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Neurologia1 fevereiro 2019

Meu paciente teve um AVC, dou fluoxetina para ele?

Neste artigo falaremos sobre a administração ou não da fluoxetina na fase aguda-subaguda pós-AVC. O medicamento é indicado? Descubra:

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A epidemiologia do acidente vascular cerebral (AVC) evidencia a necessidade de investimento na profilaxia primária e medidas eficazes de reabilitação, dada a elevada morbidade e custos para saúde pública. Neste artigo falaremos sobre um ponto específico da conduta após sua ocorrência: devo ou não usar a fluoxetina (Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina- ISRS) na fase aguda-subaguda pós-ictus?

Em 2011, o estudo FLuoxetine for motor recovery After acute ischaeMic strokE (FLAME) foi publicado no The Lancet Neurology, com objetivo de investigar se a fluoxetina, desde que iniciada em fase precoce pós-AVCi, aumentaria a recuperação motora. Foi um estudo duplo-cego, placebo-controlado e multicêntrico, que elencou pacientes que tiveram AVCi com hemiplegia/paresia e Escala Motora de Fugl-Meyer (EMFM) ≤55, idade entre 18 e 85 anos. A posologia de 20 mg/dia do ISRS ou placebo foi instituída por 90 dias, e iniciada 5-10 dias após o ictus. Como terapia adjuvante, todos os pacientes obtiveram fisioterapia otimizada no período. Os resultados foram favoráveis ao uso da medicação e justificados pelo teórico efeito de modulação da plasticidade cerebral desta.

Estudos clínicos e pré-clínicos prévios sugerem que os ISRS podem atuar de diversas formas: redução a inflamação pela inibição da produção microglial de citocinas, promoção da produção de novas sinapses, proliferação de precursores gliais e de fatores associados à plasticidade neural.

Em dezembro/2018, um novo estudo foi publicado na mesma revista, o Fluoxetine Or Control Under Supervision (FOCUS), engendrado com design pragmático, multicêntrico, duplo-cego, randomizado e placebo-controlado. Consiste num estudo mais robusto, com um n= 3127 pacientes (61% homens, com média etária de 71 anos), que incluiu pacientes com idade ≥18 anos, com AVC isquêmico ou hemorrágico (foram excluídas as hemorragias subaracnoides que não fossem secundárias à hemorragia intraparenquimatosa), provenientes de 103 hospitais do Reino Unido. Os pacientes foram randomizados 1:1 para o grupo controle (fluoxetina 20 mg/dia) e grupo placebo, com início da terapêutica entre dois e 15 dias do ictus, mantendo déficit neurológico (NIHSS médio de 6).

O desfecho funcional foi aferido pela Escala Modificada de Rankin aos seis meses de intervenção e também ao final de 12 meses. Como desfechos secundários avaliaram-se mortalidade, qualidade de vida (EuroQol), depressão/ansiedade (MHI5), fadiga (SF36), impacto do AVC na vida do indivíduo (SIS) e ocorrência de efeitos adversos (recorrência de AVC, síndrome coronariana aguda, hemorragia digestiva alta, quedas, crises epilépticas, disglicemia e hiponatremia).

Leia mais: Novo escore ajuda a prever risco de FA paroxística após um AVC

Ao contrário do que havia sido mostrado no FLAME, o FOCUS não obteve dados estatísticos para subsidiar o uso corriqueiro de fluoxetina visando melhora funcional/motora em pacientes pós-AVC. Na dose diária de 20 mg não houve incremento significativo no desfecho funcional ou na sobrevivência em seis e 12 meses de seguimento. Houve aumento do risco de fraturas ósseas nos primeiros seis meses do estudo.

E então? Prescrever ou não a fluoxetina? Primeiro vamos salientar possíveis fatores associados à divergência de resultados dos trials citados: populações estudadas diferentes, tempo de aferição de desfechos.

Por fim, não há, baseado nos estudos clínicos e pré-clínicos, além de metanálise da Cochrane, subsídios estatísticos que indiquem o benefício do uso da fluoxetina em pacientes pós-AVC visando melhora em desfecho funcional. Novas publicações são necessárias, com metodologia confiável, amostra robusta e validade externa, para repensarmos o uso de ISRS nesse contexto. Respondendo à pergunta inicial “meu paciente teve um avc, dou fluoxetina para ele?

Resposta: Por enquanto não.

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Referências:

  • S Dalise; F Ambrosio e M Modo. Brain plasticity and recovery in preclinical models of stroke. Archives italiennes de biologie. (2014). 152. 190-215. 10.12871/00039829201442.
  • F Chollet, J Tardy, JF Albucher, et al. Fluoxetine for motor recovery after acute ischaemic stroke (FLAME): a randomised placebo-controlled trial. Lancet Neurol, 10 (2011), pp. 123-130.
  • M Dennis, G Mead, J Forbes et al. Effects of fluoxetine on functional outcomes after acute stroke (FOCUS): a pragmatic, double-blind, randomised, controlled trial, The Lancet, Volume 393, Issue 10168, 2019, pp 265-274.
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