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Neurologia10 julho 2025

Terapia médica otimizada vs revascularização: o que mostra o ECST-2 até agora? 

Por Danielle Calil

O manejo atual de estenose carotídea sintomática é ainda baseado em resultados de ensaios clínicos conduzidos há mais de três décadas. As diretrizes, baseadas nesses estudos, recomendam revascularização carotídea em pacientes com estenose carotídea sintomática entre 70-99% recente, além de alguns subgrupos de pacientes com estenose sintomática recente entre 50-69%.  

No entanto, tais achados, embora relevantes à época, foram obtidos em um cenário em que o “melhor tratamento clínico” não se compara à eficácia atual da prevenção cerebrovascular. Logo, é necessário reavaliar a necessidade desses procedimentos invasivos na população com estenose carotídea assintomática ou estenose sintomática de baixo risco. 

Mais recentemente, dois ensaios clínicos randomizados (SPACE-2 e ACTRIS/AMTEC) investigaram o papel da revascularização em pacientes com estenose carotídea assintomática, sob tratamento clínico contemporâneo. Nenhum dos dois demonstrou benefício claro da revascularização em relação ao tratamento clínico isolado — e ambos foram encerrados precocemente. 

Nessa conjuntura, a Lancet Neurology publica nesse ano os resultados interinos de 2 anos do estudo ECST-2. O ECST-2 trial investiga a eficácia da terapia médica otimizada isolada (OMT) em comparação à OMT associada à revascularização carotídea na população com estenose carotídea assintomática e com estenose carotídea sintomática com risco cerebrovascular baixo-intermediário em 5 anos. A estimativa do risco cerebrovascular dos pacientes com estenose carotídea sintomática em 5 anos foi avaliada a partir da aplicação do escore Carotid Artery Risk (CAR). 

Métodos 

Trata-se de ensaio clínico internacional, multicêntrico, aberto, randomizado e controlado, conduzido em 30 centros com expertise em AVC e em revascularização carotídea na Europa e Canadá.  

Os critérios de inclusão foram pacientes com estenose carotídea ≥ 50% de acordo com o critério NASCET. Os pacientes com estenose carotídea sintomática deveriam apresentar risco baixo de AVC ipsilateral em 5 anos a partir da estimativa com aplicação do escore CAR < 20%. Já os pacientes com estenose carotídea assintomático deveriam ser assintomáticos por pelo menos 180 dias com baixo risco (5%) em 5 anos para AVC ipsilateral com uso apenas de terapia médica otimizada.  

Os critérios de exclusão constituíram casos de participantes com histórico prévio de endarterectomia carotídea (CEA) ou terapia endovascular com stent em carótida (CAS). 

Os participantes do estudo foram randomizados por sistema online, de modo que foram alocados em dois grupos, em taxa 1:1, sendo um grupo que recebeu OMT apenas e o outro grupo com OMT + revascularização carotídea. Os desfechos foram avaliados de forma cega por especialistas independentes. 

A terapia médica otimizada (OMT) constitui medidas farmacológicas e não-farmacológicas para redução do risco cerebrovascular, através das seguintes metas: dieta com baixo nível de colesterol, controle pressórico com anti-hipertensivos, cessar tabagismo e etilismo, controle de peso ponderal, controle de diabetes mellitus, terapia anti-trombótica baseada em guidelines. A combinação de terapia dupla antiplaquetária foi recomendada para casos, como: pacientes após AIT e AVCi minor por 3 meses, pacientes antes de revascularização carotídea (seja CAS ou CEA), pacientes submetidos à CAS por 6 semanas, a não ser que pacientes requeiram anticoagulação dose plena. Em pacientes alocados à revascularização carotídea (CEA, ou CAS se preferível pelos investigadores locais), o procedimento deveria ser realizado assim que possível e não ultrapassando período acima de 2 semanas após a randomização para participantes com estenose sintomática e acima de 4 semanas após a randomização para estenoses assintomáticas. 

Durante o período do estudo, os participantes foram convidados para visitas de follow-up entre 4-6 semanas, 6 meses e anualmente após a randomização. Além disso, ressonância de crânio (pacientes com contraindicação realizaram TC de crânio) foi performada durante o período de randomização, antes do procedimento de revascularização (se aplicado) e 2 anos após a randomização.  

O desfecho primário foi traçado de forma hierárquica incluindo as seguintes variáveis: (1) óbito periprocedimento, AVC fatal ou infarto do miocárdio fatal; (2) AVC não fatal; (3) infarto do miocárdio não fatal; (4) “novo” infarto cerebral silencioso na imagem. Essa análise utilizou o método “win ratio”, método estatístico usado principalmente em ensaios clínicos que envolvem desfechos compostos hierárquicos considerando suas diferentes importâncias clínicas.  

Resultados 

Entre Março/2012 e Outubro/2019, 429 participantes foram randomizados e alocados para grupo submetido à terapia OMT apenas (n = 215) e para grupo OMT + revascularização carotídea (n = 214). Um paciente alocado ao grupo OMT isolado retirou o consentimento dentro de 48 horas e não foi incluído nas análises. Um total de 404 participantes (94% da amostra) completaram os procedimentos do estudo em período de 2 anos. 

A idade mediana foi 72 anos, sendo 69% homens. Cada grupo continha 40% de participantes com estenose carotídea sintomática e 60% estenose assintomática. Durante o período de 2 anos do estudo, a adesão à terapia médica otimizada (OMT) foi alta e similar em ambos os grupos, sendo 97-8% tratados com hipolipemiantes e 86-87% sob uso adequado de anti-hipertensivos. 

Quanto à análise de desfecho primário, após 2 anos, não houve diferença significativa entre os grupos (win ratio 1.01; IC 95% 0.60–1.70; p = 0.97). Poucas diferenças foram observadas entre os grupos quanto à análise de desfechos secundários, como: componentes individuais do desfecho composto hierárquico; morte por todas as causas e morte cardiovascular; subtipos de AVC (por exemplo, ipsilateral, isquêmico e hemorrágico); AIT (acidente isquêmico transitório); hospitalização por qualquer causa; subtipos de novos infartos cerebrais em exames de imagem (por exemplo, ipsilateral em relação à artéria randomizada, contralateral, subcortical e silencioso ou precedido por sintomas); e declínio funcional (através da Escala de Rankin modificada). Análise de subgrupos realizadas nesse ensaio clínico não demonstrou benefício a favor da revascularização.  

Discussão 

Até o início do ECST-2, nenhum estudo havia testado, de forma prospectiva, os riscos e benefícios da revascularização carotídea com base em modelos individualizados de estratificação de risco, além do critério anatômico da porcentagem de estenose ou da presença de sintomas.  

O estudo ECST-2 inova ao incluir tanto pacientes assintomáticos quanto sintomáticos com estenose carotídea ≥50%, desde que apresentassem risco estimado de AVC em 5 anos inferior a 20% conforme o escore CAR (Carotid Artery Risk). 

Neste ensaio clínico, no período de 2 anos, não houve benefício adicional da revascularização carotídea em relação ao tratamento médico otimizado (OMT) isolado. Diante disso, o ECST-2 reforça a ideia de que muitos pacientes com estenose carotídea, desde que bem estratificados, podem ser tratados com segurança apenas com medidas clínicas, poupando intervenções invasivas desnecessárias e otimizando recursos em saúde. 

Ainda assim, esses resultados do ECST-2 não possibilitam descartar a possibilidade de que a revascularização carotídea possa oferecer um benefício pequeno a moderado na amostra após os 2 anos. Inclusive, por esse motivo, os autores do estudo se propõe a continuar o seguimento por até 5 anos após a randomização. Um dado interessante relatado na discussão do artigo é que na análise de curvas de risco de Kaplan–Meier é demonstrado uma estabilização dos desfechos nos primeiros 2 anos de acompanhamento, sugerindo que um seguimento mais prolongado pode não favorecer a revascularização. 

Além disso, destaca-se a excelente adesão à terapia médica otimizada encontrada nesse estudo, demonstrando boas evidências para reforçarmos estratégias agressivas de controle de fatores de risco para efetivamente prevenir eventos cerebrovasculares.  

Uma limitação do estudo relacionado à análise interina inclui o fato do número de pacientes incluídos ser relativamente pequeno. Ainda assim, os resultados devem orientar o desenho e o cálculo do tamanho amostral de futuros ensaios.   

Mensagem prática  

Para pacientes com estenose carotídea ≥50% e risco estimado de AVC <20% nos próximos 5 anos, a terapia médica otimizada isolada parece suficiente para prevenção de eventos clínicos e subclínicos no curto prazo. A revascularização não demonstrou benefício adicional em 2 anos. A adoção de modelos de risco individuais, como o escore CAR, pode orientar decisões clínicas e evitar procedimentos invasivos desnecessários, com potencial impacto na redução de custos e complicações.

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Referências bibliográficas

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