Segurança de dietas no tratamento da epilepsia infantil resistente a fármacos
A epilepsia resistente a medicamentos (ERM), compreendendo quase 30% das crianças com epilepsia, é uma condição de difícil tratamento.
Embora a cirurgia de epilepsia infantil seja uma opção de tratamento curativo cirurgicamente favorável, modalidades alternativas, como terapias dietéticas, são frequentemente usadas na falha de dois ou mais anticonvulsivantes adequadamente escolhidos enquanto se aguarda a cirurgia da epilepsia, no caso de epilepsia resistente a medicamentos (ERM) não cirúrgica e em distúrbios neurometabólicos específicos.
As dietas cetogênicas (DC) são utilizadas há mais de um século com resultados promissores, mas com dificuldades de adesão. No entanto, nas últimas duas décadas houve entusiasmo pela evolução de dietas menos restritivas e com melhor palatabilidade, como a dieta de Atkins modificada (DAM) e a terapia de baixo índice glicêmico (TBIG). Além disso, existem estudos sobre o uso de DC em lactentes com ERM e em crianças com estado de mal epiléptico refratário. Várias terapias dietéticas abrangem diferentes DC, incluindo a DC clássica, DC com taxas cetogênicas mais baixas, DC com triglicerídeos de cadeia média (DC-TCM) e dietas menos restritivas, como DAM e a TBGI. A DC clássica, com uma proporção cetogênica de 4:1, deriva 80% da ingestão total de energia de gordura e o restante de carboidratos e proteínas combinados. A DAM e a TBIG visam restringir a ingestão diária de carboidratos a 10 a 20 g e 40 a 60 g (usando produtos dietéticos de baixo índice glicêmico), respectivamente, sem quaisquer proporções cetogênicas fixas. Contudo, nos últimos anos, apesar dos avanços na compreensão das terapias dietéticas em crianças com epilepsia resistente a medicamentos (ERM), não havia estudos comparando quantitativamente as diferentes intervenções dietéticas.
Metodologia
Com o objetivo de responder à pergunta “Como é a eficácia comparativa e a segurança de diferentes terapias dietéticas na epilepsia resistente a medicamentos (ERM) na infância?”, pesquisadores da Índia conduziram uma revisão sistemática e metanálise de rede (frequentista) de estudos no PubMed, Embase, Cochrane e Ovid publicados desde o início até abril de 2022 usando os termos de pesquisa: ketogenic diet, medium chain triglyceride diet, modified Atkins diet, low glycemic index therapy, e refractory epilepsy.
Foram incluídos ensaios clínicos randomizados comparando diferentes terapias dietéticas (DC, DAM e TBIG) entre si ou cuidados habituais na epilepsia resistente a medicamentos na infância. Os principais desfechos de segurança e eficácia foram: 50% ou mais e 90% ou mais de redução na frequência de convulsões em curto prazo (3 meses) e suspensão do tratamento devido a eventos adversos.
Resultados
De um total de 2.158 citações, 12 ensaios clínicos randomizados (907 pacientes) foram qualificados para inclusão. No geral, 676 participantes foram alocados aleatoriamente para intervenções dietéticas com a DC (DC clássica ou TCM), DAM ou TBIG, e 257 participantes para cuidados habituais. A idade média na inscrição no estudo foi de 4,6 anos (relatada em 9 estudos) e 627 participantes (67%) eram meninos. A idade média no início das crises foi de 1,4 anos, enquanto a frequência média das crises foi de 27,1 por dia (relatado em 6 e 8 ensaios randomizados controlados, respectivamente).
No curto prazo, todas as intervenções dietéticas foram mais eficazes do que os cuidados habituais para 50% ou mais de redução de convulsões (TBIG: odds ratio [OR], 24,7, intervalo de confiança de 95% [IC 95%] 5,3-115,4); DAM (OR , 11,3 [IC 95%, 5,1-25,1]) DC (OR, 8,6 [IC 95%, 3,7-20,0]), enquanto a DC (OR, 6,5 [IC 95%, 2,3-18,0]) e a DAM (OR, 5,1 [IC 95% 2,2-12,0]) foram melhores do que os cuidados habituais para redução de convulsões de 90% ou mais. No entanto, as taxas de descontinuação relacionadas a eventos adversos foram significativamente maiores para a DC (OR, 8,6 [IC 95%, 1,8-40,6]) e para a DAM (OR, 6,5 [IC 95%, 1,4-31,2]) em comparação com cuidados habituais. Indiretamente, não houve diferença significativa entre as terapias dietéticas nos resultados de eficácia e segurança. Os eventos adversos descritos foram: vômitos, diarreia, dor abdominal, constipação, falta de energia, aumento das convulsões, anorexia, infecção, fome, perda de peso, hematúria, distúrbios do sono, dislipidemia, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, escorbuto, prolongamento do intervalo QTc, encefalopatia hiperamonêmica, litíase renal, hipercalciúria, hiperuricemia e trombocitopenia.
Em suma, nessa revisão sistemática e metanálise de rede, todas as intervenções dietéticas foram consideradas mais eficazes do que os cuidados habituais para a redução de convulsões em curto prazo de 50% ou mais e 90% ou mais. Todavia as taxas de descontinuação relacionadas a eventos adversos foram significativamente maiores com a DC e a DAM. A DAM com melhor tolerabilidade e maior probabilidade de redução de convulsões de 50% ou mais pode ser uma opção mais robusta do que uma DC.
Conclusão
Os pesquisadores concluíram que todas as terapias dietéticas (DC, DAM e TBIG) são eficazes para 50% ou mais de redução de convulsões em curto prazo em comparação com os cuidados habituais. A DC e a DAM foram melhores do que os cuidados habituais para resultados de eficácia significativos de curto prazo, ou seja, 90% ou mais e 100% de redução de convulsões, enquanto a comparação com a TBIG e diferentes proporções cetogênicas de 2,5:1, 4:1 e DC-TCM foram imprecisas, afirmando uma relativa falta de evidências robustas para eles. A DAM com melhor tolerabilidade e uma probabilidade maior de 50% ou mais de redução de convulsões e probabilidade comparável de 90% ou mais de redução de convulsões e ausência de convulsões parece ser uma opção mais robusta do que a DC. Houve uma escassez de estudos com foco nos resultados intermediários e de longo prazo de DC, DAM e TBIG. Estudos comparativos diretos no futuro são necessários para confirmar ainda mais essas descobertas.
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