Estimativas globais, realizadas em 2019, observam um aumento na incidência de acidente cerebrovascular (AVC). Essa mesma tendência também se aplica para os casos de AVC em população jovem (entre 18-50 anos), correspondente a 10% dos casos de todos os eventos cerebrovasculares. Uma possibilidade para o aumento da incidência do AVC em jovens pode ser uma consequência da alta prevalência de fatores de risco cardiovasculares. Ainda assim, duas causas prevalentes de AVC na população jovem são dissecção carotídea e forame oval patente (FOP).
O FOP é uma anormalidade cardíaca congênita resultante da falha de fechamento da comunicação interatrial antenatal e constitui a causa mais comum de shunt esquerda-direita em adultos. Em estudos de séries de autópsia, a prevalência dessa condição possui variabilidade entre 14% e 35% com mediana de 26%.
O grande risco do FOP é a chance de embolia paradoxal, na qual o trombo – desenvolvido na circulação venosa – atravessa diretamente para a circulação arterial, levando a possibilidade de AVC isquêmico. Considerando o diâmetro médio do FOP em torno de 9.9mm, um trombo que atravesse esse shunt pode ser grande o suficiente para ocluir a artéria cerebral média (tamanho médio de 3mm) e outros ramos cerebrais (1mm).
A revista Stroke publica nesse ano uma revisão sobre o manejo do forame oval patente para prevenção secundária de AVC baseada nas evidências mais recentes.
Características de alto risco do FOP
Forame oval patente apresenta características intrínsecas nas quais proporcionam diferentes riscos atrelados para acidente cerebrovascular. O exame complementar que provê melhor dados para anatomia, tamanho e características de risco desse shunt é o ecocardiograma transesofágico (ECOTE).
As principais características do FOP para alto risco de recorrência de AVC são o tamanho do shunt como moderado-grande e a presença de aneurisma de septo atrial (ASA). O tamanho do FOP é mensurado através de número de microbolhas que atravessa o átrio esquerdo; portanto, um tamanho de shunt grande é considerado através da presença de pelo menos 20 microbolhas – ainda que essa quantificação seja desafiadora. O aneurisma de septo atrial, por sua vez, é definido como uma excursão do septum primum ≥ 10mm do plano do septo atrial (seja em átrio direito ou esquerdo).
Há outras características morfológicas do FOP que podem conferir risco para embolia paradoxal (ainda que as evidências para tal não sejam tão robustas quanto o tamanho do FOP e a presença de ASA). Entre elas, há a presença de válvula de Eustáquio (um remanescente de válvula direita embrionária do seio venoso) e a rede de Chiari (uma teria de fibras no átrio direito que se origina da válvula de Eustáquio e se fixam na parede superior do átrio direito ou do septo atrial).
Recentes desenvolvimentos no diagnóstico de FOP
A investigação de FOP é um pilar presenta na propedêutica de AVC em indivíduos abaixo de 60 anos. Entre os exames complementares potenciais para investigação, há o ecocardiograma, ferramenta mais utilizada para avaliar esse achado. Contudo, há também estudos com outros exames que possam colaborar nessa investigação, como ressonância magnética cardíaca, tomografia computadorizada cardíaca, doppler transcraniano.
Ecocardiograma com injeção de salina aerada é o exame padrão-ouro para diagnóstico de FOP com sensibilidade em torno de 89%. Considerando melhorias técnicas, inclusive, a sensibilidade para detecção de FOP através de ecocardiograma transtorácia (ECOTT) melhorou de 51 para 80% ao longo dos últimos 30 anos.
Exames de imagem também desempenham papel interessante nessa investigação. A ressonância magnética cardíaca, embora seja mais sensível do que ECOTT e ECOTE na detecção de fontes cardioembólicas, é método pior do que o ECOTE para detecção de shunts esquerda-direita. Da mesma forma, a tomografia computadorizada cardíaca possui sensibilidade na detecção do FOP pior do que o ECOTE.
O doppler transcraniano (DTC) é ferramenta confiável e disponível para rastreio de shunt esquerda-direita. Segundo metanálise com 29 estudos e 2751 pacientes, comparado ao ECOTE, a sensibilidade e a especificidade do DTC foi 94% e 92% respectivamente. Além disso, em estudo apresentado na International Stroke Conference em 2022, o doppler transcraniano roboticamente assistido (raTC) performado por pessoa não treinada detectou FOP em 63.6% dos shunts esquerda-direita comparado ao grupo de cuidado já padronizado que detectou 20.9% (p<0.001). Dessa forma, a tecnologia incorporada ao exame de raDTC apresenta resultados promissores para o futuro, ainda que seja necessário maiores estudos prospectivos nessa área.
Evidências em avanços da seleção de pacientes para fechamento do FOP
Há seis principais ensaios clínicos que sintetizam os dados referentes ao manejo do AVC associado ao FOP. A primeira geração desses estudos, conduzidos entre 2000 e 2017, envolveram 3470 adultos com FOP e AVC criptogênico na qual foram alocados 1889 adultos para grupo intervenção (terapia cirúrgica + manejo médico) e 1851 para controle (manejo médico apenas). Tais participantes foram acompanhados em mediana de follow-up em 4.75 anos com um total de 13.850 pacientes-ano observados. Grande parte da amostragem eram jovens, na qual a mediana de idade desses participantes foi de 46 anos e apenas 0.9% eram acima de 60 anos. Em geral, esses trials demonstraram uma redução significativa moderada na redução de recorrência do AVC com o fechamento cirúrgico do FOP. Embora a redução relativa no risco de recorrência de AVC tenha sido de 59%, a redução absoluta foi mais modesta, cerca de 0,62% ao ano, devido à baixa taxa de eventos no grupo controle. O número necessário para tratar a fim de beneficiar 1 prevenção de AVC após 5 anos foi de 32. Complicações realizadas ao procedimento foram incomuns, na qual incluíram 1% dos casos de hemorragia retroperitoneal, 0.17% tamponamento pericárdico e 0.06% perfuração cardíaca.
Em estudo recente de metanálise com avaliação de pacientes jovens e de meia-idade elegíveis para esses 6 principais ensaios clínicos de fechamento do FOP, houve a identificação de 3 subgrupos com diferentes perfis de risco-benefício sobre o manejo. A avaliação desses subgrupos é possível através da avaliação de dois domínios: (1) características de alto-risco do FOP: presença de grande shunt (geralmente definido como passagem de pelo menos 20-30 microbolhas em shunt), presença de aneurisma de septo atrial ou ambos; (2) escore de RoPE, que se trata de escala para avaliação de risco de embolia paradoxal, sendo o risco alto com resultado entre 7 e 10 e o risco baixa entre 0 e 6. Pacientes na categoria “provável” são àqueles em que apresentem tanto características de alto risco de FOP quanto escore de RoPE ≥ 7. Nessa categoria “provável”, o indício é que pacientes nessa categoria apresentam redução relativa de risco em 90% na recorrência do AVC a partir do fechamento desse shunt.
Por sua vez, pacientes na categoria “possível”, na qual o fechamento do FOP pode reduzir o risco relativo de 62% de recorrência do AVC, há 2 possíveis cenários. Um deles, trata-se de pacientes com características de alto risco do FOP, mas escore de RoPE < 7. O outro, por fim, seria pacientes com características de baixo risco de FOP, mas escore de RoPE ≥ 7. Por fim, há casos que são caracterizados como “improváveis”, na qual não houve diferença significativa de fechamento do FOP versus terapia medicamentosa para prevenir recorrência de FOP. Tais pacientes geralmente apresentam características de baixo risco do FOP e escore de RoPE < 7. A Figura 1 ilustra esses 3 subgrupos a partir da avaliação de características do FOP e da aplicação da escala de RoPE.
Áreas de incerteza terapêutica
A segunda geração de ensaios clínicos para investigação de fechamento do FOP como estratégia de prevenção secundária do AVC apresenta intuito em responder questionamentos fundamentais nas quais não foram possíveis nos estudos pivotais publicados inicialmente. Alguns questionamentos permanecem sem resposta definida pelas evidências, como algumas indicações expandidas potenciais (idade acima de 60 anos), diferenças regionais de acesso ao fechamento de FOP, risco de fibrilação atrial após fechamento do FOP, generalização de resultados dos ensaios clínicos na “vida real”, etc.
A avaliação e fechamento do FOP para AVC criptogênico em indivíduos acima de 60 anos é uma área com evidências escassas. Logo, trata-se de uma lacuna importante considerando a presença de grandes shunts de forame oval patente encontrada em 35% dos casos de AVC criptogênico em indivíduos acima de 65 anos. Na população dessa faixa etária, é importante considerar a presença de outros mecanismos potenciais de AVC que são até mais prevalentes do que comparado ao FOP, como: doença cardíaca, fibrilação atrial e doença arterial carotídea. Atualmente, alguns estudos observacionais sugerem que alguns idosos cuidadosamente selecionados podem se beneficiar de fechamento de FOP.
Uma subanálise do estudo DEFENSE-PFO trial demonstrou desfechos em pacientes acima de 60 anos na qual àqueles submetidos apenas a terapia médica apresentou risco de recorrência de AVC/AIT de 7,36 [IC 95% 0,28-195,8; p = 0,23] comparado ao grupo submetido ao fechamento de FOP. Ainda nesse trial, os participantes do grupo que recebeu terapia médica apresentaram na ressonância de crânio aparência de evento cerebrovascular de caráter embólico, sugerindo uma possibilidade de benefício potencial para fechamento do shunt. Apesar desses resultados, ainda há uma escassez para dados mais robustos nessa área e, portanto, os guidelines atuais e position statements não recomendam fechamento de FOP para pacientes idosos com AVC criptogênico e FOP, mas sim de um monitoramento em pelo menos 6 meses dessa população para descartar fibrilação atrial subclínica.
Um outro ponto importante a ser mencionado é sobre o risco de cinco vezes na incidência de fibrilação atrial (FA) em indivíduos que foram submetidos ao fechamento do FOP comparado a controles. Alguns ensaios clínicos sugeriram que 6.6% dos pacientes com AVC que foram submetidos a fechamento cirúrgico do FOP desenvolveram FA após algumas semanas, sendo 83% desses casos detectados dentro de 45 dias após a cirurgia. O risco de FA após fechamento cirúrgico do FOP é transitório, com 59% dos casos resolvendo após 2 semanas de início. Uma preocupação é que a incidência de FA, após fechamento do FOP, geralmente aumenta conforme faixa etária. Em casos de pacientes que sejam submetidos fechamento do FOP, é recomendada uma avaliação prolongada da função cardíaca após o procedimento, especialmente em pacientes mais idosos. Estudos adicionais são necessários para entender as consequências clínicas da FA pós-procedimento e para desenvolver estratégias de prevenção.
Mensagens práticas
▪ O FOP é uma causa relevante de AVC em jovens, especialmente em casos de AVC criptogênico.
▪ As principais características de alto risco do FOP para embolia paradoxal são: presença de shunt grande (definido a partir de passagem de >20 microbolhas no átrio esquerdo) e presença de aneurisma de septo atrial (ASA) (excursão ≥10 mm do plano do septo atrial).
▪ ECOTE é o exame padrão-ouro para diagnóstico.
▪ Os subgrupos para avaliar benefício de fechamento do FOP (“provável”, “possível” e “improvável”) são definidos a partir da análise das características do FOP e da escala de RoPE.
▪ Ainda há algumas áreas de indefinição sobre benefício de fechamento cirúrgico do FOP para indivíduos acima de 60 anos.
▪ Uma possível complicação da cirurgia de fechamento do FOP é a incidência de fibrilação atrial. Geralmente, é arritmia transitória, que ocorre dentro das primeiras 6 semanas pós-procedimento.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.