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Neurologia25 junho 2019

Meningite Tuberculosa: cuidados intensivos

A meningite tuberculosa consiste na forma mais grave da tuberculose. A MT é mais frequente em crianças e em indivíduos HIV-positivos.

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Em maio de 2019, a revista Lancet Neurology publicou uma revisão sobre o cuidado neurocrítico na Meningite Tuberculosa (MT). O comprometimento meníngeo pelo Mycobacterium tuberculosis consiste na forma mais grave da tuberculose. A MT é mais frequente em crianças e em indivíduos HIV-positivos e  determina elevadas morbidade e mortalidade.

Os autores justificam a importância da publicação pela inexistência de guidelines para o manejo neurocrítico da MT e pela escassez de evidências que embasem seu tratamento. Aos profissionais de saúde brasileiros, tal importância é acrescida pelo fato do Brasil estar entre os 30 países com maior número de casos de tuberculose no mundo.

O artigo reside na abordagem dos aspectos pertinentes ao cuidado intensivo desses pacientes. Por se tratar de uma revisão extensa optei por manter sua estrutura, dando destaque, em cada seção, aos pontos que considero mais relevantes. Recomendo a leitura do artigo por ser a MT um assunto de interesse tanto do clínico geral quanto de diversos especialistas (infectologistas, neurologistas, neurocirurgiões e intensivistas).

Causas de cuidados críticos em MT:

  • Elevação da pressão intracraniana (PIC): causa de coma nos pacientes. Frequentemente, determinada por hidrocefalia, que pode ser comunicante (por comprometimento das granulações de aracnoide) ou não comunicante (por comprometimento do aqueduto ou do 4º ventrículo). Edema e tuberculomas também podem ser causa de elevação da PIC em pacientes com MT;
  • Infarto cerebral: decorre de comprometimento vascular – vasculite – causado pela inflamação e necrose secundárias ao exsudato na base do crânio. As artérias lenticuloestriadas são as mais comumente afetadas;
  • Tuberculoma: resulta de inflamação granulomatosa após disseminação hematogênica do tuberculosis para o sistema nervoso central. É a causa mais comum de reação paradoxal em pacientes HIV-positivos;  
  • Hiponatremia: relaciona-se tanto à síndrome cerebral perdedora de sal quanto à secreção inapropriada de hormônio antidiurético. É considerada preditora de aumento de mortalidade em pacientes HIV-positivos com MT;
  • Reações paradoxais: causa de piora do quadro após inicio de tratamento antituberculose, é atribuída a uma resposta inflamatória exuberante à morte bacteriana. Pode comprometer não apenas o encéfalo como também a medula espinhal;
  • Drogas: diz respeito às complicações relacionadas às medicações antituberculose e suas interações com outras medicações. A mais frequente é a injúria hepática. Deve-se ter atenção também às complicações neuropsiquiátricas que podem ser confundidas com os próprios sintomas da MT;
  • Resistência às drogas antituberculose: considerados pelos autores dados de resistência mono e multidroga, sua frequência varia entre 4 e 12%, sendo sua determinação desafiadora na prática clínica;
  • Crianças e indivíduos HIV-positivos: são os grupos de maior risco para a MT. A concomitância das infecções por HIV e tuberculosis pode proporcionar uma série de complicações, entre elas: o agravamento do quadro de MT no contexto da síndrome inflamatória de reconstituição imunológica e as interações entre as medicações antirretrovirais e antituberculose.

Saiba mais: Calendário do SUS terá nova vacina que previne 4 tipos de meningite

Monitorização dos pacientes críticos com MT:

  • Avaliação clínica e monitorização básica a beira do leito: pode ser acrescida de escalas gerais, como a de Coma de Glasgow, e de ferramentas específicas como a Escala de Meningite Tuberculosa do Conselho de Pesquisa Médica do Reino Unido;
  • Monitorização não invasiva da PIC: inclui as seguintes técnicas: doppler transcraniano e ultrassonografia da bainha do nervo óptico. As duas têm valor indeterminado no seguimento dos pacientes com MT;
  • Punção lombar: é essencial para o estabelecimento do diagnóstico da MT e útil na avaliação de seu prognóstico. Porém, punções lombares repetidas não tem valor estabelecido em seu acompanhamento;
  • Monitorização intracraniana invasiva: além da monitorização propriamente dita, algumas técnicas permitem também intervenções terapêuticas. Mas não está disponível em todos os centros. Seu papel na indicação de terapias e no prognóstico dos pacientes ainda está por ser definido.
  • Biomarcadores de lesão cerebral: são tidos como potencialmente úteis no futuro, pois ainda carecem da determinação de quais marcadores e valores são mais relacionados à MT;
  • Imagem cerebral: permite principalmente a identificação do mecanismo relacionado à elevação da PIC. É indicada na avaliação inicial e na vigência de piora dos sintomas. Porém, seu papel no seguimento dos pacientes com melhora não encontra evidências. A escolha entre tomografia computadorizada ou ressonância magnética recai sobre os seguintes aspectos: custo, disponibilidade, rapidez, condições do paciente.

Manejo do paciente crítico com MT:

  • Princípios gerais: destacam-se o controle da PIC e a redução dos danos cerebrais. A cerca desse último, a hipotermia é sugerida como tendo potencial benefício para MT, mas ainda não foi investigada nessa condição;
  • Proteção de via aérea e falência respiratória: apesar da frequente necessidade de suporte ventilatório em pacientes com MT admitidos em unidade de terapia intensiva, não está estabelecida nenhuma estratégia específica nesses casos. E também não existem evidências que embasem o uso de hiperventilação para o controle de PIC nesses mesmos pacientes;
  • Medicação antituberculose: em pacientes críticos sua administração apresenta alguns desafios. Um deles é o uso de sonda enteral e o desconhecimento quanto às concentrações intracerebrais alcançadas. Outro é o questionamento sobre se doses diferentes daquelas usualmente recomendadas teriam maior benefício nesses pacientes.
  • Tratamento anti-inflamatório: o uso adjuvante de corticoide no início da terapia antituberculose reduz a mortalidade na MT. Corticoides tem aplicação também como terapia de resgate na hipertensão intracraniana e na síndrome inflamatória de reconstituição imunológica;
  • Controle de convulsões: nos pacientes com MT não há um esquema ideal previamente estudado, porém em razão da metabolização das drogas antituberculose pelo citocromo P450, sugere-se o uso do levetiracetam;
  • Hiponatremia e terapia hiperosmolar: nos casos de síndrome cerebral perdedora de sal, pode ser alcançada mais rapidez em sua correção através da suplementação de sódio associada à fludrocortisona, mas sem efeito sobre a morbimortalidade. E, nos casos de secreção inadequada de hormônio antidiurético, a restrição hídrica pode ser problemática nos pacientes com MT;
  • Hidrocefalia: entre as opções para sua abordagem na MT, destacam-se: drenagem ventricular externa, terceiroventriculostomia endoscópica e derivação ventriculoperitoneal. A MT impõe um desafio à abordagem cirúrgica em razão do aumento do exsudato nas cisternas da base em sua fase aguda.

Considerações finais

Os autores ressaltam a falta de estudos em pacientes com MT a fim de determinar quais medidas são as mais adequadas para o seu manejo em terapia intensiva. Indicam determinados pontos carentes de evidência, mas se investigados, podem se converter em oportunidades para o aprofundamento do conhecimento e o aprimoramento da assistência.

Sabendo-se que a tuberculose é mais prevalente nas partes mais pobres do globo, chama a atenção à ausência de uma discussão mais detalhada a cerca do impacto das condições socioeconômicas dos pacientes no acesso às técnicas de monitorização e terapias discutidas.

Considero importante, não apenas nesse caso, o exercício de contextualização da literatura estrangeira às realidades tão diversas com as quais os profissionais de saúde se deparam em sua prática diária em nosso país.

 

Referências: 

  • Donovan J, Figaji A, Imran D, et al. The neurocritical care of tuberculous meningitis. Lancet Neurol 2019. DOI: 10.1016/S1474-4422(19)30154-1
  • Global tuberculosis report 2018. 2018. Disponível em: http://www.who.int/tb/publications/global_report/en/  Acessado em 21 de junho de 2019.
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