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Neurologia8 fevereiro 2023

Estimulação elétrica pode atuar na reabilitação de pacientes com sequelas de AVC

Um estudo recrutou 45 pacientes com síndrome da negligência espacial unilateral (NEU) após AVC isquêmico. Veja mais detalhes.

Por Úrsula Neves

Um estudo realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) aponta que o uso da estimulação elétrica transcraniana (TDCS) melhorou a reabilitação de pacientes que sofreram um acidente vascular cerebral (AVC) e ficaram com uma sequela chamada síndrome da negligência espacial unilateral, caracterizada pela desatenção e não percepção do que está ao lado esquerdo e atinge 30% dos pacientes que tiveram a lesão no hemisfério cerebral direito. 

“O paciente com essa síndrome perde a percepção do lado esquerdo e não reconhece estímulos sensoriais. Ele faz a barba somente do lado direito do rosto ou só come o alimento que está no lado direito do prato, por exemplo. Isso tem implicações sérias na reabilitação e impacto direto nas atividades de vida diária”, explicou o coordenador da Unidade de AVC do Hospital das Clínicas da FMB e um dos autores da pesquisa, Rodrigo Bazan.  

O especialista ainda ressaltou que a síndrome da negligência unilateral costuma regredir parcialmente nos primeiros três meses pós-AVC, mas que pode se tornar permanente. Por isso a importância do acompanhamento multiprofissional especializado, uma vez que – muitas vezes – esse déficit passa despercebido pela equipe de saúde, causando atraso na reabilitação do paciente.  

Além dos pesquisadores da Unesp, o artigo também contou com a participação de cientistas da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade de Toronto e da Faculdade de Fisioterapia da Universidade  Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). O estudo foi publicado na revista Annals of Neurology. 

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Metodologia aplicada e limitações do estudo  

Trata-se de um ensaio clínico duplo-cego, randomizado piloto que recrutou 45 pacientes com síndrome da negligência espacial unilateral (NEU) após AVC isquêmico, divididos em três grupos: 1) estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC) anódica associado à fisioterapia; 2) ETCC catódica associado à fisioterapia; 3) ETCC sham associado à fisioterapia.  

A fisioterapia foi realizada por 7,5 semanas após 20 minutos de ETCC no córtex parietal. O desfecho primário foi o grau de NEU avaliado pela Behavior Innatention Test (BIT). Os desfechos secundários foram a diferença na pontuação Catherine Bergego Scale (CBS), gravidade do AVC (NationalInstitutes of Health StrokeScale [NIHSS]), incapacidade (Escala de Rankin modificada), autonomia (Índice de Barthel, Medida de Independência Funcional) e qualidade de vida (EuroQol Grupo 5 -Dimension Self-ReportQuestionnaire). 

Segundo Rodrigo Bazan, a aplicação da corrente elétrica na área lesionada utiliza eletrodos não invasivos e indolores e resulta na reorganização da rede de neurônios na região, o que favorece a recuperação da função e a plasticidade cerebral – quando um hemisfério cerebral apresenta problemas, o outro pode se modificar para assumir as funções da área lesionada. 

Após os tratamentos, os participantes foram avaliados com base em diversas escalas clínicas e questionários validados internacionalmente. Os pesquisadores concluíram que não houve grande diferença entre o grupo que não recebeu qualquer estimulação e o que recebeu estimulação no lobo não lesionado. 

Redução de negligência no tratamento

Por outro lado, os voluntários que foram estimulados diretamente na área lesionada tiveram uma melhora cerca de 30% maior, na comparação com o grupo que não recebeu a estimulação – os pesquisadores perceberam uma redução do grau de negligência do paciente, ganhos na fisioterapia e uma melhora na parte motora – na marcha, para se alimentar e se vestir, por exemplo. 

Os únicos efeitos relacionados com a intervenção foi cefaléia em três pacientes do grupo que realizou ETCC anódica, além de duas pessoas do grupo sham (placebo) com os mesmos efeitos. Houve ainda dois casos de vermelhidão na área de colocação dos eletrodos. No geral, os pesquisadores afirmaram que a ETCC é um método seguro, desde que sejam seguidas todas as recomendações de segurança e diretrizes internacionais.   

“Este estudo teve algumas limitações. Primeiro, não pudemos comparar os efeitos da ETCC entre pacientes com lesões corticais, subcorticais ou córtico-subcorticais, devido ao pequeno número de indivíduos nesses subgrupos. Em segundo, a intensidade do exercício não foi controlada por escalas específicas. Em terceiro, não avaliamos os efeitos a longo prazo e a autoeficácia do tratamento com ETCC. Além disso, biomarcadores e testes de neuroimagem são necessários para entender os mecanismos de plasticidade em pacientes negligência espacial unilateral para ajudar a selecionar os melhores candidatos para intervenções de neuromodulação. Alguns autores relataram que lesões no fascículo longitudinal superior podem causar NEU persistente, e a avaliação por estudos de imagem pode fornecer evidências diretas da localização anatômica da função cerebral para uma melhor resposta após a estimulação cerebral”, ressaltou o fisioterapeuta Gustavo José Luvizutto, professor adjunto do Departamento de Fisioterapia Aplicada da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), que também participou do estudo, em entrevista ao Portal de Notícias da PEBMED.  

Avaliação e próximos passos 

Na opinião de Rodrigo Bazan, os resultados são promissores e outros estudos devem ser realizados para confirmar os benefícios. Apesar do trabalho ter avaliado os pacientes após sete semanas de intervenções, ainda não se sabe se esse seria o tempo mínimo ideal ou se o tratamento teria de ser prolongado. “Não existe ainda essa resposta na literatura, mas vamos fazer o seguimento dos pacientes para avaliar se há benefícios dessa terapia a longo prazo”, afirmou.  

“Os pacientes que terminaram o estudo estão sendo acompanhados a longo prazo com as mesmas escalas utilizadas na metodologia. Além disso, está sendo elaborado outro ensaio clínico multicêntrico, denominado TITAN trial, para avaliar se a estimulação magnética transcraniana prévia a ETCC anódica pode potencializar seus efeitos para outros desfechos”, concluiu Gustavo Luvizutto.  

Este artigo foi revisado pela equipe médica do Portal PEBMED.

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