga de maior probabilidade de ser superior em termos de necessidade para medicamento de resgate (sem necessidade de medicamento de resgate) em 2 horas.
A metanálise da rede encontrou 2 medicamentos em comparação com placebo estão associados ao aumento probabilidade de reação adversa significativa: propofol (OR 11.11, IC 95% 1.25 a 100.00) e clorpromazina IV (OR 4.17, IC 95% 1.64 a 12.50). A análise probabilística indicou que a dexametasona IV (SUCRA = 79,5%) foi o fármaco com menor probabilidade de causar efeitos adversos relevantes.
Discussão
Os resultados de meta-análise em rede são, em diferentes graus, consistentes com as diretrizes mais recentes. A American Headache Society de 2016, que cita 25 (39%) dos ensaios clínicos randomizados utilizados nesta revisão sistemática, recomenda que os clínicos “devem oferecer” metoclopramida IV, proclorperazina IV e sumatriptana SC, e “podem oferecer” clorpromazina por via parenteral. Já as recomendações da Canadian Headache Society de 2015, que cita 24 (38%) dos ensaios incluídos nesta revisão sistemática, “recomendam fortemente” a proclorperazina IV, a metoclopramida IV, a sumatriptana SC e o cetorolaco IV/IM, e “recomendam fracamente” a clorpromazina IV.
As sociedades americana e canadense justificam sua recomendação mais fraca para a clorpromazina IV devido à associação com efeitos adversos desagradáveis (ex. hipotensão arterial). Diante dos resultados de eficácia da clorpromazina IV/IM e do perfil de segurança menos favorável da via IV, os autores sugerem que a administração IM pode ser alternativa razoável, mantendo eficácia e reduzindo potenciais efeitos colaterais.
A atual epidemia de overdose de opioides está bem documentada. Embora o uso de opioides para tratamento de migrânea em departamentos de emergência nos Estados Unidos tenha caído 10% ao ano de 2010 a 2017, ainda permanece tão alto quanto 28%. A American Headache Society orienta que a hidromorfona IV “pode ser evitada”, e a Canadian Headache Society recomenda contra o uso de morfina IV e tramadol IM. Entre as 5 principais recomendações da American Academy of Neurology na campanha Choosing Wisely de 2013 reforçam que os clínicos devem evitar o uso de opioides “exceto como último recurso”, e o American College of Emergency Physicians recomenda “preferir o uso de medicamentos não-opioides no tratamento de cefaleias primárias agudas em pacientes no pronto-socorro”.
Esta revisão sistemática apresenta limitações: incluiu apenas estudos em inglês, assumiu que cristalóide IV não afeta resultados, enfrentou heterogeneidade clínica e conceitual (critérios diagnósticos, intensidade da dor, definição de desfechos, regimes). Além disso, as reações adversas agrupadas têm importância clínica variável, a notificação foi pouco padronizada e amostras pequenas podem mascarar heterogeneidades relevantes, ampliando a incerteza das estimativas.
Mensagem prática
Em pronto-atendimento, clorpromazina IV/IM e combinações de metoclopramida + AINE surgem como opções eficazes para alívio rápido da migrânea, mas efeitos colaterais devem ser monitorados. Dexametasona pode atuar como adjuvante, com perfil de segurança favorável. Ainda assim, a decisão deve considerar protocolos locais e o perfil individual de cada paciente, dado o nível de evidência ainda limitado para segurança e comparações diretas.
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