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Neurologia1 setembro 2025

Paralisia de Bell: estudo aponta relação entre vitamina D e gravidade clínica 

Revisão sistemática teve como objetivo avaliar criticamente a relação entre os níveis de vitamina D e a gravidade da paralisia de Bell
Por Danielle Calil

A paralisia de Bell é a mononeuropatia aguda mais prevalente, responsável por 60–75% dos casos de paralisia facial. Caracteriza-se pelo início súbito de fraqueza unilateral da musculatura facial, podendo ser acompanhada de dor retroauricular, parestesias faciais e alterações do paladar. Sua gravidade é usualmente classificada pela escala de House-Brackmann (HB), que varia do grau I (função normal) ao grau VI (paralisia completa).  

O mecanismo fisiopatológico mais aceito da paralisia de Bell envolve o edema do nervo facial dentro do canal facial, resultando em compressão neural. Fatores infecciosos, isquêmicos e autoimunes também têm sido implicados, com destaque para a infecção pelo vírus herpes simples. 

Nos últimos anos, o papel da vitamina D como neuroimunomodulador despertou crescente interesse. Além de regular a homeostase do cálcio, a vitamina D exerce efeitos sobre a saúde dos nervos periféricos, com atuação na regeneração axonal e na modulação da resposta inflamatória. Alguns estudos prévios sugerem associação entre níveis séricos baixos de vitamina D e maior gravidade da paralisia de Bell, enquanto outros não confirmam essa relação.  

Diante dessa incerteza, foi conduzida uma revisão sistemática e metanálise para avaliar criticamente a relação entre vitamina D e a incidência e gravidade da paralisia de Bell recentemente publicada pela revista BMC Neurology.  

Métodos 

O estudo seguiu as diretrizes PRISMA. As bases de dados Scopus, PubMed e Web of Science foram pesquisadas desde sua criação até 29 de setembro de 2024, utilizando termos relacionados à vitamina D e à paralisia facial periférica. Foram incluídos estudos originais (transversais, caso-controle e coorte) que relataram níveis séricos de vitamina D em pacientes com paralisia de Bell, comparados a controles saudáveis. Em contraponto, artigos de revisão, abstracts e meta-análise foram excluídos. 

Dois revisores independentes selecionaram os estudos, e divergências foram resolvidas por consenso. Os dados extraídos incluíram características dos estudos, tamanho da amostra, idade e sexo dos participantes, dosagem da vitamina D e níveis percentuais de deficiência. A qualidade metodológica foi avaliada com os checklists do Instituto Joanna Briggs. Apenas estudos classificados como de alta qualidade foram incluídos. 

As metanálises foram conduzidas com o software Stata v.17. Para comparar os resultados dos diferentes estudos, utilizou-se uma medida padronizada de diferença entre grupos (Hedges’ g), sempre acompanhada de um intervalo de confiança de 95%, o que indica a margem de incerteza dos resultados. A heterogeneidade foi avaliada pelo teste I², adotando-se I² < 40% como heterogeneidade insignificante. Valores de p < 0,05 foram considerados significativos.  

Leia também: Eletroneuromiografia: qual a sua importância na paralisia facial periférica?

Resultados 

A busca inicial identificou 2204 estudos, dos quais quatro preencheram os critérios de inclusão, totalizando 193 indivíduos avaliados. Os estudos foram conduzidos na Turquia e Indonésia, com amostras variando entre 20 e 91 participantes, predominantemente mulheres, com idade entre 38,7 e 42,2 anos. A gravidade da paralisia de Bell foi classificada pela escala de House-Brackmann. 

A média agrupada de vitamina D em pacientes com BP foi de 15,98 ng/mL (IC 95% 13,83–18,06). Três estudos compararam pacientes e controles, demonstrando níveis séricos significativamente mais baixos em pacientes com paralisia de Bell (Hedges’ g = -0,35; IC 95%: -0,64 a -0,07; p = 0,01; I² = 30,7%). 

Ao estratificar o resultado de acordo com a gravidade da paralisia de Bell, foi demonstrado: 

  • Grau 2 vs. controles: não houve diferença significativa (Hedges’ g = 0,05; p = 0,79). 
  • Grau 3 vs. controles: não houve diferença significativa (Hedges’ g = -0,18; p = 0,32). 
  • Grau 4 vs. controles: houve redução significativa nos níveis de vitamina D (Hedges’ g = -0,72; IC 95%: -1,18 a -0,27; p = 0,001; I² = 0%). 

Em comparações entre subgrupos mostraram queda progressiva dos níveis séricos conforme aumentava a gravidade clínica. Pacientes com grau 2 apresentaram níveis mais altos que aqueles com grau 3 (p = 0,02) e grau 4 (p < 0,001), enquanto pacientes com grau 3 tiveram níveis mais altos que os com grau 4 (p = 0,01).  

Paralisia de Bell: estudo aponta relação entre vitamina D e gravidade clínica 

Discussão: Paralisia de Bell e vitamina D 

Esta revisão sistemática e metanálise demonstrou que pacientes com paralisia de Bell apresentam níveis séricos mais baixos de vitamina D em comparação a controles saudáveis, com reduções mais expressivas em casos de maior gravidade (grau 4 na escala HB). Os achados sugerem que a vitamina D pode exercer papel protetor na evolução da paralisia de Bell, possivelmente por seus efeitos anti-inflamatórios, neuroprotetores e regenerativos. 

Estudos prévios já haviam sugerido que a vitamina D influencia o prognóstico neurológico, promovendo regeneração axonal e modulação da resposta imune. Considerando a paralisia de Bell, níveis baixos poderiam comprometer a recuperação funcional do nervo facial e favorecer piores desfechos clínicos. No entanto, ainda não está claro se a deficiência de vitamina D contribui para a ocorrência da doença ou apenas reflete a gravidade do quadro. 

Esse estudo apresenta limitações que merecem ser pontuadas. Em primeiro lugar, apenas quatro estudos foram incluídos, restringindo a robustez dos achados e aumentando o risco de erro aleatório. Em segundo, todos os estudos foram conduzidos na Turquia e Indonésia, limitando a generalização global. Terceiro, houve heterogeneidade nos métodos de dosagem da vitamina D e ausência de padronização na definição de deficiência entre os estudos incluídos na metanálise. Quarto, fatores como exposição solar, dieta, etnia e uso prévio de suplementação não foram devidamente controlados, podendo levar a possível viés. E, por fim, o desenho transversal de parte dos estudos impede estabelecer relação causal. 

Mensagem prática 

Os resultados sugerem que níveis mais baixos de vitamina D estão associados a maior gravidade da paralisia de Bell, especialmente em estágios avançados da doença. Não há ainda, contudo, evidência suficiente para recomendar a suplementação rotineira como tratamento dessa condição. Estudos futuros, principalmente ensaios clínicos randomizados, poderão confirmar se a reposição adequada de vitamina D pode contribuir para melhor prognóstico funcional.

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Referências bibliográficas

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