A enxaqueca é um distúrbio de cefaleia primária altamente incapacitante com uma prevalência em 1 ano de ~ 15% na população em geral. De acordo com o Global Burden of Disease Study, a enxaqueca é o segundo distúrbio neurológico mais prevalente em todo o mundo, responsável por mais incapacidades do que todos os outros distúrbios neurológicos combinados.
Ela se manifesta clinicamente com ataques recorrentes de cefaleia e uma variedade de sintomas associados. Em aproximadamente um terço um terço dos indivíduos, a cefaleia é às vezes ou sempre precedida ou acompanhada por distúrbios neurológicos transitórios, denominados de aura. Além disso, existe a possibilidade de uma evolução para enxaqueca crônica, na qual as crises se tornam altamente frequentes.
Acredita-se amplamente que a patogênese da enxaqueca envolve a ativação periférica e central do sistema trigeminovascular, e que a depressão alastrante cortical seja o substrato neurofisiológico subjacente da aura da enxaqueca. No entanto, muito permanece desconhecido sobre processos patogênicos específicos e poucas opções de tratamento baseadas em mecanismo existem atualmente.
Os tratamentos incluem medicamentos agudos e preventivos e uma variedade de terapias não farmacológicas. Apesar dessas opções de tratamento e dos critérios diagnósticos abrangentes, o atendimento clínico permanece abaixo do ideal – diagnósticos errôneos e subtratamento são desafios substanciais para a saúde pública.
Dados de base populacional da Europa indicam que a medicação preventiva para enxaqueca é usada por apenas 2–14% dos indivíduos elegíveis, uma descoberta alarmante. Uma abordagem abrangente é necessária para facilitar o diagnóstico preciso e o manejo baseado em evidências.
Estudo sobre o diagnóstico e tratamento da enxaqueca
A Danish Headache Society, European Headache Federation (EHF) e European Academy of Neurology desenvolveram uma abordagem em dez etapas para o diagnóstico e tratamento da enxaqueca. O objetivo da abordagem é apoiar os cuidados e a tomada de decisão clínica por médicos generalistas, neurologistas e especialistas em cefaleia.
Etapa 1: Quando suspeitar de enxaqueca
- Suspeite de enxaqueca sem aura em uma pessoa com cefaleia recorrente moderada a intensa, principalmente se a dor for unilateral e / ou pulsante e quando a pessoa apresentar sintomas associados, como fotofobia, fonofobia, náusea e / ou vômito.
- Suspeite de enxaqueca com aura em uma pessoa com os sintomas acima e distúrbios visuais e/ou hemissensoriais recorrentes e de curta duração.
- Suspeita de enxaqueca crônica em uma pessoa com ≥15 dias de dor de cabeça por mês.
- A suspeita de enxaqueca deve ser reforçada por uma história familiar e se o início dos sintomas ocorrer na puberdade ou próximo a ela.
Etapa 2: Diagnóstico de enxaqueca
- Faça um histórico médico cuidadoso, aplicando os critérios da ICHD-3.
- Utilize ferramentas de diagnóstico validadas e de triagem, como diários de cefaléia, o questionário de “three-item ID-Migraine questionnaire” e “the five-item Migraine Screen Questionnaire (MS-Q).
- Considere diagnósticos diferenciais, incluindo outros transtornos de cefaleia primários e secundários.
- Use neuroimagem apenas quando houver suspeita de um distúrbio de cefaleia secundária.
Etapa 3: Educação e “foco” no paciente
- Forneça a cada paciente uma explicação completa da enxaqueca como uma doença e dos princípios de seu tratamento.
- Considere os fatores predisponentes e desencadeadores.
- Cumpra os princípios do cuidado escalonado para alcançar a terapia individualizada ideal.
Medicações de primeira linha (AINES + antieméticos, se necessário) > Três ataques sem sucesso no tratamento. > Medicações de Segunda linha (Triptanos, considerar combinações com AINES) > Três ataques consecutivos sem sucesso no tratamento > Trocar para outro triptano. > Falha em todos os triptanos > Drogas de terceira linha (“ditans”ou “gepans”)
Etapa 4: Tratamento agudo
- Ofereça medicação para fase aguda a todas as pessoas que tenham crises de enxaqueca.
- Aconselhe o uso de medicamentos agudos no início da crise de enxaqueca, pois a eficácia depende do uso oportuno com a dose correta.
- Aconselhe os pacientes que o uso frequente e repetido de medicamentos agudos corre o risco de desenvolver cefaleia por uso excessivo de medicamentos
- Use AINEs (ácido acetilsalicílico, ibuprofeno ou diclofenaco de potássio) como medicamento de primeira linha.
- Use triptanos como medicação de segunda linha.
- Considere combinar triptanos com AINEs de ação rápida para evitar recidivas recorrentes.
- Considere “ditanss” e “gepants” como medicamentos de terceira linha.
- Use antieméticos procinéticos (domperidona ou metoclopramida) como medicamentos orais adjuvantes para náuseas e / ou vômitos.
- Evite alcalóides de ergotina, opioides e barbitúricos.
Etapa 5: Tratamento preventivo
- Considere o tratamento preventivo em pacientes que são afetados pela crise de enxaqueca em ≥ 2 dias por mês, apesar do tratamento agudo otimizado.
- Use betabloqueadores (atenolol, bisoprolol, metoprolol ou propranolol), topiramato ou candesartana como medicamentos de primeira linha.
- Use flunarizina, amitriptilina ou (em homens) valproato de sódio como medicamentos de segunda linha.
- Considere os anticorpos monoclonais CGRP como medicamentos de terceira linha.
- Considere os dispositivos neuromoduladores, a terapia biocomportamental e a acupuntura como adjuvantes da medicação aguda e preventiva ou como tratamento preventivo autônomo quando a medicação for contra-indicada.
Etapa 6: Gerenciando a enxaqueca em populações especiais
- Em pacientes com enxaqueca de início tardio aparente, suspeite de uma causa subjacente.
- Em pessoas mais velhas, considere os maiores riscos de cefaleia secundária, comorbidades e eventos adversos com a idade avançada.
- Em crianças e adolescentes com enxaqueca, apenas o repouso na cama pode ser suficiente; caso contrário, use ibuprofeno para tratamento agudo e propranolol, amitriptilina ou topiramato para prevenção.
- Em mulheres grávidas ou amamentando, use paracetamol para tratamento agudo e evite medicação preventiva sempre que possível.
- Em mulheres com enxaqueca menstrual, considere a terapia preventiva perimenstrual com um AINE de ação prolongada ou triptano.
Etapa 7: Acompanhamento, resposta ao tratamento e falha
- Avalie as respostas ao tratamento logo após o início (após 2–3 meses) ou uma mudança de tratamento e regularmente a partir de então (a cada 6–12 meses).
- Avalie a eficácia do tratamento avaliando a frequência dos ataques, a gravidade dos ataques e a incapacidade relacionada à enxaqueca.
- Quando os resultados são abaixo do ideal, reveja o diagnóstico, a estratégia de tratamento, a dosagem e a adesão.
- Se todo o tratamento falhar, questione o diagnóstico e considere o encaminhamento a um especialista.
Etapa 8: Gerenciando complicações
- Eduque os pacientes com enxaqueca sobre o risco de cefaleia por uso excessivo de medicamentos.
- Gerencie a cefaleia por uso excessivo de medicamentos por meio de explicação e retirada do medicamento usado em excesso; a retirada abrupta é preferida, exceto para opioides.
- Reconhecer e, quando possível, modificar os fatores de risco para a transformação da enxaqueca episódica em enxaqueca crônica.
- Encaminhe pacientes com enxaqueca crônica para atendimento especializado.
- Uma vez que a hipótese de cefaleia por uso excessivo de medicamentos foi descartada, inicie a terapia medicamentosa preventiva para enxaqueca crônica; as opções de tratamento baseadas em evidências são topiramato, onabotulinumtoxinA e anticorpos monoclonais CGRP.
Etapa 9: reconhecer e gerenciar comorbidades
- Certifique-se de que as comorbidades sejam identificadas em pacientes com enxaqueca, pois podem afetar a escolha do tratamento e os resultados.
- Ajuste os tratamentos de acordo e considere as possíveis interações entre os efeitos adversos relacionados ao medicamento e o perfil de comorbidade do paciente.
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Etapa 10: Acompanhamento de longo prazo
- A atenção primária deve ser responsável pelo manejo de longo prazo dos pacientes com enxaqueca.
- O encaminhamento de um especialista de volta à atenção primária deve ser oportuno e acompanhado por um plano de tratamento abrangente.
- O paciente pode ser encaminhado de volta ao atendimento primário assim que a eficácia sustentada com terapia preventiva por até 6 meses for obtida sem efeitos adversos substanciais relacionados ao tratamento.
Referências bibliográficas:
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Eigenbrodt, A.K., Ashina, H., Khan, S. et al. Diagnosis and management of migraine in ten steps. Nat Rev Neurol 17, 501–514 (2021). https://doi.org/10.1038/s41582-021-00509-5
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