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Neurologia15 novembro 2022

Qual melhor tratamento para estenose carotídea assintomática moderada-grave?

A estenose carotídea assintomática é a presença de doença aterosclerótica carotídea em indivíduos sem AVC isquêmico ou AIT ipsilateral. 

Por Danielle Calil

A doença aterosclerótica carotídea é estimada como a causa de 10% a 15% dos casos de AVC isquêmico ou AIT. Dessa forma, há uma grande importância em definir a melhor abordagem possível para aqueles pacientes que descobriram, de forma incidental, uma estenose carotídea assintomática. 

A estenose carotídea assintomática é definida como a presença de doença aterosclerótica carotídea em indivíduos que não apresentaram história, pelo menos nos últimos seis meses, de AVC isquêmico ou AIT ipsilateral. 

Leia também: Como tratar a glicose em um paciente com AVC? O papel do não-neurologista 

A doença aterosclerótica carotídea pode ser definida em três principais graus:
Leve: estenose inferior a 50%.
Moderado: estenose entre 50-69%.
Grave: estenose entre 70-99% 

Como já mencionado, o risco de acidentes cerebrovasculares é a complicação mais temerária em indivíduos com estenose carotídea, embora saiba-se que o risco em pacientes assintomáticos é baixo. Há uma estimativa de que o risco anual de AVC ipsilateral em pacientes com estenose carotídea assintomática 50% gira em torno de 0.5-1% anualmente.  

Contudo, há fatores que podem ampliar esse risco de AVC, como: progressão do grau de estenose, evidência de êmbolos assintomáticos em Doppler transcraniano, infartos embólicos silenciosos em neuroimagem, características morfológicas da placa, entre outros. 

As opções terapêuticas para estenose carotídea assintomática circundam entre endarterectomia carotídea, angioplastia de carótida e terapia médica (controle de pressão arterial, cessar tabagismo/álcool, perda de peso ponderal, controle glicêmico, prescrição de anti-trombóticos e estatinas).  

No que cerne ao melhor tratamento para estenoses carotídeas moderadas-graves, ainda há uma grande discussão na comunidade médica. 

médicos realizando cirurgia para estenose carotídea

O que há de evidências pregressas? 

As recomendações atuais para abordagem de estenose carotídea assintomática são baseadas em três ensaios clínicos principais que foram realizados há mais de duas décadas: Veterans Affairs Study, Assymptomatic Carotid Atherosclerosis Study (ACAS) e Assymptomatic Carotid Surgery Trial (ACST). 

Nesses ensaios clínicos, foi demonstrado resultados favoráveis à endarterectomia carotídea assintomática com grau 50% (VA) e 60% (ACAS e ACST-1). O ensaio ACST-1, publicado em 2004, foi um estudo que também forneceu dados sobre desfechos favoráveis em follow-up mais longo em torno de 5 anos (mediana de 3.4 anos) após randomização. 

Em metanálise provida pelo guideline da European Stroke Journal em 2021, a comparação de endarterectomia carotídea (CEA) com a melhor terapia médica disponível (BMT) demonstrou evidências de qualidade moderada na redução de AVC ipsilateral, de AVC de qualquer território e de óbito peri-procedimento. 

No que cerne a comparação entre angioplastia de carótida (CAS) e melhor terapia médica disponível (BMT) para a população com estenose carotídea assintomática moderada-grave, as evidências são poucas. Essa comparação foi avaliada e descrita no guideline da European Stroke Journal, porém a qualidade de evidência é frágil. As evidências descritas nessa diretriz foram baseadas nos resultados de um ano de follow-up do estudo SPACE-2 que será mencionado a seguir.  

Esse panorama entre CAS versus BMT pode futuramente mudar em vista de um ensaio clínico que possui esse braço de comparação e, atualmente, está em fase de recrutamento: o estudo Carotid Revascularization and Medical Management for Asymptomatic Carotid Stenosis Trial (CREST-2).  

Um outro assunto debatido e estudado é a comparação entre as terapias invasivas de endarterectomia carotídea e angioplastia de carótida. Em 2021, a Lancet Neurology publicou o estudo ACST-2 em que comparou, de forma randomizada, essas terapias invasivas com avaliação após um mês do procedimento e depois anualmente, num período médio de cinco anos. Para pacientes com estenose carotídea assintomática, o risco de AVC não relacionado ao procedimento em ambos os grupos foi similar. 

Leia também: Iniciar DOACs precoce ou tardiamente em um paciente após AVC isquêmico? 

Há um estudo que compare as três terapias? 

Esse ano, a Lancet Neurology publicou o ensaio clínico SPACE-2, que é um dos primeiros ensaios clínicos que traz dados sobre a comparação das três opções terapêuticas (endarterectomia carotídea, angioplastia carotídea e terapia médica) para indivíduos com estenose carotídea assintomática moderada-grave. 

Como foi o estudo? O SPACE-2 foi ensaio clínico de fase 3, aberto, randomizado, multicêntrico. Inicialmente apresentou desenho do estudo com três braços: (1) melhor terapia médica (BMT), (2) endarterectomia carotídea (CEA) e (3) angioplastia de carótida (CAS). Contudo, em decorrência de baixo recrutamento, o desenho foi alterado para dois ensaios com dois braços: (1) SPACE-2a: comparação entre grupo submetido à CEA + BMT versus grupo com BMT e (2) SPACE-2b: comparação entre grupo submetido à CAS + BMT versus grupo com BMT.  

Em ambos os ensaios clínicos, o desfecho primário estudado foi avaliação de incidência cumulativa de qualquer AVC (isquêmico ou hemorrágico) ou óbito por qualquer causa dentro de 30 dias ou AVC isquêmico dentro de cinco anos após tratamento com CEA ou CAS. 

O estudo infelizmente foi interrompido prematuramente em 2014 pois, mesmo com a modificação do desenho do estudo, o recrutamento permaneceu baixo. O plano de recrutamento inicial girava em torno de 3640 participantes, enquanto os resultados avaliados ocorreram a partir da análise de 513 participantes.  

A incidência cumulativa de qualquer AVC ou óbito por qualquer causa dentro de 30 dias ou AVC ipsilateral em cinco anos foi 2.5% no grupo de CEA+BMT, 4.4% em CAS+BMT e 3.1% em BMT apenas. Não houve diferença significativa nos grupos de tratamento (p = 0.62). Ademais, não foi evidenciado diferença no risco de eventos dos desfechos primários entre o grupo CEA+BMT e o grupo BMT (HR 0.93; valor p = 0.93) assim como entre o grupo CAS+BMT e o grupo BMT (HR 1.55; valor p = 0.52).  

O teste Z realizado nesse ensaio clínico não evidenciou superioridade dos grupos CEA+BMT e CAS+BMT em relação ao grupo BMT. Em vista que houve um baixo número amostral nesse ensaio clínico, os próprios autores sugerem cautela na interpretação desses resultados. 

Leia também: Cinco dilemas sobre antitrombóticos no AVC 

Mensagem prática 

Segundo diretrizes de estenose carotídea publicados pela European Stroke Journal em 2021, há recomendação com qualidade de evidência moderada para endarterectomia carotídea em indivíduos com estenose carotídea assintomática moderada-grave (considerados no guideline como 60%) ao comparar com terapia médica de controle de fatores de risco cardiovasculares. 

Quanto à comparação entre métodos invasivos como endarterectomia carotídea e angioplastia de carótida, o estudo ACST-2 forneceu dados em que o risco de AVC não relacionado ao procedimento em ambos os grupos foram similares em follow-up de 5 anos. 

Por fim, para avaliar se apenas a administração de terapia médica (controle de fatores de risco cardiovasculares) nessa população seria suficiente para evitar complicações associadas a estenose carotídea assintomática moderada-grave, o surgimento de melhores evidências é ainda necessário a partir de ensaios clínicos.  

Embora o SPACE-2 não tenha demonstrado superioridade de CEA+BMT ou CAS+BMT quando comparado apenas à BMT, foi um estudo com baixo número amostral de forma que seus resultados tenham que ser interpretados com muita cautela.

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Referências bibliográficas

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