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Neurologia28 junho 2023

Mononitrato de isossorbida e cilostazol para doença cerebral de pequenos vasos?

A doença cerebral de pequenos vasos pode causae acidentes cerebrovasculares de origem lacunar, demência vascular e prejuízo na mobilidade.

Por Danielle Calil

Embora os pacientes com doença cerebral de pequenos vasos recebam profilaxia secundária com antiagregante plaquetário, o único grande ensaio clínico de fase 3 até hoje, o SPS3 trial, demonstrou que o uso de terapia dupla antiplaquetário para AVC lacunar é danoso e a redução intensiva de pressão arterial não interferiu em novos eventos cerebrovasculares ou declínio cognitivo. 

Como a doença cerebral de pequenos vasos é geralmente resultante de transtorno de arteríolas perfurantes que irrigam o tecido cerebral subcortical, agentes como mononitrato de isossorbida e cilostazol foram hipotetizados como possíveis drogas que apresentem potencial de prevenir consequências clínicas, cognitivas e funcionais relacionadas à essa condição. Afinal, ambas as drogas atuam em vias relacionadas à estabilidade da função endotelial, assim como já são prescritas para outras doenças vasculares e possuem bom perfil de segurança.

Saiba mais: Pacientes com AIT/AVCi de diferentes etiologias tem o mesmo risco de novo evento?

Em 2023, a JAMA Neurology publicou um ensaio clínico randomizado de fase 3, o LACI-2 trial, que avaliar os efeitos de ambas as drogas na população com AVC de origem lacunar. 

Mononitrato de isossorbida e cilostazol para doença cerebral de pequenos vasos?

Mononitrato de isossorbida e cilostazol para doença cerebral de pequenos vasos?

Métodos

Ensaio clínico, randomizado, aberto, com desfecho cego, conduzido em 26 centros especializados em AVC no Reino Unido. Os pacientes foram randomizados entre fevereiro de 2018 a maio de 2021. 

Critérios de inclusão: Pacientes acima de 30 anos com síndrome cerebrovascular lacunar com neuroimagem evidenciando infarto lacunar subcortical ou ausência de outros diagnósticos diferenciais. Já os critérios de exclusão envolveram: outra doença cerebral em atividade, comprometimento renal ou hepático e incapacidade funcional. 

O número amostral foi calculado a partir do desfecho de segurança (óbito). Assumindo que as causas de óbito seriam em torno de 2% ao ano, programaram a amostra para 400 participantes. A randomização ocorreu através de design fatorial 2×2, visto que ambos os agentes apresentam potencial relevante e até complementar. Portanto, os participantes foram randomizados em 4 grupos: monoterapia com mononitrato de isossorbida (ISMN), monoterapia com cilostazol, terapia combinada com ISMN e cilostazol e controle (sem uso de nenhuma dessas drogas). Apesar da intervenção ter sido aberta aos pacientes e aos clínicos dos centros, todos os desfechos foram mascarados. 

O desfecho primário foi a capacidade de manter o recrutamento e retenção dos pacientes – definido como > 95% dos pacientes recrutados após 1 ano. Já os desfechos secundários consistiram em: eficácia (a partir da redução de AVC, AIT, IAM, comprometimento cognitivo, dependência funcional), segurança (óbito), aderência e tolerabilidade do trial. 

Após 1 ano, foram realizadas avaliações para detectar: eventos vasculares recorrentes (IAM, AIT ou AVC), escala de Rankin, avaliação cognitiva através do tMOCA e TICS, escala de qualidade de vida (QOL) e escala de impacto de AVC. Além disso, foram realizados, após 12 meses, aferição de pressão arterial, RM de crânio e teste de trilhos parte B. 

Resultados

Entre os 400 participantes planejados para esse ensaio clínico, 363 (90.8%) foram recrutados em 24 meses. Os pacientes apresentaram mediana de idade em torno de 64 anos, mediana da escala NIHSS em torno de zero e 69.1% eram homens. A mediana de tempo entre AVC e randomização foi em torno de 79 dias. Quanto à avaliação de neuroimagem, 100 (27.5%) possuíam tomografia de crânio e 263 (72.5%) apresentavam ressonância. 

Os pacientes foram alocados, de forma randomizada, nos seguintes grupos: apenas com ISMN (n=90), apenas com cilostazol (n=91), terapia combinada com ISMN e cilostazol (n=91) e grupo sem uso dessas drogas (n=91). Foi obtido um follow-up de 358 participantes no total (98.6% da amostra). 

Após 12 meses, não houve diferença significativa em desfecho composto proposto no estudo (redução de recorrência de eventos cardiovasculares, dependência funcional, comprometimento cognitivo e óbito) para o grupo com monoterapia de ISMN [aOR 0.9 (IC95% 0.59-1.09), valor p = 0,16] e para o de monoterapia com cilostazol [aOR o.77 (IC95% 0.57-1.05, valor p = 0.10)]. Contudo, avaliando essas drogas de forma individual, foi observado que o grupo de monoterapia com mononitrato de isossorbida apresentou redução na recorrência de eventos cerebrovasculares [aOR 0.08 (IC95% 0.02-0.67), valor p = 0.02], enquanto o grupo de monoterapia com cilostazol apresentou redução na dependência funcional [aOR 0.31 (IC95% 0.14-0.72), valor p = 0.06]. 

Por outro lado, o grupo que recebeu dupla terapia (ISMN+cilostazol) apresentou uma redução significativa desses desfechos compostos em 153 pacientes [aOR 0.58 (IC 95% 0.36-0.92), valor p = 0.02]. Não foram encontradas preocupações significativas relacionadas à segurança. 

Comentários

O LACI-2 trial foi um ensaio clínico que conseguiu demonstrar a viabilidade de drogas que estimulam vias relacionadas ao oxido nitroso e prostaciclinas em pacientes com AVC isquêmico lacunar. Esse ensaio clínico sugere que o uso de drogas estabilizadoras da função endotelial possa prevenir comprometimento cognitivo e dependência funcional. 

Contudo, o estudo apresentou algumas limitações. A pandemia da Covid-19 afetou o recrutamento do estudo assim como o follow-up de algumas avaliações clínicas – podendo ser a justificativa para que 10.9% dos participantes tenham apresentado perda de seguimento. 

Não foram inclusos pacientes com incapacidade funcional prévia significativa (Rankin acima de 2) em vista de preocupações relacionadas à segurança do teste de droga. A partir de resultados favoráveis nos desfechos de segurança desse ensaio, futuros trials possam talvez englobar essa parcela de pacientes. 

O desfecho composto proposto no ensaio clínico reflete as maiores preocupações relacionadas a pacientes acometidos com AVC lacunar ou doença cerebral de pequenos vasos: recorrência de AVC, comprometimento cognitivo, incapacidade funcional e óbito. Tanto o mononittrato de isossorbida como o cilostazol administrados como monoterapia apresentaram alguns desfechos individuais esperados, porém só o grupo que recebeu a dupla terapia possuiu diferença estatística para o desfecho composto proposto no ensaio. Ainda assim, a comparação do grupo com dupla terapia (ISMN+cilostazol) versus grupo sem drogas foi realizado com poder estatístico considerado inferior ao esperado pelo ensaio clínico, sendo necessário portanto ainda novos estudos que testem essas drogas. 

Leia também: Pacientes com AIT/AVCi de diferentes etiologias tem o mesmo risco de novo evento?

Mensagem final

No LACI-2 trial, o uso de mononitrato de isossorbida e cilostazol apresentou redução de recorrência no AVC, na dependência funcional e no comprometimento cognitivo. Ambas as drogas apresentaram boa tolerância e segurança. Ainda assim, é necessário que essas drogas sejam testadas em ensaios clínicos com maior número amostral. 

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Referências bibliográficas

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