Que emocionante é uma partida de futebol!
Rio. 40º. Quarta-feira. Precisamente aos 42 minutos do segundo tempo, o atacante parte em direção ao gol. Momento de aflição dos torcedores. É só ele e o goleiro. Entra na grande área como um foguete. E, inesperadamente, cai. Tão subitamente quanto a queda do jogador, acaba a certeza do gol! A equipe médica é acionada, e no caminho o atacante aparenta ter melhorado. No entanto, segue para o hospital ao lado do estádio, e encontra você de plantão na Sala Vermelha, relatando aflito que “do nada, tudo apagou!”.
Então… o que você não pode deixar de fazer ao examinar esse jogador? Fica tranquilo que a Sala Vermelha e a PEBMED te explicam!
Em um quadro de perda súbita da consciência, os dois principais diagnósticos são: síncope e crise convulsiva. Nesse processo de investigação, por mais que o paciente aparente estar bem, sua história e exame físico são FUNDAMENTAIS e vão fazer toda diferença na condução! Para a síncope, o incrível é que uma boa história, o exame físico e um simples ECG vão resolver a maior parte dos casos, enquanto que, para a crise convulsiva, a investigação carece de outros exames complementares, que ficarão para outra “partida”.
Começando pela história, vamos dividi-la em 5 partes. São 5 perguntas bem diretas, buscando os seguintes achados:
1) Quais foram as circunstâncias do evento?
- Posição (estava deitado, em pé, foi ao levantar)
- Atividade (estava em repouso, exercitava-se, após ao exercício, estava urinando, evacuando)
- Desencadeantes (calor, ortostase prolongada, medo, dor, estresse emocional)
2) Como estava o paciente imediatamente antes do episódio de perda da consciência?
- Náusea, vômitos, outro sintoma gastrointestinal
- Sudorese, aura, pródromos, vertigem, turvação visual
- Déficit neurológico focal
- Palpitações, dor torácica
3) Como foi esse episódio?
- Como caiu ao chão?
- Quanto tempo durou todo o evento?
- O paciente se lembra do evento?
- Perdeu a consciência?
- Cor da pele ao cair (pálido, cianótico, ruborizado)
- Contrações musculares
4) Após o evento
- Permanência da perda de consciência (fala contra síncope e crise convulsiva)
- Confusão mental (por quanto tempo)
- Sudorese, náusea, vômito
- Trauma (mostra que a pessoa não conseguiu nem se defender da queda)
- Palpitação, dor torácica
- Liberação esfincteriana (apesar de ser mais comum na crise convulsiva, não exclui síncope)
5) Antecedentes importantes
- Idade
- Doença cardiovascular ou neurológica prévia.
- História de diabetes (sempre é fundamental excluir hipoglicemia)
- História de pneumopatias, ou doenças endócrinas
- Lista de todos os medicamentos em uso. (lembrando que betabloqueadores podem favorecer síncope e muitos atletas utilizam-nos para controlar a ansiedade)
- Uso de álcool e drogas
- Episódios semelhantes anteriores
- História de morte súbita familiar
(Adaptado de Emergências Clínicas: Abordagem Prática, USP – 10ª Edição)
A partir daí, vamos saber quais sintomas falam a favor de síncope e quais sugerem crise convulsiva.

Vale lembrar que distúrbios metabólicos são, também, uma importante causa de perda súbita de consciência. Logo, sempre devemos descartar a possibilidade de hipoglicemia, acidose, intoxicações, elevação da amônia sérica e distúrbios do potássio (hipo ou hipercalemia).
História de morte súbita na família fala a favor de um mau prognóstico, assim como síncope durante o exercício, o primeiro episódio de síncope e dor torácica ou palpitação associada ao evento. Por outro lado, história de pródromos, aura, situações predisponentes, como calor, estresse, e micção ou evacuação, sugerem bom prognóstico.

Voltando à história inicial: nosso atacante exibe diversos fatores de confundimento, afinal, é um jovem que, durante a prática de exercício em um dia de calor intenso, apresentou seu primeiro episódio de perda da consciência. Por mais que, possua comemorativos que falem a favor de um mau prognóstico e de um bom prognóstico, vale a pena lembrar que assumir a benignidade do quadro precocemente, pode nos fazer perder uma parte importante da investigação etiológica, tendo em vista que as causas potencialmente ameaçadoras à vida devem ser excluídas numa primeira abordagem.
E de exame físico, o que temos?
Vamos realizar a pesquisa dos sinais vitais, a ausculta cardíaca e o exame neurológico direcionando na busca de sinais neurológicos focais.
1) Sinais vitais
- Buscar hipotensão através da pressão arterial e perfusão capilar
- Pesquisar hipotensão postural
- Aferir a frequência cardíaca (frequências abaixo de 50 bpm falam a favor de bradiarritmias, enquanto que taquicardia pode revelar tanto uma taquiarritmia, como uma desidratação)
- Avaliar os pulsos periféricos
2) Ausculta cardíaca
- Avaliar o ritmo cardíaco
- Buscar sinais de insuficiência cardíaca
- Buscar sopros ou sinais sugestivos de obstrução de fluxo
3) Exame neurológico
- Avaliação do estado mental
- Busca de déficits neurológicos focais
(Adaptado de Jordan C. Ray, MD ;Fred Kusumoto, MD; Nora Goldschlager, MD. Syncope: Analytic Review. Journal of Intensive Care Medicine 2016, Vol. 31(2) 79-93.)
Para terminar, não vamos esquecer o eletrocardiograma (ECG). Ele é muito importante na avaliação inicial de uma perda súbita de consciência, pois, junto com o exame do aparelho cardiovascular, seguimos investigando ou excluímos uma causa cardiogênica. Segue uma “colinha” do que você deve procurar:
Referências:
- Guidelines for the diagnosis and management of syncope (version 2009 of ESC).
- Emergências Clínicas: Abordagem Prática, USP – 10ª Edição.
- Du Polyakov, Dmitry; Golovin, Galina. Is it possible to accurately differentiate neurocardiogenic syncope from epilepsy? Cardiol J. 2010; 17(4):420-7.
- Pradyot Saklani, MBBS; Andrew Krahn, MD; George Klein, MD. Syncope. Circulation 2013.
- Jordan C. Ray, MD ;Fred Kusumoto, MD; Nora Goldschlager, MD. Syncope: Analytic Review. Journal of Intensive Care Medicine 2016, Vol. 31(2) 79-93.
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