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Neurologia10 dezembro 2025

Radioterapia adjuvante de-escalonada é eficaz em câncer de orofaringe

Radioterapia adjuvante de-escalonada mostrou menos toxicidade e mesma eficácia em parte dos pacientes com câncer de orofaringe por HPV. Leia o estudo!

O câncer de orofaringe associado ao HPV é hoje um dos tumores que mais crescem nos países desenvolvidos, especialmente entre homens de meia-idade com poucos fatores de risco clássicos como o tabagismo. Graças à alta sensibilidade tumoral à radioterapia e à quimioterapia, esses pacientes apresentam excelentes taxas de cura, frequentemente superiores a 90%. O problema é que o preço desse sucesso tem sido alto: sequelas crônicas como xerostomia, disfagia, fibrose cervical, osteorradionecrose e perda auditiva comprometem gravemente a qualidade de vida. 

Por isso, há quase uma década a comunidade oncológica busca desintensificar o tratamento, mantendo a cura, mas com menos agressividade. A hipótese é que, se o tumor é mais radiossensível, talvez não seja necessário o mesmo volume e dose de radiação de um carcinoma escamoso tradicional do trato aerodigestivo superior. O estudo MC1675, conduzido pela Mayo Clinic e publicado no Lancet Oncology em setembro de 2025, é o primeiro ensaio clínico de fase 3 a testar de forma robusta uma redução radical de dose: 30-36 Gy em 2 semanas, comparado ao padrão de 60 Gy em 6 semanas. O objetivo era simples e direto, visando verificar se essa estratégia mantém o controle da doença com muito menos toxicidade.

radioterapia em câncer de orofaringe

Desenho metodológico 

O MC1675 foi um ensaio clínico randomizado, aberto e controlado, conduzido em dois centros da Mayo Clinic (Minnesota e Arizona). Foram incluídos pacientes adultos com carcinoma epidermoide de orofaringe positivo para HPV, estágios III-IV (AJCC 7ª edição), todos operados com intenção curativa e com margens livres. Todos precisavam ter pelo menos um fator de risco patológico intermediário (como invasão linfovascular, invasão perineural, linfonodo >3 cm ou dois ou mais linfonodos acometidos) ou o fator de alto risco clássico: extensão extranodal (ENE). 

A randomização foi feita em proporção 2:1, favorecendo o grupo experimental de radioterapia de-escalonada (DART). Os pacientes sem ENE receberam 30 Gy em 1,5 Gy duas vezes ao dia por 2 semanas, mais docetaxel 15 mg/m² nos dias 1 e 8. Aqueles com ENE receberam um pequeno reforço na área comprometida, totalizando 36 Gy. Já o grupo padrão recebeu 60 Gy em 2 Gy/dia por 6 semanas, com cisplatina 40 mg/m² semanal. 

O desfecho primário foi a taxa de toxicidade crônica grau 3 ou maior entre 3 e 24 meses após o tratamento. Desfechos secundários incluíram sobrevida global (SG), sobrevida livre de progressão (SLP), controle locorregional, metástase à distância e qualidade de vida (QOL) medida por instrumentos padronizados como FACT-HN, EORTC QLQ-HN35 e XeQoLS (xerostomia). 

O estudo teve poder estatístico de 90% para detectar uma redução na toxicidade de 25% para 7%. 

População envolvida 

Entre outubro de 2016 e agosto de 2020, 254 pacientes foram triados; 228 foram randomizados e 194 completaram o tratamento (130 na DART e 64 no padrão). A idade média foi de 59 anos, com predominância masculina (89%) e população majoritariamente branca (95%). A maioria apresentava tumores de amígdala ou base de língua, e cerca de 70% eram não fumantes. 

Todos os pacientes foram operados por via transoral (robótica ou laser) seguida de esvaziamento cervical seletivo. O acompanhamento mediano foi de 37 meses, tempo suficiente para avaliar recidiva e toxicidades tardias. 

Resultados  

  • Toxicidade:

O principal achado foi a redução significativa das toxicidades graves. Entre 3 e 24 meses após o tratamento, 3% dos pacientes do grupo DART tiveram eventos grau ≥3, contra 11% no grupo padrão (p=0,042). A necessidade de sonda de alimentação por gastrostomia (PEG) caiu de 8% para 2% (p=0,039). As toxicidades mais comuns no grupo experimental foram disfagia e esofagite leve; no grupo padrão, disfagia grave, dor e osteonecrose mandibular. 

Além disso, o tempo médio de toxicidade crônica foi menor: 2 meses no grupo DART contra 3 meses no grupo padrão. Em linguagem prática, os pacientes voltaram a comer, falar e viver normalmente mais rápido. 

  • Qualidade de vida:

Os ganhos funcionais foram expressivos e persistentes. Xerostomia medido pelo XeQoLS foi significativamente menor até 2 anos (média 4,6 vs 8,5; p=0,0034). Na escala de dor e deglutição do EORTC HN35, o grupo DART teve melhores escores (5,5 vs 14,2 e 5,0 vs 14,5, respectivamente; p<0,01). No questionário global FACT-HN, a diferença média aos 24 meses foi de +7,4 pontos a favor da DART, equivalente ao que se espera após reabilitação fonoaudiológica intensiva. 

  • Eficácia oncológica:

As taxas de sobrevida global e controle da doença foram excelentes em ambos os braços. 

– SG em 2 anos: 96,9% (DART) vs 98,3% (p=0,5) 

– SLP em 2 anos: 88,2% vs 96,6% (p=0,02, diferença concentrada em pacientes com ENE) 

– Controle locorregional: 95,9% vs 98,3% (p=0,26) 

Ou seja, a redução de dose não comprometeu a eficácia para a maioria, especialmente entre os de risco intermediário (sem ENE). Já no grupo com ENE (alto risco), houve mais recidivas e metástases à distância com a DART, indicando que talvez o esquema seja seguro apenas para tumores realmente confinados e com poucos fatores adversos. 

Um dado interessante: entre os pacientes sem ENE (coorte A), a SLP foi de 98% com DART, praticamente idêntica ao padrão. Em contrapartida, entre os de alto risco (coorte B, com ENE), a SLP caiu para 81% vs 97% no padrão (p=0,0049). 

Considerações clínicas e implicações para a prática 

O MC1675 é um divisor de águas na discussão sobre desintensificação do tratamento do câncer de orofaringe por HPV. Os resultados confirmam que é possível reduzir a dose pela metade, de 60 para 30-36 Gy, com preservação da eficácia e ganhos reais de qualidade de vida, desde que o paciente tenha risco intermediário e margens cirúrgicas negativas. 

Do ponto de vista clínico: 

 1) Menos semanas, menos sequelas. O protocolo de 2 semanas é mais curto, menos tóxico, reduz custos e sofrimento. Muitos pacientes voltaram ao trabalho e à alimentação sólida em menos tempo. 

2) Evite em casos com extensão extranodal. Pacientes com ENE ou N2 tiveram mais metástases e pior SLP, sugerindo que o regime é insuficiente para doença mais agressiva. 

3) Docetaxel leve é seguro. O uso de duas doses semanais substituiu a cisplatina e foi bem tolerado, sem toxicidade hematológica importante. 

4) A importância de selecionar bem o paciente. A desintensificação não é para todos. Ela depende de cirurgia bem-feita, margens negativas e fatores de risco limitados. 

Na prática diária, esse estudo sinaliza que a radioterapia de baixa dose pode ser uma alternativa segura para parte dos pacientes com câncer de orofaringe por HPV, reduzindo significativamente disfunções de fala e deglutição, uma das principais queixas dos sobreviventes. 

Ainda não é tempo de mudar diretrizes amplamente, mas o caminho está traçado: personalizar o tratamento, equilibrando cura e qualidade de vida. Em resumo, menos pode ser o suficiente, desde que seja feito com critério.

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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