A Síndrome Miastênica de Lambert-Eaton (LEMS) é uma doença autoimune rara do nervo motor pré-sináptico, caracterizada pela tríade de fraqueza proximal, hiporreflexia e disfunção autonômica.
Apesar de conhecida há décadas, o reconhecimento clínico precoce ainda é um desafio — especialmente porque seus sintomas podem simular outras miastenias, neuropatias e até miopatias.
Fisiopatologia
A LEMS é causada por autoanticorpos contra os canais de cálcio dependentes de voltagem (P/Q-type VGCC), presentes na membrana pré-sináptica da junção neuromuscular. Esses anticorpos reduzem a entrada de cálcio e, consequentemente, diminuem a liberação de acetilcolina (ACh), levando à falha na transmissão neuromuscular.
Em condições normais, o potencial de ação promove a abertura desses canais, influxo de cálcio e liberação de vesículas de ACh. Na LEMS, esse processo é bloqueado — resultando em fraqueza muscular e disfunção autonômica.
Até 60% dos casos estão associados a neoplasias, especialmente o carcinoma de pequenas células do pulmão (SCLC), caracterizando a forma paraneoplásica da doença.

Epidemiologia e prognóstico: Síndrome Miastênica de Lambert-Eaton
A LEMS tem prevalência estimada em 10 casos por milhão, sendo cerca de 50 vezes menos comum que a miastenia gravis. O tipo paraneoplásico predomina em homens com média de idade entre 58 e 60 anos, enquanto a forma idiopática (não tumoral) é mais comum em mulheres na faixa dos 50 anos.
O prognóstico depende da causa subjacente:
- Sem tumor: expectativa de vida normal, embora com sintomas crônicos que afetam a qualidade de vida.
- Com SCLC: sobrevida mediana de 18 meses, mas curiosamente maior do que pacientes com SCLC isolado, possivelmente por diagnóstico mais precoce devido à investigação neurológica.
Manifestações clínicas
A tríade clássica inclui:
- Fraqueza proximal — predominante em membros inferiores, com progressão para membros superiores.
- Hiporreflexia ou arreflexia — reflexos reduzidos ou ausentes, mas que melhoram após breve exercício, um achado quase patognomônico.
- Disfunção autonômica — presente em até 80% dos casos, manifestando-se como boca seca, constipação, hipotensão ortostática, disfunção erétil e sintomas urinários.
A fraqueza ocular e bulbar é geralmente leve (ao contrário da miastenia gravis), e o comprometimento respiratório é raro.
A presença de ataxia, dismetria ou disdiadococinesia pode sugerir degeneração cerebelar paraneoplásica, observada em até 10% dos casos com SCLC.
Diagnóstico e exames complementares
O diagnóstico baseia-se na clínica e confirmação laboratorial/eletrofisiológica.
- Sorologia:
Anticorpos contra VGCC tipo P/Q são positivos em cerca de 85-90% dos pacientes e são altamente específicos para LEMS. Anticorpos contra canais do tipo N e L podem estar presentes, mas têm valor diagnóstico limitado.
- Eletrofisiologia:
O padrão eletrofisiológico característico inclui a tríade:
- Baixa amplitude do potencial de ação composto (CMAP) em repouso.
- Decremento com estimulação repetitiva lenta (2–3 Hz).
- Incremento ≥ 100% após exercício breve (10 s) ou estimulação rápida (50 Hz) — o chamado sinal de facilitação pós-exercício.
Estudos mostram que reduzir o ponto de corte para 60% de incremento melhora a sensibilidade diagnóstica de 85% para 97%, sem perda de especificidade.
O single-fiber EMG também pode ser utilizado quando há alta suspeita e exames convencionais negativos.
- Busca por malignidade:
Dada a forte associação com SCLC, recomenda-se rastreamento oncológico periódico (a cada 3–6 meses por 2 anos).
O DELTA-P score (Dutch-English LEMS Tumor Association Prediction) auxilia a estimar o risco de tumor oculto e guiar a frequência dos exames de imagem.
Tratamento
O tratamento combina manejo da causa de base, terapia sintomática e imunomodulação.
- Terapia sintomática:
O fármaco de escolha é a 3,4-diaminopiridina (3,4-DAP), que bloqueia canais de potássio e prolonga a despolarização pré-sináptica, aumentando a liberação de ACh.
Dose inicial: 10 mg três vezes ao dia, podendo ser titulada até 80 mg/dia (risco de crise convulsiva acima desse limite).
O medicamento melhora força e fadiga em poucos dias, sendo considerado o tratamento padrão.
- Imunoterapia:
Para casos graves ou refratários, indicam-se imunoglobulina intravenosa (IVIg), plasmaférese e imunossupressores (prednisona, azatioprina, rituximabe). Quando a doença é paraneoplásica, o tratamento do tumor é fundamental para o controle dos sintomas neuromusculares.
- Acompanhamento:
Deve envolver oncologia, neurologia e fisioterapia. Mesmo após controle inicial, a recidiva é possível, justificando seguimento contínuo.
Conclusão
A Síndrome Miastênica de Lambert-Eaton é um exemplo clássico de como um exame clínico atento e conhecimento fisiopatológico podem mudar o curso da doença. Diante de fraqueza proximal com hiporreflexia que melhora após exercício, o neurologista deve pensar em LEMS — e agir rápido. Diagnóstico precoce significa melhor resposta terapêutica, chance de identificar um tumor oculto e melhor prognóstico funcional e de sobrevida.
Autoria

Thiago Nascimento
Formado em Medicina pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em 2015. Residência Médica em Neurologia no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS) Salvador - Bahia (2016-2019). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Mestrando em Ciências da Saúde pela UFBA (PPGCs - UFBA). Preceptor da Residência de Neurologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Médico Neurologista - Membro do Ambulatório de Neuroimunologia do HU- UFS - (Ebserh - Aracaju- SE). Professor na Afya Educação Médica.
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