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Neurologia15 outubro 2025

Miastenia Gravis: o que muda nas novas diretrizes britânicas de 2025

As novas diretrizes britânicas de 2025 redefinem o manejo da Miastenia Gravis. Veja o que muda no diagnóstico e tratamento. Confira!
Por Danielle Calil

A Miastenia Gravis (MG) é uma doença autoimune da junção neuromuscular caracterizada por fraqueza muscular de caráter flutuante e fatigabilidade muscular, frequentemente iniciando com ptose e diplopia.  

Este ano, a revista Practical Neurology publica atualização das diretrizes britânicas de manejo para essa condição sendo a última publicada em 2015. A revisão dessa diretriz foi apropriada considerando novas evidências da prática clínica atual. 

Veja também: Definição e manejo da miastenia gravis

miastenia gravis

Métodos 

As diretrizes foram elaboradas por um painel multidisciplinar composto por neurologistas, especialistas em imunologia clínica e cirurgiões torácicos. A revisão foi conduzida entre abril de 2024 e março de 2025, utilizando metodologia baseada em evidências e alinhada ao sistema GRADE. 

Avaliação inicial e diagnóstico 

A primeira manifestação da miastenia gravis (MG) costuma ser uma fraqueza fatigável, podendo envolver de forma restrita os músculos oculomotores ou também contemplar outros grupos musculares. Durante a avaliação clínica, o teste do gelo (ice-pack test) é simples, sensível e específico em termos diagnósticos; enquanto, por outro lado, o teste do edrofônio (Tensilon) não é mais recomendado, devido ao risco de complicações graves como bradicardia e vômitos. 

Entre os exames complementares diante de suspeita diagnóstica, há a dosagem de anticorpos contra o receptor de acetilcolina (AChR), considerado exame de primeira linha para pacientes não urgentes. Se o resultado for negativo, deve-se solicitar a dosagem de anticorpos contra a tirosina quinase músculo-específica (MuSK). Em casos de AChR e MuSK negativos, há a possibilidade de realizar dosagem do Anticorpo Receptor relacionado à lipoproteína 4 (LRP4). Se houver forte suspeita clínica de MG, mas os anticorpos forem negativos, devem-se considerar outras possibilidades diagnósticas, como síndromes miastênicas congênitas causadas por mutações genéticas ou doenças musculares (por exemplo, doenças mitocondriais ou distrofia muscular oculofaríngea). Além disso, na abordagem diagnóstica, é recomendada dosagem de função tireoidiana para todos os casos. 

Exames neurofisiológico desempenham papel importante na confirmação diagnóstica e há incentivo para sua realização em pacientes com suspeita clínica de MG. No exame de eletroneuromiografia, é incentivada realização de teste de estimulação nervosa repetitiva e eletromiograma de fibra única (SFEMG). Os músculos testados nesse exame devem ser aqueles sintomáticos, visto que SFEMG normal em músculo fraco é extremamente incomum em doenças da junção neuromuscular.  

Em caso de pacientes com diplopia e ptose, mas com sorologia e neurofisiologia negativas, deve ser feita ressonância magnética (RM) de encéfalo e órbitas com contraste (e angiografia por RM quando indicado) para excluir lesões estruturais intracranianas ou orbitárias. 

Todos os pacientes com suspeita de MG, independentemente da distribuição (ocular ou generalizada) ou do perfil sorológico (positivo ou negativo), devem realizar imagem de timo (tomografia ou ressonância) para excluir timoma. 

Onde realizar o tratamento? 

Em casos de pacientes com sintomas oculares, fraqueza leve a moderada dos membros (sem limitação da função) ou sintomas bulbares leves, há a possibilidade de iniciar o tratamento em regime ambulatorial. 

Por outro lado, há a recomendação para optar por internação hospitalar para os seguintes casos: 

  • Pacientes com sintomas bulbares significativos ou precoces;  
  • Fraqueza acentuada de membros ou deterioração rapidamente progressiva; 
  • Presença de capacidade vital forçada menor que 30 mL/kg, contagem de respiração única inferior a 25 por minuto ou com sinais de insuficiência respiratória.  

Tratamento 

A recomendação de tratamento inicial para miastenia gravis deve ser realizada através da prescrição de piridostigmina, tanto para casos de miastenia gravis ocular quanto miastenia generalizada leve a moderada. Na diretriz, há protocolo orientando início dessa medicação na dose de 30 mg (meio comprimido) entre 3-4 vezes ao dia, com possibilidade de aumentar gradualmente 30mg a cada 2-4 dias, até alcançar a menor dose efetiva.  

Alguns cuidados são pertinentes na prescrição de piridostigmina. Recomenda-se realizar um ECG antes de iniciá-la, assim como cuidado na sua prescrição para pacientes idosos e com histórico cardíaco relevante, asma ou em uso de betabloqueadores. 

Em termos prognósticos, há evidências de que pacientes com anticorpos anti-MuSK positivo possam não responder bem ou não tolerar a piridostigmina. 

Já para casos de pacientes sintomáticos com manutenção de fraqueza dos músculos extraoculares, mesmo após 4–6 semanas de uso da dose máxima tolerada de piridostigmina (ou antes, se houver fraqueza significativa de membros), há recomendação de iniciar prednisona. Antes de iniciar o corticosteroide, e periodicamente durante o tratamento, é recomendado monitorar HbA1c e perfil lipídico, implementando medidas terapêuticas conforme necessário. 

A introdução de prednisona deve ser realizada na dose de 5–10 mg/dia, aumentando 5 mg a cada 3–5 dias até observar melhora clínica, com alvo inicial de 20 mg/dia para MG ocular e de 30 mg/dia para MG generalizada. Em alguns casos, pode ser necessário aumentar até 0,5 mg/kg/dia (máx. 30 mg/dia) para MG ocular e até 1 mg/kg/dia (máx. 60 mg/dia) para MG generalizada. Após atingir remissão clínica, considerar retirar a piridostigmina para confirmar estabilidade da doença. 

A manutenção de corticoterapia deve ser mantida por 4 semanas na dose que induziu a remissão e, então, reduzida lentamente, buscando, novamente, a menor dose efetiva. Em casos de remissão da doença após 4 semanas em dose mínima eficaz de corticoterapia, recomenda-se redução lenta e progressiva da dose (inicialmente reduzir 5 mg a cada 2–4 semanas até atingir 20 mg/dia; em seguida, reduzir 2–2,5 mg a cada 2–4 semanas até chegar a 10 mg/dia; abaixo de 10 mg/dia, reduzir 1 mg por mês, visando uma dose de manutenção de 5 mg/dia, se possível). É sempre necessário, no percurso do tratamento, que o paciente seja orientado a notificar imediatamente o neurologista caso perceba recorrência dos sintomas durante o desmame do corticoide. 

Para casos de pacientes com necessidade de dose de prednisona ≥7 mg/dia para remissão da doença, há recomendação de introdução de imunossupressor não esteroidal adicional – considerando os efeitos colaterais dos corticosteroides e comorbidades associadas. 

Terapias imunossupressoras não esteroidais 

As terapias imunossupressoras não-esteroidais possuem indicações, além de pacientes com necessidade dose de prednisona ≥7 mg/dia, como: pacientes com efeitos colaterais intoleráveis dos corticosteroides ou pacientes com comorbidades potencialmente agravadas pelos corticosteroides (ex. diabetes, osteoporose, doença cardíaca isquêmica, transtornos psiquiátricos ou fraqueza bulbar ou respiratória significativa que não respondem rapidamente aos esteroides). 

O objetivo terapêutico mais comum do imunossupressor não esteroidal é alcançar remissão estável ou manifestações mínimas com prednisona ≤ 5 mg/dia. Antes de iniciar qualquer imunossupressor não esteroidal, há a recomendação de seguir os protocolos locais de rastreamento de infecções virais ou outras, incluindo hepatites B e C, tuberculose e HIV. 

Inicialmente, as opções terapêuticas de imunossupressores poupadores de corticoide incluíam as seguintes opções: azatioprina, micofenolato de mofetila e metotrexato. Com as evidências atuais, foi incorporada o rituximabe e, para casos refratários, outras classes farmacológicas (ex. inibidores de complemento e receptores Fc neonatais). 

A azatioprina permanece como a primeira escolha de imunossupressão em mulheres em idade fértil e homens jovens. Pode ser utilizada durante a gestação e é considerada segura durante a amamentação. Neste caso, a dose iniciada em 50-75mg/dia deve ser aumentada gradualmente ao longo de 1–2 meses, até atingir 2,5 mg/kg/dia. Durante o ajuste da dose, é necessário monitorar hemograma completo, ureia e eletrólitos, além de enzimas hepáticas. É comum ocorrer queda da contagem de linfócitos e/ou aumento do volume corpuscular médio (VCM) – o que é frequentemente considerado desejável. Diante do risco de câncer de pele com o uso prolongado de azatioprina, é fundamental proteção solar adequada. 

Desde as últimas diretrizes, o custo do rituximabe reduziu consideravelmente, o uso mundial aumentou e ensaios clínicos randomizados (ECRs) confirmaram eficácia na miastenia gravis generalizada inicial. Assim, pode ser considerado no início do tratamento com corticosteroides em pacientes com AChR-MG generalizada de moderada a grave (classes III ou superiores da Myasthenia Gravis Foundation of America – MGFA). Nos casos de MG Anti-MuSK positivo, geralmente refratário aos tratamentos convencionais, o rituximabe tem alta eficácia, especialmente em pacientes com sintomas bulbares. Ainda assim, recidivas são frequentes nessa população, de modo que todos os pacientes com MuSK-MG devem ser acompanhados em centros especializados em MG. O regime mais utilizado desse fármaco é 1000 mg no dia 1 e repetição no dia 14. O papel e a dose do rituximabe após 12 meses ainda são incertos e não há evidência robusta de ensaios clínicos que apoiem o uso continuado. 

Após alcançar e manter as metas terapêuticas por 1 a 3 anos, os agentes poupadores de corticosteroide podem ser reduzidos gradualmente até a menor dose efetiva, com ajustes não mais frequentes que a cada 3–12 meses. 

Nos últimos anos, foi desenvolvida uma ampla gama de novos tratamentos que auxiliam no controle dos sintomas da MG, atuando em diferentes alvos, como sistema complemento apenas para AChR-MG (ex. eculizumabe e ravulizumabe); receptores Fc neonatais – FcRn (ex. efgartigimode, rozanolixizumabe, batoclimabe, nipocalimabe), que reduzem os níveis de anticorpos circulantes.  

Esses agentes devem ser considerados em casos de MG resistente ao tratamento, isto é: presença de doença altamente ativa não responsiva a ≥ 2 imunossupressores poupadores de corticosteroide, pacientes intolerantes ou inelegíveis para os fármacos convencionais, casos com exacerbações agudas frequentes ou dependência crônica de IVIg/plasmaférese. Essas terapias representam uma nova geração de agentes imunomoduladores, com rápido início de ação, boa tolerabilidade e relevante impacto clínico em pacientes com MG refratária.  

Nesta circunstância, todos os pacientes candidatos a essas terapias devem ser avaliados em centros especializados em MG. Uma limitação é que essas novas terapias-alvo ainda apresentam alto custo e disponibilidade restrita, além de escassez de dados comparativos entre as diferentes opções biológicas. 

Papel da timectomia 

A abordagem terapêutica de MG deve contemplar avaliação radiológica do timo (TC ou RM) a fim de investigar a presença de timoma para todos os pacientes com miastenia gravis. 

Diante da identificação de timoma, a timectomia é obrigatória para todos os pacientes, independentemente do status sorológico.  

Em casos de pacientes sem a presença de timoma, a conduta terapêutica dependerá do status sorológico. Para pacientes com anticorpos contra o receptor de acetilcolina (AChR) positivos, a timectomia é recomendada para todos os pacientes com menos de 50 anos de idade; enquanto, para pacientes entre 50-65 anos, a timectomia deve também ser discutida. Nessa circunstância, o procedimento deve ser preferencialmente indicado dentro de 2 anos após o diagnóstico, mas pode ser considerado posteriormente em casos de necessidade de altas doses de corticosteroides apesar do uso adequado e prolongado de imunossupressores não esteroidais. Por outro lado, para pacientes com MG associada a anticorpos anti-MuSK positivo, na ausência de timoma, não há indicação de timectomia. 

No caso de indicação de timectomia, a prescrição médica do tratamento de miastenia gravis deve ser mantida normalmente. Não há indicação para uso rotineiro de imunoglobulina intravenosa (IVIg) ou plasmaférese pré-operatória, salvo em situações com indicação clínica específica. 

Prognóstico 

Aproximadamente 50% dos pacientes com MG ocular desenvolvem forma generalizada dentro de 2 anos e até 75% em 3 anos após o início da doença — especialmente entre os soropositivos para AChR. 

Principais mudanças na diretriz britânica de 2025 

Entre as principais mudanças dessa nova diretriz, que refletem uma década de progresso, destaca-se: 

▪ A adoção da prednisona diária como prática padrão em vez do regime em dias alternados; 

▪ A ênfase nos benefícios do tratamento cirúrgico precoce (timectomia); 

▪ A incorporação do rituximabe como tratamento de primeira linha nos primeiros 12 meses da forma generalizada; 

▪ A chegada de novas terapias-alvo, incluindo inibidores de complemento e de receptores Fc neonatais, que oferecem opções eficazes para casos refratários. 

Mensagem prática 

O manejo de miastenia gravis deve integrar diagnóstico precoce, uso racional de corticoides e imunossupressores, indicação oportuna de timectomia e incorporação seletiva de novas terapias biológicas. 

Autoria

Foto de Danielle Calil

Danielle Calil

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense em 2016. ⦁ Neurologista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 2020. ⦁ Fellow em Anormalidades do Movimento e Neurologia Cognitiva pelo Hospital das Clínicas da UFMG em 2021. ⦁ Atualmente, compõe o corpo clínico como neurologista de clínicas e hospitais em Belo Horizonte como o Centro de Especialidades Médicas da Prefeitura de Belo Horizonte, Hospital Materdei Santo Agostinho e Hospital Vila da Serra.

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Referências bibliográficas

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